O governo britânico amanheceu nesta segunda-feira ainda sem acordo sobre o acordo do brexit Londres-Bruxelas. À hora de almoço, a porta-voz da primeira-ministra, Theresa May, admitia que houve bons progressos sobre o acordo de retirada da UE mas que permaneciam questões substanciais para ultrapassar o problema de uma fronteira física entre as duas Irlandas..Horas mais tarde, o Financial Times avançava que o negociador chefe da UE para o brexit, Michel Barnier, suscitou a esperança de que poderá haver um acordo anunciado nesta terça-feira ao dizer aos ministros da UE dos 28 que "os parâmetros de um possível acordo sobre o brexit estão já amplamente definidos". Mas, logo depois, a porta-voz de May, citada pela Reuters, afirmava que tais declarações deveriam ser encaradas com alguma cautela e uma certa dose de ceticismo..O Guardian, por sua vez, sublinhava que a menos que haja um acordo até quarta-feira, a cimeira especial dos países da UE sobre o brexit, pensada para os próximos dias 17 e 18, teria de ser desconvocada. Caso nada seja anunciado nesta terça-feira também, o Labour, partido na oposição e rival dos Conservadores de May, indicou num comunicado, citado pela Reuters, que vai obrigar o n.º 10 de Downing Street a publicar os avisos de contingência que tem vindo a divulgar, mas relativos à fronteira entre Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e República da Irlanda, o que poderia forçar May a apresentar uma solução sem ser o regresso de uma fronteira física no pós-brexit. Ou, então, obrigá-la a assumir que não consegue encontrar uma..Pior do que um Johnson, são dois Johnson.Com a libra a cair, o dia 29 de março de 2019 a aproximar-se, continuam a desenhar-se cenários possíveis: acordo, caos ou um novo voto. Esta é uma hipótese que voltou a ser falada depois de o irmão de Boris Johnson, Jo Johnson, que na semana passada se demitiu do cargo de secretário de Estado dos Transportes do governo de Theresa May, ter publicado um artigo a propor um segundo referendo. Mas que, não sendo só sobre a saída da UE, poderia ser sobre três coisas distintas: sobre um eventual acordo Londres-Bruxelas, sobre a permanência do Reino Unido na UE ou sobre um brexit desordenado sem acordo..Neste momento, a única coisa que está prevista é um voto do Parlamento sobre o acordo final do brexit, mesmo assim de desfecho incerto dadas as exigências do Labour e a rebelião interna no Partido Conservador. Também Boris Johnson se demitiu em julho do Executivo por discordar da chamada proposta de Chequers acordada pelo mesmo. Também a UE rejeitou em seguida essa mesma proposta e pediu à primeira-ministra britânica que trabalhasse numa nova. No entender de Boris, Chequers era como "pôr um colete de explosivos" à volta da Constituição britânica e entregar "o detonador a Bruxelas"..Se May perder a votação na câmara dos Comuns, podia abrir-se a via para um segundo referendo, tal como exigem campanhas como a do People's Vote. Se não houver acordo para votar poderia haver brexit desordenado. Mas segundo o Financial Times só apenas três ministros parecem confortáveis neste momento com esta hipótese. Uma minoria. Porém, se houver acordo e May ganhar a votação, o contexto poderá mudar em geral. É preciso não descartar isso. Até ao fim..Um referendo poderia ser tecnicamente difícil, dada a falta de tempo para fazer campanha, dado o facto de ter de ser proposto pelo governo. E May, que acionou o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, já afirmou que não tenciona fazê-lo. Além disso é preciso ter em conta que a opinião pública britânica não mudou assim tanto sobre a UE em dois anos. No referendo de 23 de junho de 2016 52% votaram a favor do brexit e 48% contra. Uma sondagem recente da Survation, para o Channel 4, revelou que agora 54% apoiam o bremain e 46% o brexit..O pedido dos pró-remain a Barnier.Vários políticos favoráveis à permanência do Reino Unido na UE reuniram-se em outubro com Barnier e pediram ao negociador chefe da UE para o brexit para preparar um plano de contingência para um segundo referendo..Segundo o Independent, numa reunião com o ex-ministro francês Sadiq Khan, mayor de Londres, do Labour, pediu a Barnier que preveja um período de transição durante o qual os britânicos possam organizar uma nova votação. Se não houver acordo, não houver uma extensão dos prazos previstos no artigo 50.º do Tratado de Lisboa, a seguir ao dia 29 de março o Reino Unido estará fora da UE. Simplesmente. "O que quis fazer ver a Barnier é que existe a possibilidade de o Parlamento britânico rejeitar um acordo que a senhora May faça com a União Europeia.".O mesmo apelo fez Vince Cable, um histórico dos Liberais-Democratas, partido pré-europeu. "A minha mensagem para Michel Barnier foi clara: é tempo de começar a pensar seriamente num plano de contingência para um voto popular. Sabemos que o governo britânico já começou a fazer o mesmo dada a grande exigência dos cidadãos por uma tal votação, tal como demonstraram na marcha [de 20 de outubro em Londres]. A UE deveria fazer o mesmo. Os deputados que apoiam um voto popular estão a formar muito rapidamente um bloco coeso em Westminster.".O Labour e os Liberais-Democratas.Nesta segunda-feira foi o dia de o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, do Labour, dizer que está convicto de que haverá um segundo referendo no Reino Unido sobre a relação dos britânicos com a UE. Defendendo que "os cidadãos devem ter a última palavra, Brown, que esteve no poder entre 2007 e 2010, afirmou numa intervenção no Institute for Government: "Não posso dizer quando isso irá ocorrer, mas acredito que, em algum momento, haverá um referendo.".Na semana passada, o seu antecessor, Tony Blair, primeiro-ministro de 1997 a 2007, garantiu na Web Summit em Lisboa que tudo tenciona fazer para evitar que os britânicos saiam do clube europeu. "É possível travá-lo [brexit]. Não é do nosso interesse político nem económico, vai enfraquecer a Inglaterra e a Europa", afirmou o ex-líder trabalhista, sublinhando: "Nenhum brexit é uma boa ideia. Antes de se seguir por algum caminho, voltem a perguntar aos britânicos: como é que o Reino Unido vai conseguir avançar ao sair do mercado da UE.".O ministro-sombra trabalhista para o brexit, Keir Starmer, foi mais longe nesta segunda-feira dizendo que é possível bloquear a saída do Reino Unido da UE. "Sim, tecnicamente pode ser bloqueada. A questão é saber quais são as decisões que vão surgir e qual será a votação", afirmou o responsável, na BBC, acrescentando: "A decisão seguinte é se deve haver novas eleições legislativas. Nós diríamos que sim, porque significaria que as negociações falharam. Se tal não acontecer, quer dizer que todas as opções devem estar em cima da mesa. Uma opção é um voto popular.".Também à BBC, Nick Clegg, ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido (entre 2010 e 2015) e ex-líder dos Liberais-Democratas, afirmou, em outubro, que o brexit é algo "curiosamente antibritânico" e defendeu um segundo referendo. Clegg foi número dois do governo britânico no primeiro Executivo de David Cameron. Já não integrou o segundo, durante o qual o ex-primeiro-ministro conservador concordou com o referendo sobre o brexit. Após conhecer o resultado demitiu-se. Saiu Cameron e entrou May..Os internacionais.O tema de um segundo referendo começa, lentamente, a extravasar as fronteiras do Reino Unido. Na vizinha Irlanda, um dos países da UE mais diretamente afetados pelo brexit, os ex-primeiros-ministros Bertie Ahern e John Bruton, o primeiro do partido Fianna Fáil e o segundo do partido Fine Gale, defenderam, na RTE, que a melhor forma de sair da "confusão" do brexit é fazendo um segundo voto.."[Theresa May e a sua equipa] querem acordar tudo ao mesmo tempo. Têm estado a tentar tratar do artigo 50.º, do acordo de retirada e da futura relação ao mesmo tempo. Eu penso que ainda continuam a tentar fazer isso, resolver as três coisas ao mesmo tempo, e eu penso que é preciso ter muito cuidado", afirmou Ahern, na televisão irlandesa.."Ela [May] vai acabar por perceber que não tem a maioria para fazer passar um acordo e dirá que, em vez de eleições antecipadas, mais vale fazer um novo referendo, com a opção de ficar na UE", declarou Bruton, numa altura em que se debate também qual seria a pergunta numa nova consulta popular e que opções de escolha seriam apresentadas aos eleitores..De Espanha, veio a surpreendente declaração do primeiro-ministro Pedro Sánchez, do PSOE: "Se eu fosse Theresa May, convocaria um segundo referendo - sem dúvida", declarou em entrevista publicada no domingo no Politico. Porém, o chefe do governo espanhol esclareceu: "Gostaria de ver o governo britânico convocar um segundo referendo. Não digo agora, mas no futuro, para que possam voltar à UE."