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13 ABR 2019
23 abril 2019 às 17h16

Sarampo. Por que se vacina menos em Lisboa e no Algarve?

A mobilidade da população e os atrasos na vacinação na idade recomendada são causas apontadas para uma taxa de cobertura inferior ao desejado nestas duas regiões que contrariam os números nacionais.

Susete Henriques

Lisboa e Vale do Tejo e o Algarve são as zonas do país em que há uma cobertura da segunda dose das vacinas contra o sarampo, a papeira e a rubéola abaixo dos 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde para assegurar a proteção da comunidade, através da imunidade de grupo, que contrariam os números nacionais.

Com dados de 2018 na mão, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, diz ao DN que em Lisboa e Vale do Tejo, na segunda dose da vacina contra o sarampo, aos 6 anos, a taxa de cobertura é de 94,2%. "Quando se avalia aos 7 anos já conseguimos captar mais meninos, temos 96,4%." Já na região do Algarve, há uma taxa de cobertura de 93% na segunda dose, aos 6 anos. "Quando dou uma tolerância para captar meninos que não foram vacinados na idade recomendada já tenho 95,4% aos 7 anos", salienta Graça Freitas, que enaltece o esforço "hercúleo" feito pelos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) destas duas zonas do país na repescagem de crianças com vacinas em atraso.

São zonas identificadas pelo último relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS), relativo a 2017, como tendo "coberturas vacinais particularmente baixas".

O estudo tem uma análise mais detalhada e especifica que "nenhum dos ACES da região do Algarve regista uma cobertura vacinal superior a 95%, registando o ACES Algarve Central uma cobertura vacinal inferior a 90% (89,4%). O mesmo acontece nos ACES da área urbana de Lisboa, como o de Lisboa Norte (85,5%), Cascais (86,7%) e Amadora (88%), que registam "coberturas vacinais particularmente baixas".

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, desvaloriza os números de 2017 e sublinha que a cobertura vacinal "é ligeiramente mais baixa" em Lisboa e no Algarve, em comparação com o resto do país, "mas não muito abaixo dos 95%". Refere que o relatório do CNS saiu com dados que não contaram com a alteração da idade no esquema de vacinação e "tinham que ver com uma avaliação feita no imediato". "Há meninos que não se vacinam logo no dia em que fazem anos, mas sim depois. Quando nós avaliamos essa cobertura vacinal com uma tolerância de tempo, ou seja quando eles fazem 7 anos, todas as regiões ultrapassam 95%", assegura.

Cascais faz campanha

"São números que nos preocupam e que nos obrigam a imaginar, identificar todas as estratégias passíveis de implementação para a obtenção da imunidade de grupo", afirma ao DN Helena Baptista da Costa, diretora executiva do ACES Cascais, sobre os dados de 2017. Os centros de saúde desta zona da Grande Lisboa têm atuado em diversas frentes para melhorar a cobertura vacinal, que passam, entre outras medidas, pela identificação das crianças com vacinas em atraso, contacto e sensibilização por carta, e-mail, telefone e, se for caso disso, visita domiciliária, para a atualização do Programa Nacional de Vacinação (PNV).

Ainda assim, a responsável afirma, tendo em conta os dados relativos a 2018, que se mantêm os resultados abaixo dos 95% para a segunda dose da VASPR para a população inscrita nos centros de saúde da região, "variando ao longo dos anos entre 88,1% e 92,5%".

Tal como Helena Baptista da Costa, também Ana Isabel Silva, diretora executiva do ACES Amadora, refere que as coberturas vacinais têm vindo a aumentar nos últimos anos. Também aqui os profissionais de saúde trabalham para que seja cumprido o PNV e atualizados os boletins de vacinas. "No ACES Amadora, os ficheiros de vacinação são regularmente estudados verificando-se o estado vacinal de determinadas coortes de nascimento. Os utentes com calendário vacinal desatualizado são convidados a se vacinarem através de carta ou telefone", especifica.

Segundo os últimos dados, referentes a dezembro de 2018, a responsável pelos centros de saúde da Amadora mostra que "com a primeira dose de vacina contra o sarampo, nas crianças de 2 anos (nascidas em 2017) foi de 98%". "Para a segunda dose de vacina contra o sarampo nas crianças de 6 anos (nascidas em 2012) obteve-se uma cobertura de 94%, e para as crianças de 7 anos (nascidas em 2011) a cobertura foi de 95%", revela. Números superiores aos do relatório do CNS.

De 2017 para 2018, a cobertura vacinal também aumentou no sul do país, como indica ao DN Helena Ferreira, da Equipa Regional de Vacinação do Departamento de Planeamento e Saúde Pública da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve. "Verifica-se que as taxas de cobertura vacinal estão a recuperar na região e ao nível dos 3 ACeS [Central, Barlavento e Sotavento], quer nas crianças que nesses anos completaram os 6 anos como nas crianças que completaram os 7 anos", afirma. Salienta ainda "que a cobertura vacinal das crianças com 6 anos na avaliação de 2017 já aumentou para valores acima dos 95% na avaliação de 2018". O caso da ACES do Algarve Central, que tinha em 2017 uma cobertura de 89,4%, como é referido no relatório do CNS, passa a ter em 2018 uma cobertura de 93,1%.

Taxas de vacinação que estão a recuperar e que resultam de um "plano implementado na região pelo Departamento de Saúde Pública e Planeamento da ARS Algarve,IP", que passa, por exemplo, por "reuniões com os Conselhos Clínicos, Coordenadores e Responsáveis pela vacinação das Unidades de Saúde Pública e Coordenadores e Responsáveis de vacinação das Unidades Funcionais de Saúde onde se verificaram baixas coberturas vacinais, a alocação de recursos extraordinários", como o reforço dos enfermeiros e realização de horas extraordinárias. Um plano com a finalidade de "efetuar a gestão/atualização dos ficheiros de vacinação, a realização de convocatórias das crianças e jovens em falta à vacinação e a sua vacinação, bem como a articulação com as escolas", indica a ARS Algarve.

Aliás, Helena Ferreira salienta "que na maioria das Unidades as baixas coberturas vacinais são recuperadas e as crianças em falta à vacinação acabam por ser convocadas e vacinadas habitualmente no prazo de um ano".

As causas

As diretoras executivas dos ACES e da ARS do Algarve também coincidem na explicação para uma cobertura vacinal abaixo do recomendado: "A mobilidade da população". "Quer por novas inscrições de utentes, maioritariamente estrangeiros, quer pela reorganização da lista de utentes inscritos com atribuição de médico de família e mudança de unidade funcional", identifica a diretora do ACES Cascais, referindo-se à transformação dos centros de saúde para as unidades de saúde familiar. "O elevado número de utentes estrangeiros inscritos nas unidades do ACES Cascais, que vivem a maior parte do ano fora de Portugal" e que dificultam "o contacto e a vacinação atempada", é outro dos problemas.

Isso mesmo diz Graça Freitas, que, além dos atrasos na vacinação na idade recomendada, aponta as flutuações de população, "com movimentos migratórios, quer de gente que sai quer de gente que entra, que mudam de residência", para explicar as taxas de cobertura vacinal nestas regiões do país. "Lisboa e Vale do Tejo e Algarve são grandes plataformas de mobilidade populacional e isso dificulta", analisa Graça Freitas.

"O problema é multifatorial", considera o pediatra Luís Almeida Santos. "A população do Algarve varia duas a três vezes, entre verão e inverno", afirma o especialista. Uma mobilidade na população que dificulta a os serviços de monitorização. "A programação dos recursos humanos é de uma ginástica difícil", considera Luís Almeida Santos, que se refere aos "profissionais [de saúde] em falta em todo o país". Aliás, analisa, o empenho e a dedicação destes profissionais traduz-se num dos "principais fatores do sucesso da vacinação" em Portugal. Na opinião do especialista, a situação das taxas de cobertura vacinal abaixo do recomendado reverte-se "com análise por auditoria do processo de vacinação, formação e informação dos profissionais envolvidos e posterior monitorização periódica e frequente aos resultados obtidos em cada local de vacinação".

Por que é necessária a segunda dose da vacina contra o sarampo?

Mas qual é a razão pela qual é necessária a segunda dose da vacina tríplice contra o sarampo, papeira e rubéola? "É para a pequena percentagem de crianças que não fica protegida apenas com uma dose", explica ao DN Luís Varandas, coordenador da Comissão de Vacinas da Sociedade Infecciologia Pediátrica/Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Explica que a maioria das pessoas fica protegida só com uma dose e que a segunda administração da vacina serve para garantir a proteção de grupo. "Não sabemos quem precisa só de uma dose e quem precisa de duas. Então, para garantir a máxima proteção, porque o sarampo é muito contagioso, tem que se dar duas doses para assegurar a imunidade de grupo, para termos a certeza que todos estamos protegidos", esclarece o pediatra.

Luís Varandas é, aliás, da opinião que para o sarampo a taxa de cobertura vacinal devia atingir os 98%, uma vez que se trata de "uma doença altamente infecciosa, que se transmite facilmente na comunidade".

Movimentos antivacinas sem expressão

"Claramente" que os movimentos antivacinas não têm expressão, afirma Graça Freitas. "O que não quer dizer que não haja pequenos grupos de pessoas que não se vacinam", considera. À diretora da DGS juntam-se as vozes das responsáveis do ACES Cascais e Amadora. A título de exemplo, Helena Baptista da Costa conta que em 2018 "só" identificaram "duas crianças cujos pais se recusaram a vacinar".

De acordo com a ARS do Algarve, "existem pais defensores das correntes antivacinação, em determinadas localidades da região e alguns pais que selecionam os tipos de vacina que os seus filhos podem efetuar". "Felizmente, a maioria da população confia nas vacinas e adere à vacinação", congratula-se Helena Ferreira.

Em termos gerais, Portugal está acima dos 95% na cobertura vacinal, o que faz que seja um dos países em que o sarampo é uma doença considerada eliminada.

"Apesar de importarmos casos e de termos surtos que vêm de fora e que se transmitem aqui dentro, limitamos esses surtos com muita rapidez", afirma Graça Freitas, que na próxima terça-feira vai à comissão parlamentar da Saúde esclarecer os deputados sobre a inclusão no PNV de três vacinas - meningite B, rotavírus e vírus do papiloma humano para os rapazes, aprovada em novembro do ano passado na Assembleia da República.