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13 AGO 2019
13 agosto 2019 às 00h04

O segredo de Luís Campos, o homem que compra barato e vende muito caro

Português tem empresa de scouting e trabalha como assessor do milionário dono do Lille, clube que neste ano já fez mais de 170 milhões de euros. Tudo começou no Mónaco em 2013-14. Em quatro anos de principado amealhou mais de 800 milhões em transferências.

Isaura Almeida

A missão dele é ajudar os milionários donos de clubes a chegar ao sucesso desportivo e financeiro. Foi assim no Mónaco e está a ser assim no Lille, clube onde jogam dois portugueses (Xeka e José Fonte). Luís Campos é aquele que descobre talentos baratos e os ajuda a potenciar para depois renderem milhões de euros. É uma espécie de arquiteto de equipas que procura as peças certas para a construção do puzzle que é a equipa.

No clube do norte de França, o português especialista em scouting, à imagem daquilo que fez no principado, como conselheiro do milionário russo Dmitry Rybolovlev, tem palavra nas contratações e vendas, mas com influência noutras áreas como as renovações e infraestruturas. Desta vez, assessora Gérard Lopez, o empresário dono do Lille que já foi dono da equipa de Fórmula 1 Lotus.

Só nesta época já deu ao clube mais de 170 milhões de euros em vendas, um valor jamais visto ou sequer sonhado no modesto clube francês que na época passada se bateu com o PSG na luta pelo título.

O trabalho do português não passou despercebido aos franceses e já há quem fale no "método Luís Campos". Mas que método é esse? Luís Campos tem uma empresa de scouting que fornece serviços exclusivos a um único clube, no caso, o Lille. São seis pessoas para além dele que se dividem em quatro zonas do mundo, mais África e França. Todos veem jogos gravados, analisam estatística e veem jogos ao vivo para fazerem relatórios.

Relatórios esses que são depositados num programa - o souting system pro. Ninguém tem acesso aos relatórios uns dos outros e só Luís Campos os vê a todos. Se três dos seus olheiros assinalam o mesmo jogador, o programa dá sinal e informa o português. É sinal de que aquele jogador é mesmo para ver ao vivo. O passo a seguir é meter-se no carro ou no avião e ir ao encontro do jogador em questão, esteja na Turquia ou na China. São milhares de horas de futebol, em vídeo e ao vivo, antes de recomendar a contratação de um atleta.

As qualidades físicas e técnicas são essenciais, mas o carácter é que o define. Segundo uma entrevista que deu em 2017, muitas vezes consegue ver se uma transferência a vale a pena na forma como um jogador aquece na altura de uma substituição: "A personalidade e o carácter são marcadores essenciais na deteção de um talento de primeira linha."

Martial no pontapé de saída

Tudo começou no Mónaco, clube onde em quatro anos fez mais de 800 milhões de euros em transferências. O primeiro grande negócio foi Martial, comprado por cinco milhões e vendido por 80. E, segundo soube o DN, o jogador tinha sido vendido ao intervalo de um jogo por 50 milhões, mas no fim do jogo apareceu uma proposta de oitenta do Manchester United e ele foi desviado. Um negócio que superou o de Thomas Lemar, a segunda venda mais sonante. A contratação dele e a de Martial estão ligadas. Luís Campos sabia que eles tinham jogado juntos nas camadas jovens. Quando os viu cumprimentar num jogo do Mónaco com o Caen aproximou-se dele e disse: "Para o ano estão juntos no Mónaco." Lemar abriu os olhos de espanto, afinal tinha 20 anos e nem no Caen era titular. Campos aproveitou-se disso e conseguiu comprá-lo por 2,5 milhões. A evolução no Mónaco foi brutal e acabou vendido por 73 milhões ao Atlético Madrid em 2018.

Estes são apenas dois exemplos dos muitos negócios milionários com a mão do português. Só em 2016-2017, época em que o clube do principado, com a ajuda de Leonardo Jardim, chegou ao título francês e às meias-finais da Champions, o clube encaixou mais de 200 milhões de euros. A saber: Mendy, contratado por 13 milhões, foi vendido por 57, Bakayoko foi adquirido por seis milhões e depois vendido por 38 para o Chelsea, enquanto Guido Carrillo, que custou dez milhões, foi vendido por 22 para o Southampton. Isto já para não falar de Bernardo Silva. O médio ex-Benfica foi por empréstimo para o clube monegasco, mas passados alguns meses o clube exerceu a opção de compra e pagou 15,7 milhões de euros para depois o vender ao Manchester City por 72 milhões e mais objetivos. E há ainda Fabinho, que jogou no Rio Ave, que custou seis milhões e saiu para o Liverpool por 50 milhões mais 18 de bónus.

No Lille, o trabalho de Luís Campos é ainda mais impressionante, tendo em conta que no último ano, e graças às suas contratações, a equipa passou de 17.º para 2.º na liga francesa. Campos contratou para os les dogues Thiago Mendes por oito milhões e vendeu-o ao Lyon por 26, por exemplo. Além disso, contratou Jonathan Ikoné (cinco milhões) e Celik, um lateral lateral da segunda divisão turca, que custou 2,3 milhões, além de vários a custo zero, como o jovem leonino Rafael Leão, que saiu para o Milan por 30 milhões de euros, mais cinco em variáveis.

Mas o caso mais impressionante é o de Pépé, que jogava no modesto Angers e custou oito milhões de euros em 2017-18. Uma aposta de risco num desconhecido que se revelou milionária neste verão. Apesar de nenhum dos clubes informar o valor do negócio, segundo a imprensa inglesa, o Arsenal pagou 80 milhões pelo jovem da Costa do Marfim que em 79 jogos pelo Lille marcou 36 golos. Um lucro de 70 milhões de euros, portanto.

No total, o Lille já fez cerca de 200 milhões em transferências, após um investimento de cerca de 50 milhões em duas temporadas.

De treinador a olheiro

O interesse de Campos pela área do scouting coincidiu com a sua saída do Beira-Mar, na temporada 2004-05. Para trás ficou uma carreira de treinador com altos e baixos, sobretudo marcada pelos acontecimentos na época 2002-03, quando começou a temporada no Vitória de Setúbal, saindo depois para o Varzim, e os dois clubes desceram de divisão. Mas também teve momentos bons, como a subida do Gil Vicente à I Liga em 2000-01. Na época a seguir, segundo o próprio já confessou, esteve perto de treinar o Benfica, mas hoje "sente-se bem na pele de conselheiro" e já não tem ambições de voltar ao banco.

Os projetos ao nível do treino foram sendo cada vez menos e isso levou-o a começar por trabalhar para um fundo de jogadores. Em 2012, aceitou o convite do amigo José Mourinho para integrar a equipa técnica do Real Madrid, como olheiro de jogadores e observador dos clubes rivais. No Real teve oportunidade de abrir os horizontes e aumentar a sua rede de contactos, mas não tinha voz nas contratações como aconteceu no Mónaco.

Mudou-se para o principado na época 2013-14 para ser conselheiro desportivo de Dmitry Rybolovlev. Teve palavra nas contratações de jogadores importantes, sem esquecer um tal de Mbappé. Então com 16 anos, o jogador despontava no Mónaco, mas a passagem a profissional não era unânime no clube. Foi o português que convenceu o dono a oferecer um contrato profissional ao agora campeão do mundo e a não o deixar sair sem fazer um ano com Jardim. E assim o avançado se manteve no clube, onde viria a ser valorizado em quase 150 milhões de euros. Saiu depois para o PSG por empréstimo, com opção de compra obrigatória de 180 milhões de euros! Ainda hoje é a segunda transferência mais cara de sempre.

Cobiçado por meio mundo

Desde que o Mónaco anunciou em comunicado a saída, em junho de 2018, que os rumores de mercado são mais do que muitos. Numa altura em que foi associado a Manchester United - para voltar a trabalhar com José Mourinho -, Valência, Espanyol, Real Madrid, AC Milan e Marselha, escolheu o Lille, clube fundado em 1944. "Apreciei a forma profissional e a paixão pelo futebol que senti em todas as conversas que mantive com Gérard Lopez. Sei que isso vai permitir-nos construir algo de muito positivo no novo projeto que ele tem para o Lille", disse Campos em comunicado na altura.