Ainda o filme do SEF

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Aeroporto de Lisboa, segunda-feira, 9.00 da manhã. Só no voo que chegava de Nova Iorque vinham perto de 600 passageiros, a maioria deles de nacionalidade americana ou passaporte não europeu. Eu não demorei nem dois minutos a chegar ao posto de controlo, passar o documento na máquina e entrar em Lisboa. A fila de cidadãos não europeus, porém, chegava às portas automáticas onde nos deixara o autocarro que recolhera os passageiros na pista. Controlo de passaportes e testes covid feitos por quatro - repito, quatro - inspetores da polícia das fronteiras justificavam o cenário de terror com que qualquer cidadão extracomunitário era confrontado logo à chegada.

Conforme o Dinheiro Vivo noticiou há dias, no último ano, o montante investido por cidadãos de outros países que quiseram comprar casa aqui, só em Lisboa, chegou a perto de mil milhões de euros. O investimento estrangeiro em imobiliário na capital representou já mais de uma em cada três casas vendidas, sendo sobretudo os americanos a mostrar-se rendidos aos encantos de Portugal. Uma tendência que, aliás, já se vinha revelando no turismo, com grande impulso dado por efeito da estratégia do ex-acionista privado da TAP, que apostou na abertura de novas rotas para a América do Norte e criou o programa Stopover. Os argumentos de David Neeleman foram um fator de peso para atrair americanos e canadianos ao país: em 2019, último ano de normalidade no turismo, dos mais 16,4 milhões de hóspedes não residentes que passaram por alojamentos portugueses, 1,2 milhões tinham já origem na América do Norte (dados do INE). Sendo também estes os que mais dinheiro aqui gastaram durante as férias.

Nada disto, porém, parece incomodar o governo, que em vez de dar o merecido crédito e importância à polícia de fronteiras continua decidido - conforme o próprio primeiro-ministro reforçou nem há uma semana - a cumprir os planos de extinção do SEF. Mesmo que entretanto tenha tido de adiar a decisão porque essa era a única estrutura capaz de lidar com as necessidades de controlo a que a covid obrigou. Mesmo que tenha tido de substituir o diretor-nacional a menos de um mês do prazo já alargado para a extinção do SEF porque o responsável nomeado há um ano saiu antes de cumprir a missão. Mesmo que, a quinze dias de supostamente deixar de existir Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o ministro não saiba (ou não diga) como se vai concretizar a mudança planeada pelo seu antecessor de má memória - que passa por distribuir os inspetores por três estruturas policiais. Mesmo que o abandono e a indefinição já tenha afastado pelo próprio pé centenas de profissionais do SEF.

Não fiquei para confirmar, mas muito dificilmente aquelas pessoas que comigo voaram dos Estados Unidos para Lisboa - e as que entretanto se lhes juntaram, de outros voos que aterraram na Portela durante a manhã - terão conseguido sequer sair do aeroporto antes do meio-dia. Uma belíssima primeira impressão de um país que depende e quer captar cada vez mais investimento e turistas estrangeiros

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