Não há particulares surpresas no embrião de programa eleitoral do PCP apresentado nesta quarta-feira por Jerónimo de Sousa. Se comparado com as 85 páginas do programa de 2015, estas linhas de orientação para 2019 sublinham, a abrir, aquilo que em 2015 não se antecipava: a ação do PCP durante estes três anos e meio de legislatura que obrigou, segundo secretário-geral comunista, a "uma perspetiva de desenvolvimento diferente da que tem sido imposta pela política de direita nas últimas décadas"..Sim, leu bem: para o PCP, o PS ainda é responsável por impor uma "política de direita", com a qual, na ótica dos comunistas, é preciso romper. "A política de direita do PS, do PSD e do CDS ao longo de décadas vulnerabilizou o país e a sua capacidade produtiva, acentuou desigualdades e agravou a sua dependência", disse Jerónimo de Sousa. Tal como em 2015: "As opções e a ação de sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS marcam de forma dramática a vida dos portugueses."."Governo quis ser mais papista do que o papa".A diferença é que na noite das eleições legislativas desse ano Jerónimo atirou: "O PS só não será governo se não quiser." E o PS foi governo com o apoio parlamentar do PCP, do Bloco e dos Verdes. Por isso, agora, o líder comunista sublinhou que "os avanços verificados na reposição de direitos e rendimentos e no alargamento do mercado interno fizeram prova de que esse devia ser o caminho", que, garantiu, "só não foi mais longe porque o governo do PS optou pela submissão às imposições do euro e da União Europeia e pela subordinação aos interesses do capital monopolista". Ou na tradução mais direta que Jerónimo fez na conferência de imprensa: "O governo quis ser mais papista do que o papa", ao defender um défice zero, quando Bruxelas estabelece um "plafond de 3%"..Já em 2015, antecipava o PCP, "os documentos que projetam a evolução futura do país, abrangendo o período da próxima legislatura - os programas Nacional de Reformas e de Estabilidade do governo do PSD-CDS-PP, o programa eleitoral do PS e o respetivo cenário macroeconómico confirmam a intenção convergente de prosseguir, consolidar e aprofundar a regressão social, a exploração e o empobrecimento"..Não foi assim, reconheceu Jerónimo de Sousa, mas ainda há mais por fazer, como explicou nesta quarta-feira: "O crescimento económico registado - inseparável das medidas positivas que foram alcançadas e de uma envolvente externa favorável - não foi nem será suficiente para corrigir a recessão e a estagnação económica dos quatro anos do governo PSD-CDS e foi, sobretudo, incapaz de ultrapassar os défices e os estrangulamentos estruturais da economia nacional.".A valorização salarial é uma "emergência nacional".Com um alerta: "O desenvolvimento do país exige um programa para uma política patriótica e de esquerda inseparável da rutura em questões nucleares com a política de direita de PSD, CDS e PS, e da construção de uma política alternativa" que, para os comunistas, se traduz no próximo ato eleitoral em investir, investir, investir nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado. Aumentando salários para estimular a economia..A valorização salarial é assumida como "emergência nacional", depois de em 2015 o PCP ter defendido que se deixasse para trás os anos de "empobrecimento" da troika, com uma "política que seja capaz de libertar Portugal da dependência e da submissão, recuperar para o país o que é do país, devolver aos trabalhadores e ao povo os seus direitos, salários e rendimentos"..Jerónimo definiu que esta "emergência salarial" tem como "objetivo nuclear" o "aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, a valorização das profissões e das carreiras, com um aumento significativo do salário médio, o aumento do salário mínimo nacional para os 850 euros e a convergência progressiva com a média salarial da zona euro"..Os 850 euros antecipados por Jerónimo já foram defendidos pelo PCP logo depois de, no 1.º de Maio, o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, ter defendido - no último discurso que fez no Dia dos Trabalhadores como líder da Intersindical - o aumento para esse valor "a curto prazo". Jerónimo parece fixar o objetivo desses 850 euros para a próxima legislatura..Para os próximos quatro anos, há um encargo que o líder comunista coloca na mesa, ao fixar o revogar as "normas gravosas da legislação laboral", aquela em que o PS menos mexeu, nestes pouco mais de três anos e meio de geringonça..Há cinco anos, as principais reivindicações já prenunciavam o que o PCP vai colocar no seu programa de 2019: "Revogar a legislação que integra o Código do Trabalho e a legislação laboral da administração pública com prioridade para as normas gravosas", lia-se entre muitas propostas concretas..Saúde é prioridade, sem privados na sua gestão.De 2015 para 2019, o PCP insiste em "reforçar o SNS, garantir o acesso de todos aos cuidados de saúde", para que o Serviço Nacional de Saúde seja "universal, geral e gratuito": "Combater a privatização da saúde, responsabilizar o Estado." Em 2019, apontou ontem Jerónimo de Sousa, os comunistas querem "inscrever como prioridade um programa de investimento na Saúde", objetivo que é inseparável da afetação anual dos meios orçamentais postos ao dispor do Serviço Nacional de Saúde" e que seja "capaz de inverter o subfinanciamento crónico do setor"..Recusando agora como em 2015 as parcerias público-privadas na saúde: "Assegurando o retorno à esfera pública dos estabelecimentos hospitalares entregues a privados." Há quatro anos, o tom era mais assertivo: "Gestão pública dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, rejeitando qualquer entrega da sua gestão a entidades privadas e pondo termo à promiscuidade entre público e privado.".Neste capítulo da gestão pública de empresas, o PCP quer também recuperar o controlo público de setores estratégicos, exemplificando com os CTT ("cuja recuperação do controlo público é urgente"). Sem aparentes excessos que recordem 1975: "É necessária a reversão desses processos e proceder, por negociação adequada com os seus titulares, pela nacionalização ou outros instrumentos, à sua inclusão no setor dos meios de produção públicos conforme o ordenamento constitucional.".Um "leque amplo" que se repete na defesa da regionalização.Há bandeiras que não se perdem - e praticamente não se alteram. Se Jerónimo defendeu ontem que para "assegurar um país coeso e equilibrado e a regionalização" se "exige um leque amplo de políticas integradas que garantam o desenvolvimento equilibrado" de Portugal, há quatro anos os comunistas queriam uma "política de desenvolvimento regional que [combatesse] as assimetrias regionais, o despovoamento e a desertificação", o que exigia já então "um leque amplo de políticas integradas e dinamizadas regionalmente por poder regional decorrente da regionalização"..Também em 2015 o PCP queria "promover e garantir a igualdade dos cidadãos no acesso aos tribunais e à realização da justiça, em matéria de luta contra o crime organizado e a corrupção e na defesa de um poder judicial independente e soberano", como agora insiste que "um novo rumo e uma reforma democrática da justiça são necessários, tendo como objetivos essenciais a defesa de uma justiça mais igualitária, acessível e próxima dos cidadãos, que é responsabilidade do Estado assegurar, o combate eficaz ao crime organizado e à corrupção, a preservação da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público face aos poderes político e económico"..Serviços do Estado: "Crónico subfinanciamento".Ainda no plano de investimentos públicos, o PCP defende que é necessário "investir nos serviços públicos invertendo o crónico subfinanciamento dos meios indispensáveis, repondo serviços extintos e elevando as condições de resposta às funções que cumprem" porque este "é um objetivo inadiável para elevar a sua qualidade e cumprir o papel que a Constituição da República Portuguesa lhes comete"..Este programa deve criar "plenas condições para efetivação do conjunto das funções sociais do Estado", nomeadamente na educação, "dotando as escolas com os trabalhadores e os equipamentos exigidos à função da escola pública"; na habitação, com uma política de forte investimento na reabilitação urbana e em habitação social; na proteção civil, assegurando a capacidade do Estado para se dotar dos meios indispensáveis a uma função crucial que não pode estar subordinada a negócios privados; na segurança pública, dotando essas forças dos meios e equipamentos compatíveis com a garantia da tranquilidade da população". O programa tem uma "particular acuidade" na saúde e nos transportes públicos, em que se deve caminhar para "a progressiva gratuitidade" do seu uso, depois das reduções tarifárias que se verificaram em abril passado..Há cinco anos, o PCP defendia que o sistema de transportes tinha de assentar "em empresas públicas, nas vertentes estratégicas", por ser essa "a única forma de garantir a efetiva prioridade ao serviço público e o apoio à atividade produtiva". "Ou seja: transportes coordenados e frequentes, de qualidade e a preços sociais (com justas e atempadas 'indemnizações compensatórias'.".Para já, as linhas de orientação apresentadas por Jerónimo para as eleições de 2019 não se afastam de uma linha fundamental para os comunistas, que é aquela que está definida na Constituição. O PCP inscreveu-o claramente no título da comunicação do seu líder e Jerónimo explicitou-o no final da sua comunicação aos jornalistas: "Portugal precisa de uma outra política que, no cumprimento da Constituição da República, assuma a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo, o desenvolvimento da produção nacional, a melhoria dos serviços e do investimento público."