"Não haverá uma revolução", disse o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, prometendo que não deixará que a antiga república soviética, onde vivem dez milhões de habitantes e que governa desde 1994, seja "dilacerada"..Apelidando de "ovelhas" manipuladas desde o estrangeiro os manifestantes que saem todas as noites à rua desde as eleições de domingo, que oficialmente ganhou com 80% dos votos, o líder de 65 anos alega que há uma tentativa de semear o caos..A resposta das autoridades tem sido recorrer à violência para travar os protestos, mas após mais de um quarto de século à frente dos destinos da Bielorrússia, estará Lukashenko à beira do precipício? Haverá mais uma "revolução colorida" no horizonte, como a Revolução Rosa na Geórgia, que levou à queda de Eduard Shevardnadze em 2003, ou a Revolução Laranja na Ucrânia, após as presidenciais de 2004..Ou Lukashenko ainda terá forças para conter a situação?.Eleições contestadas.A ex-república soviética tem laços culturais com a Rússia, mas, nos últimos anos, tem procurado uma maior aproximação à União Europeia e aos EUA para desagrado do Kremlin, que pôs um travão no apoio económico. O resultado é uma crise económica, apenas agravada pela crise causada pela pandemia - Lukashenko desvaloriza o novo coronavírus e pede aos bielorrussos que o combatam com vodca e banhos de sauna..Foi no meio deste cenário que os bielorrussos foram às urnas. A principal adversária do presidente de 65 anos foi Svetlana Tikhanovskaya, uma antiga professora de Inglês de 37 anos, praticamente desconhecida, que decidiu candidatar-se depois de o marido, o blogger Sergei Tikhanovsky, ter sido detido e impedido de votar..As autoridades terão pensado que seria uma candidata fraca, que daria ainda assim legitimidade ao escrutínio, mas Tikhanovskaya acabou por se tornar uma ameaça, unindo toda a oposição pró-democracia e atraindo milhares para os seus comícios - de tal forma que alguns foram proibidos..Logo no domingo, as projeções apontavam para a vitória de Lukashenko, que a concorrer pela sexta vez tinha ganho com 80% dos votos. Contudo, o escrutínio não contou com observadores internacionais e a oposição fala em fraude eleitoral..Fuga para a Lituânia.Após serem conhecidos os resultados oficiais na segunda-feira, Tikhanovskaya (que terá tido menos de 10%) tentou apresentar queixa, mas terá sido detida por várias horas. Acabaria depois por deixar o país, viajando para a Lituânia, para onde os filhos já tinham sido levados por segurança antes do escrutínio..Num vídeo publicado no YouTube, Tikhanovskaya falou em russo de uma decisão "muito difícil" tomada a pensar nos filhos. "Nenhuma vida vale o que está a acontecer agora", afirmou. "Pensava que esta campanha me tinha endurecido e me tinha dado tanta força que podia lidar com tudo. Parece que ainda sou a mesma mulher fraca que era", acrescentou..Outro vídeo foi entretanto publicado pelos media estatais, no qual ela lê um texto em que apela aos bielorrussos para aceitarem a vitória de Lukashenko e pararem com os protestos. Os seus apoiantes dizem que foi obrigada a gravá-lo para ser libertada, tendo a saída do país sido acordada com as autoridades para garantir também a libertação da sua diretora de campanha..Protestos.Os protestos começaram na capital Minsk e noutras cidades do país logo na noite eleitoral, com a polícia a atuar com violência para os dispersar, e continuaram desde então - segundo as autoridades, o número de pessoas nas ruas está a diminuir..As balas de borracha da polícia, contudo, já deram lugar a balas verdadeiras na cidade de Brest, havendo ainda notícia de manifestantes atropelados pelas autoridades. Milhares são detidos todas as noites..Os manifestantes responderam às balas, ao gás lacrimogéneo e às granadas de atordoamento com barricadas e cocktails molotov. Um manifestante terá morrido no protesto de segunda-feira quando o explosivo lhe rebentou nas mãos. Há ainda mais de 250 feridos..Resposta internacional.Lukashenko apelida os manifestantes de "ovelhas" controladas do estrangeiro. Rússia, China e Venezuela congratulam a reeleição do presidente, mas a União Europeia e outros países questionam a legitimidade das eleições e condenam a violência com que as autoridades respondem aos protestos..A União Europeia ameaça impor sanções à Bielorrússia, com os chefes da diplomacia dos 27 a reunir-se nesta sexta-feira para avaliar a situação da ex-república soviética..Letónia, Lituânia e Polónia, os países vizinhos, apresentaram já um plano de mediação da crise, que prevê a criação por parte de Lukashenko de um "conselho nacional" que inclui responsáveis do Governo e representantes da sociedade civil. Todos os detidos teriam de ser libertados e posto um ponto final ao uso da violência contra os manifestantes. Caso Lukashenko não aprove, a Bielorrússia pode ser alvo de sanções..O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, de visita a vários países europeus, defendeu nesta quarta-feira, em Praga, que os bielorrussos têm o direito "às liberdades que reclamam". E pediu o fim da violência..O fim do caminho?.Na conservadora revista britânica The Spectator, o autor de vários livros sobre a Rússia Mark Galeotti escreveu que o controlo que Lukashenko mantém sobre país é baseado nas "ferramentas clássicas do ditador" - e no passado o presidente foi apelidado de o "último ditador da Europa"..Estas ferramentas são "forças de segurança leais e extensas, uma elite com mais a ganhar com a sua sobrevivência do que com a sua partida, e uma população a quem é oferecida estabilidade em troca de obediência - e sem perspetiva de sucesso se resistir"..Agora que parte da população está a pôr em causa essa obediência, resta saber quanto tempo as forças de segurança e as elites continuarão leais. Até então, Lukashenko continuará no poder, acrescenta Galeotti, "adiando o inevitável"..Já o professor da Universidade de Ottawa Paul Robinson, outro especialista em temas russos, escreveu no site Russia Today que Lukashenko "provavelmente vai ultrapassar a tempestade" que se está a formar, alertando, contudo, que não será presidente para sempre..Apesar de Lukashenko não estar entre os favoritos de Moscovo nesta altura, por causa da sua aproximação ao Ocidente e até por ter acusado a Rússia de o querer derrubar (deteve 33 alegados mercenários dias antes da eleição), o Kremlin prefere vê-lo continuar no poder do que ter instabilidade política na região e uma revolução que poderá deixar o país ainda mais afastado da sua esfera de influência..Robinson alega que o presidente russo, Vladimir Putin, ao congratular a reeleição de Lukashenko, pretende garantir que, diante das críticas da União Europeia e dos EUA, este volte a procurar a ajuda de Moscovo - e aposte na integração que os russos sempre defenderam. Mas alerta que é preciso começar já a pensar no futuro..Também Galeotti escreveu que, apesar das críticas, nos bastidores da União Europeia esperava-se que Lukashenko pudesse controlar a situação, para que não sejam obrigados a enfrentar o problema.