Cresce a evidência de que não é possível encontrar racionalidade para o conflito entre a atitude reformista das por vezes propostas contraditórias de reorganização da governança interna da União Europeia e a rigidez da resposta ao Brexit do Reino Unido, que, por seu lado, preferiu a rutura a um envolvimento prudente no inevitável processo de reforma. Os previsíveis resultados destas atitudes não vaticinam a possibilidade de evitar que o futuro aconteça em liberdade enquanto as cimeiras se multiplicam. Uma das dificuldades já visível, e que não pode evitar-se relacionar com a evolução dos populismos, é que finalmente parece admitir-se que a alegria da queda do Muro de Berlim levou a não assumir que a Europa de duas metades se unificava, tendo uma metade com meio século de democracia empenhada em harmonizar a evolução e a redefinição das soberanias e a outra vencia a luta contra a submissão violenta ao nazismo alemão ou ao sovietismo, mas para recuperar a soberania que tinha perdido. As alterações da soberania que na própria metade ocidental não têm deixado de encontrar dificuldades, e até humilhações, conduziram no leste a uma atitude também inspiradora dos populismos que ameaçam as próximas eleições, as quais, nas palavras de Marci Shore, consideram paternalismo ocidental o emaranhado de normativos, de centros de decisão que muitas vezes impuseram a autoridade técnica e científica como suficientemente legitimadora..A meio do trajeto, Jean Monnet - que seguira com atenção e intervenção a discussão sobre a marcha para a unidade da Europa, em que pairava a proposta de Aristide Briand, dos anos 1920, da criação dos Estados Unidos da Europa - concluiria nas Memórias que, quanto à sua participação, deveria ter começado pela cultura e não pela economia, para orientar os europeus na compreensão da necessidade da ação coletiva, sendo certo que já nesse tempo o Reino Unido se opunha a qualquer abandono da soberania..Era cedo para seguir a conclusão de Victor Hugo (1876) - "falta à Europa uma nacionalidade europeia". Nos tempos de esperança da Europa unida e do Ocidente salvaguardado do leste, da meia Europa liberta do sovietismo, ouviu-se uma voz encantatória que rapidamente circulou na meia Europa democrática, a de Václav Havel, pregando a busca da "autenticidade", isto é, de viver a verdade, sobretudo a responsabilidade individual contra o autoritarismo..Neste 2019, o alerta sobre a manipulação da verdade fez de novo recordar a advertência de T.S. Matthews (1959): "Parte-se do princípio de que a principal razão de ser da imprensa sejam as notícias. Se as notícias são o que aconteceu ontem, os jornais imprimem uma quantidade medonha de notícias falsas. As notícias são o que a imprensa publica. A maioria das 'notícias' mundiais são fabricadas pela própria imprensa; entrevistas com homens importantes, relatórios sobre situações graves, análises políticas, 'especulações informadas', etc. Uma grande parte da imprensa abandona de facto a pretensão de tratar exclusivamente de factos.".Parecem palavras vindas de uma época de inocência, quando a questão das notícias falsas tem inteira ligação com a arena global em que se transformou hoje a luta pelo poder, sobretudo no plano internacional. Parece, aos europeístas convictos, que é útil evidenciar os benefícios atribuídos ao projeto literal em vigor, mas isso não pode diminuir a evidência de que as fragilidades acontecem em termos de o notável Jacques Barzun adotar como tema fundamental da sua prestante indagação, o "Da Grande Ilusão", "A Civilização Ocidental Tem de Acabar", apelando à meditação deste conceito de Disraeli: "Não podemos enganar-nos, porque estudamos o passado e é bem conhecida a nossa capacidade de revelar o futuro quando este já ocorreu.".Não se trata apenas da crise das migrações, que não é apenas inquietante para a harmonia dos valores da humanidade com a segurança, mas também inquietante agora para o leste que foi soviético e hoje sofre uma perda já avaliada em dezoito milhões de cidadãos, compreendendo elites científicas e culturais. Trata-se, entre mais sinais, incluindo a inidentidade frequente dos que lutam pelo poder político, do facto de os movimentos populistas estarem a ultrapassar o patamar do protesto sem projeto alternativo e sem lideranças..A análise publicada das tendências das eleições próximas já identifica lideranças e projetos. De facto, amar a Europa e o Ocidente significa assumir repensar o sistema, antes que o futuro dê razão a Disraeli. O número de cimeiras vazias de resultados visíveis, ainda quando são os teoricamente dotados de proeminência que se envolvem, é inquietante justamente porque o vazio em cada experiência se acentua..Se a ordem mundial é problemática, o outono ocidental em cada caso acentua-se. Nesta penumbra, é finalmente a voz das crianças que exige maturidade aos responsáveis.