As autoridades estaduais e eleitorais, republicanas ou democratas, estão de acordo num ponto: não houve fraude nem irregularidades nas eleições de 3 de novembro. O presidente em exercício insiste em alegações infundadas e uma corte de republicanos não se desmarca da realidade alternativa emanada pela Casa Branca. Porquê?.A secretária de Estado do Nevada, Barbara Cegavske, uma republicana, disse que o seu gabinete não iria quantificar quantas queixas tinha recebido, mas desvalorizou-as: "Muitas queixas de fraude eleitoral carecem de qualquer prova e são mais queixas sobre o processo ou a política". Ou seja, de pessoas que discordam da democracia..Entre os processos apresentados em tribunais pelos republicanos desde o dia das eleições há um no Nevada que alega fraude eleitoral. Donald Trump, sem apresentar provas, tuitou que o estado onde foi proprietário de casinos está "a revelar-se uma fossa de votos falsos"..No Iowa, o secretário de Estado, Paul Pate, também republicano, pediu uma dupla verificação dos resultados depois de ter sido detetado um erro de inserção de dados. "O sistema está a funcionar", comentou..Em resumo: "As eleições gerais de 2020 foram uma das eleições mais tranquilas e bem geridas que alguma vez vimos, e isso é notável considerando todos os desafios", comentou Ben Hovland, um democrata nomeado por Trump para integrar a Comissão de Assistência Eleitoral, uma agência federal que trabalha com funcionários da administração eleitoral..Nem tudo na máquina eleitoral dos EUA está a correr sobre rodas. Por exemplo, a Comissão Eleitoral Federal, que supervisiona o cumprimento das leis eleitorais, em especial as relacionadas com o financiamento das campanhas, não está a funcionar. Mas até agora, das acusações de "votos ilegais" e de fraude, nada..Fraude que Trump já anunciava muito antes das eleições. "A consequência prática do apelo de Trump à vigilância para prevenir a fraude foi o aumento do escrutínio de ambos os lados, e este aumento do escrutínio parece ter funcionado", disse Douglas Jones, cientista de computação perito em voto eletrónico. "Os funcionários eleitorais têm sido mais cuidadosos, e os procedimentos eleitorais têm sido seguidos mais escrupulosamente do que o habitual", comentou à Associated Press..Na Geórgia, o processo eleitoral está envolto em pressão adicional. Naquele estado, com quase todos os votos contados, há uma diferença favorável a Joe Biden em pouco mais de 14 mil votos em cerca de 5 milhões de votos. O secretário de Estado Brad Raffensperger assegurou que não tinha havido problemas generalizados. "Houve votação ilegal? Tenho a certeza que sim, e o meu gabinete está a investigar tudo isto", disse. "Será que chega aos números ou margem necessária para alterar o resultado para onde o presidente Trump recebe os votos eleitorais da Geórgia? Isso é improvável.".Raffensperger, um republicano, foi alvo de um ataque, na segunda-feira, por parte dos dois colegas de partido. David Perdue e Kelly Loeffler vão disputar os lugares no Senado com dois democratas na segunda volta marcada para o dia 5 de janeiro - uma eleição em que se joga o controlo da câmara alta do Congresso..Ambos apelaram ao secretário de Estado para se demitir por alegações não especificadas de má gestão eleitoral. Brad Raffensperger recusou, é certo, mas no que é visto por alguns analistas como uma cedência anuiu a que uma auditoria, que faz parte integrante das eleições naquele estado, se faça em forma de uma recontagem total dos votos à mão. Essa recontagem, espera o secretário, deverá estar concluída a tempo da data da certificação dos números finais, 20 de novembro..As leis eleitorais da Geórgia permitem que o candidato em segundo lugar peça uma recontagem caso a diferença esteja em menos de 0,5 pontos percentuais. A vantagem de Biden está em 0,3 pontos percentuais. Ou seja, se Trump e aliados continuarem a sua tática de pôr em causa todos os resultados é bastante provável que os boletins de voto das presidenciais venham a ser contados três vezes na Geórgia, e adiando o resultado para o final do mês. Mas ainda a tempo: as contagens devem estar certificadas no dia 8 de dezembro para que no dia 14 os membros do Colégio Eleitoral votem..Na quarta-feira, Donald Trump saiu da Casa Branca em deslocação oficial pela primeira vez desde as eleições (além de duas incursões para jogar golfe). Saiu mudo e entrou calado no cemitério de Arlington, na Virgínia, onde foi homenagear os veteranos de guerra..Já no Twitter continuou a promover a sua realidade alternativa e a minar a democracia, ao proclamar que "se preparava para ganhar o estado" do Wisconsin graças à "provável supressão ilegal de votos". No Wisconsin, Biden venceu por 20500 votos, menos de um ponto percentual de diferença, o que permite a recontagem de votos, embora seja realizada a expensas do interessado..Contas feitas, a campanha de Trump intentou mais de uma dúzia de ações judiciais em pelo menos cinco estados. Quatro foram indeferidos. Na única vitória, um tribunal decidiu que os observadores da campanha de Trump (os quais exigiam a paragem da contagem) foram autorizados a aproximar-se mais da contagem dos votos propriamente dita, o que não veio a ter qualquer impacto no resultado do escrutínio..No estado que deu até agora a vitória no Colégio Eleitoral a Biden, a Pensilvânia, a campanha contestou uma decisão do Supremo Tribunal da Pensilvânia que permite aos funcionários eleitorais aceitar votos por correspondência até três dias após as eleições, desde que esses votos tenham sido carimbados até ao dia das eleições..Além do mais instaurou um processo para forçar a Pensilvânia a não certificar os resultados das eleições. O documento de 85 páginas não contém qualquer prova de fraude eleitoral, adianta a Associated Press, "a não ser um amontoado de alegações"..Perante esta barragem litigiosa e teimosia do presidente, como reagem os republicanos? Poucos dos que têm cargos desafiam a Casa Branca. Um dos mais poderosos republicanos, o líder da maioria do Senado Mitch McConnell, disse que Trump estava "cem por cento no seu direito de investigar alegações de irregularidades e de ponderar as suas opções legais", enquanto o fidelíssimo procurador-geral, William Barr, autorizou o Departamento de Justiça a investigar "alegações claras e aparentemente credíveis de irregularidades"..Junte-se o secretário de Estado Mike Pompeo que diz estar tudo preparado para uma "transição tranquila para uma segunda administração Trump". Outros, como o senador do Wisconsin Ron Johnson, dizem que é prematuro dizer que Biden venceu as eleições. Roy Blunt, do Missouri, diz que Trump "pode não ter sido derrotado"..Por fim, contam-se pelos dedos de uma mão os republicanos no Congresso que deram os parabéns a Joe Biden, incluindo os senadores Mitt Romney, Ben Sasse e Susan Collins..Com mais de 77,4 milhões de votos, Joe Biden é o presidente eleito com mais votos e garantiu vitórias suficientes em estados que lhe garantem para já 279 votos no Colégio Eleitoral em 270 para ser declarado o próximo presidente. Está ainda à frente nas votações na Geórgia (16 votos eleitorais) e Arizona (11 votos), embora num caso a recontagem seja certa e noutro muito provável..Há quem explique esta atitude pelo medo. Em comentário na CNN, Jake Tapper relata que os republicanos dizem que a atitude pública é de "acompanhar o presidente Trump através deste processo", mas não podem dizer isso publicamente por medo de Trump e das ameaças de morte dos seus apoiantes..Twittertwitter132629547817521152.Outros dizem que se trata de tática a curto prazo, como a referida dupla eleição na Geórgia no dia 5 de janeiro. Se os republicanos perderem ambos os lugares, os democratas também terão 50 assentos no Senado, e a vice-presidente Kamala Harris poderá exercer o voto de desempate. Os republicanos naquele estado acreditam que Trump ainda é um trunfo eleitoral e querem usá-lo em janeiro, pelo que Perdue e Loeffler, estão a fazer o jogo de reclamar fraude e exigir a demissão do secretário de Estado da Geórgia..Outros justificam-se como estando a atuar com compaixão: "Qual é a desvantagem de o satisfazer durante este pequeno período de tempo? Ninguém pensa seriamente que os resultados vão mudar", disse ao Washington Post um republicano..Também no Post, John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, que saiu em conflito com o presidente, escreveu um texto bastante crítico sobre o seu partido e a relação com o chefe de Estado. "Uma abordagem sustenta que mimar Trump enquanto ele destrói o sistema eleitoral dos EUA vai ajudá-lo a ultrapassar a perda, tornando assim mais fácil levá-lo a sair da Sala Oval", escreve. "Mas esta estratégia de carícias é exatamente o contrário. Quanto mais os líderes republicanos se curvarem, mais Trump acredita que ele ainda está no controlo e menos provável é que faça o que os presidentes normais fazem: um discurso de concessão gracioso; cooperar plenamente com o presidente eleito num processo de transição suave; e validar o próprio processo eleitoral, juntando-se ao seu sucessor na tomada de posse a 20 de janeiro", aponta Bolton..O autor do livro The Room Where It Happened teme não só pela perda de credibilidade nas instituições, mas também pela segurança do país. "A passividade republicana corre o risco de consequências negativas adicionais para o país. Trump está envolvido no que poderá muito bem ser uma purga sistemática da sua própria administração", alerta, lembrando a demissão "totalmente injustificada" do secretário da Defesa Mark Esper, entre outros no departamento, além da demissão da diretora da NSA Lisa Gordon-Hagerty, e de rumores de que os diretores da CIA e do FBI também não serão poupados. "Isto está a ser feito com apenas mais 10 semanas de administração. Todas as transições trazem incerteza, mas decapitar partes substanciais do aparelho de segurança nacional durante tal período, sem outra razão que não seja a irritação pessoal, é irresponsável e perigoso", conclui.