"Make America great again." Este tem sido o slogan a que o presidente Donald Trump habituou o mundo desde 2016. A mensagem é clara e a geoestratégia seguida desde então também: uma América nacionalista e com total repúdio por qualquer sistema multilateralista, como o das Nações Unidas. Daí os ataques constantes a esta organização, à NATO, à Organização Mundial do Comércio e agora à Organização Mundial da Saúde (OMS), em plena pandemia de covid-19 e quando os EUA lideram o número de casos de infeção e de mortes no mundo. Até esta sexta-feira 10 de julho, o país de Trump contava com mais de 3,2 milhões de infetados e quase 136 mil mortes..Um cenário devastador, que não vai ficar por aqui. Até porque, e como alertou nesta semana o diretor-geral da OMS, "a pandemia está a acelerar", e o sistema de saúde norte-americano, assente em seguros, não tem ajudado no combate à doença. "Não tem uma cobertura universal de cuidados de saúde. É um sistema que deixa de fora os mais pobres, que está habituado a descartá-los, e esta é a franja da população mais afetada com a doença. E, por isso, os EUA estão a responder mal à covid-19", explica Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde e vice-presidente e presidente das assembleias mundiais da Saúde da OMS em 1997-1998 e 1999-2000..Nesta sexta-feira, dia em que o mundo regista quase 12,5 milhões de infetados e mais de 550 mil mortes, Trump é um presidente com uma boa parte do país contra ele, desde a comunidade científica a muitos senadores republicanos, já para não falar dos adversários democratas, então "tinha de arranjar um responsável para esta situação que não fosse ele, como faz sempre", argumenta Maria de Belém para justificar a decisão do presidente norte-americano, oficializada nesta semana, de retirar os EUA da OMS. Virou-se contra a China e contra a OMS, que era "um bode expiatório fácil"..Ao DN, todos os ex-dirigentes da saúde em Portugal e que ocuparam cargos na organização internacional admitem que, a concretizar-se, "será um problema" para a OMS, que "poderá ter consequências devastadoras nos programas levados a cabo em África, América do Sul e em outros da Ásia". Mas, sublinham, não será por isto que a organização desaparecerá..Pelo contrário, poderá ser "a oportunidade para que ela própria se repense, reforme e reajuste a sua missão", defende a ex-ministra. Mas também poderá ser o momento em que a China reforça o seu papel, e, para Constantino Sakellarides, ex-diretor-geral da Saúde e diretor do Departamento de Políticas e de Serviços de Saúde da OMS Europa, de 1987 a 1995, "o pior que pode acontecer à OMS é ficar refém da China". Para o português, o fundamental nesta altura é a organização avaliar e reforçar as suas lideranças..Francisco George, ex-diretor-geral da Saúde e funcionário da OMS de 1980 a 1992, tem esperança de que a ameaça do presidente Trump não se concretize, porque hoje "os vírus e as doenças não têm fronteiras e só é possível combatê-los à escala global"..O ex-embaixador de Portugal na ONU, António Monteiro, espera o mesmo, que seja só mais uma das ameaças de Donald Trump, porque, se acontecer, não duvida que tal terá consequências devastadores. Mas como diplomata que é, acredita no diálogo, na diplomacia para fazer que Washington mude de atitude..Dos elogios aos ataques.O presidente norte-americano começou o ano de 2020 a elogiar o velho inimigo pela sua estratégia de combate à nova doença, assim que esta foi identificada oficialmente à OMS, a 31 de dezembro de 2019, apenas com 44 casos de infeção e sem mortes..Mas bastaram poucos dias para o que o mundo percebesse que a dimensão era muito maior, e hoje há teses de que o novo coronavírus já andaria a circular na comunidade desde novembro. Para o apurar, a OMS enviou finalmente nesta semana uma equipa de técnicos à China para investigar a origem do vírus..Ou seja, dos elogios, Trump passou rapidamente ao ataque, sobretudo a partir do início de março, quando o vírus chega em força à Europa e atinge violentamente o seu território, como o estado de Nova Iorque..A doença que afinal parecia ser uma simples gripe, como referiu inicialmente em discursos, deixou de o ser, mas, mesmo assim, resistia à quarentena da população e à paragem da economia, alegando que não era isso que os americanos queriam. A China volta a ser mencionada como o inimigo e a OMS um dos seus aliados, por não ter alertado a comunidade internacional para a dimensão da doença..O discurso de uma "América Grande" que ajuda mais as organizações internacionais do que estas ajudam a América volta à baila e as ameaças regressam. Trump começou por anunciar a suspensão dos 400 milhões de dólares com que os EUA financiam anualmente a OMS. A verba seria canalizada para outras necessidades mais urgentes e tal representaria uma quebra de cerca de 15% no orçamento global da OMS, o qual, no biénio de 2018-2019, ascendeu a 4,4 mil milhões de dólares, mais 28 milhões, cerca de 3%, em relação ao biénio anterior. Só esta ameaça incendiou a comunidade científica norte-americana, que veio dizer que os EUA tinham mais a perder com esta decisão do que a própria OMS..Nesta semana, a ameaça confirmou-se. Trump oficializa-a ao enviar o pedido de saída para o gabinete do secretário-geral, António Guterres, e para o Congresso, no dia 6 de julho. Os EUA deixarão de ser um dos 194 Estados membros da organização, criada a 7 de abril de 1948, no período do pós-guerra, e da qual faziam parte desde o primeiro momento. O pedido de saída levará um ano até à sua execução final, poderá ser revertido, caso o democrata Joe Biden ganha as eleições. .No pedido, Trump argumenta que a contribuição é "superior à da China, membro que a OMS tem vindo a favorecer", ou que a "OMS foi pressionada pela China para dar "orientações erradas" ao mundo sobre o novo coronavírus. "O mundo está a sofrer agora com a ação do Governo chinês", referia..A China, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, já se mostrou disponível para dialogar e evitar esta decisão, que seria histórica. Maria de Belém Roseira diz mesmo não haver "memória de que tal tenha acontecido alguma vez na história da organização"..Dos 194 países membros, apenas dois não estão representados nas Nações Unidas, é o caso de Niue e das Ilhas Cook. Porto Rico e Tokelau são membros associados, e a Palestina, a Santa Sé e a Ordem Soberana e Militar de Malta têm o estatuto de membros observadores. A OMS é a organização que representa o mundo como comunidade científica e que tem como missão promover a saúde, prevenir a doença e tratá-la à escala global, não deixando para trás os mais pobres..A oportunidade para a mudança.Maria de Belém Roseira não olha para este pedido de Donald Trump como uma decisão consolidada. "Estamos no plano das ameaças e num discurso marcadamente pré-eleitoral. E, ao fim destes anos, já estamos habituados a ouvir o diz e o desdiz do presidente Trump. Nunca se pode ter a certeza do que decidirá", argumenta, embora reconheça que uma das apostas de Trump para explicar a dimensão da pandemia no seu território "tem sido a descredibilização da OMS". E, mais uma vez, "para tentar atirar as culpas para cima dos outros"..No entanto, considera que também lhe pode custar caro. "É um discurso que está descredibilizado junto das entidades científicas e da sociedade civil. E esta pode ser levada a fazer o que o governo dos EUA deixar de fazer. Basta olhar para as empresas norte-americanas e para o trabalho que têm feito através de fundações e de ONG na saúde junto dos países mais pobres.".A ex-governante acredita que a sociedade civil norte-americana poderá substituir o Estado em determinadas atividades, mas reconhece que a saída dos EUA representará um abalo para a OMS, sobretudo se outros líderes mundiais populistas, como Jair Bolsonaro, do Brasil, seguirem o exemplo de Trump. Maria de Belém defende mesmo: "Não podemos andar distraídos e não perceber que há aqui um movimento geoestratégico a nível mundial para trazer os partidos populistas para o poder para fazerem uma refundação do sistema multilateralista do pós-guerra, que se afirmou com as Nações Unidas.".A jurista socialista, que António Guterres chamou para ministra da Saúde do seu primeiro Governo, de 1995 a 1999, e que foi convidada a presidir à Assembleia Mundial da Saúde, no fim da década de 1990, quando a OMS tinha como diretora-geral a norueguesa Gro Harlem Brundtland - "uma mulher competentíssima e respeitadíssima", que foi primeira-ministra e ministra do Ambiente, e responsável pelo primeiro relatório sobre a Terra e o impacto das alterações climáticas no mundo -, acredita, contudo, que esta pode ser a oportunidade para a "OMS se reformar e reajustar a sua missão"..Tem esperança de que deste abalo não surgirá um abalo maior para o resto do mundo, mas uma mudança. Para Maria de Belém, os EUA são "uma América dual" e, ainda por cima, agora, têm "uma pessoa, um menino mimado, que é presidente, a governar o país, e que o faz com as suas características fortes de imprevisibilidade e irresponsabilidade"..Por isso, "não se sabe o que acontecerá". Se saírem, será um problema, "como é o facto de terem saído do Acordo de Paris, porque são os primeiros poluidores do planeta, mas é um problema que poderá levar os outros países, que não têm tanta intervenção a unir-se e a reforçar as suas posições para terem também uma voz mais ativa. É preciso que estes saibam usar todas as armas que têm ao seu alcance para penalizarem os EUA em relação àquilo que eles também fazem ao resto do mundo". E muito convictamente afirma: "Neste momento, a pior coisa que poderia acontecer ao mundo era as pessoas assustarem-se com os caprichos de Donald Trump.".O mundo e a OMS terão de preparar-se para o embate da reeleição de Trump. "Se saírem da OMS, a China ocupará o lugar deixado em aberto, mas penso que atuará com muito mais prudência do que os EUA, porque precisa e porque quer garantir uma imagem de diplomacia, de paz e de desenvolvimento". Ou seja, "espero que a falta de clarividência de uns possa levar à clarividência de outros", porque o mundo precisa de "organizações independentes, competentes e credíveis"..Eleições de novembro são cruciais.Constantino Sakellarides, que trabalhou 14 anos na OMS Europa, em Copenhaga, e que de 1987 a 1995 foi diretor do departamento de Políticas e dos Serviços de Saúde, da organização, concorda com a perspetiva de Maria de Belém, mas vai mais longe e defende que este pode ser o momento para a OMS repensar as suas lideranças. "Seria fundamental que o diretor-geral ou os próprios Estados membros equacionassem a criação de um comité de seleção, com o objetivo de colocar nas lideranças técnicos competentes, inspiradores, e, ao mesmo tempo, bons agentes de consensos..No entanto, Sakellarides que viveu nos EUA, onde se doutorou na Universidade de Houston, no Texas, está de olhos postos nas eleições de novembro. "São cruciais para o mundo inteiro, se Trump ganhar é o planeta todo que vai pagar. Neste momento, espero que esse cenário seja improvável.".O ex-diretor de departamento da OMS explica que, na altura em que trabalhou na organização, a contribuição dos EUA rondava os 25%, mas o desenvolvimento de alguns países, como a China ou a Coreia do Sul, diminuiu a percentagem, já que cada país contribui de acordo com o seu PIB. "É uma contribuição desproporcional, os países mais ricos contribuem muito, os mais pobres nada, e a retirada de um país como os EUA é um rombo tremendo em termos financeiros", afirma..Mas não só. O especialista em saúde pública acredita que tal decisão também terá efeitos no futuro da organização no que toca à sua capacidade técnica e de intervenção nos países mais pobres, que são os que precisam mais da ajuda da OMS. "Os países da Europa não precisam da organização como África, a América do Sul ou alguns países da Ásia, que precisam desta ajuda como de pão para a boca." E dá um exemplo: "Quando estava em Copenhaga, na altura da queda do Muro de Berlim, a OMS fez uma reunião para a qual chamou vários líderes mundiais e de opinião, desde a economia às artes, para se olhar para o futuro. Estiveram presentes banqueiros, empresários, políticos, personalidades das artes, etc. E recordo a intervenção de um banqueiro. As suas declarações faziam todo o sentido, porque ele dizia que os EUA tinham de reformar as suas infraestruturas e que a União Soviética iria implodir, mas quando o moderador lhe perguntou porque não tinha falado de África ou da América Latina, ele respondeu desta forma: "Não interessam." Isto diz tudo. Para o banqueiro, esta parte do mundo era um submundo condenado a ser pobre.".Por isso, sublinha, "a função da OMS é preencher o espaço dos territórios que não interessam e ajudar os que estão votados à exclusão, ao sofrimento e à pobreza"..O Bordão de Asclépio para o mundo.A OMS foi criada em 1947, pode mesmo dizer-se que foi no início da era dos antibióticos modernos e das vacinas. Para símbolo na sua bandeira escolheu o Bordão de Asclépio, que simboliza a cura, e para a missão a saúde de todos os povos..No terreno, a sua ação tem sido pôr em marcha campanhas de saúde pública, em prol da maternidade, higiene, vacinação, acesso a água potável, nutrição e prevenção das doenças. Vale a pena recordar que uma das primeiras campanhas lançadas, logo após a sua criação, foi a da luta contra a varíola, em 1959 - doença que, enquanto esteve ativa, matou mais de 300 milhões de pessoas. Foram anos de luta mas também a primeira doença a ser erradicada no mundo. Em 1980, a OMS anunciava não haver registo de casos, mas é em plena pandemia e em clima de guerra contra a organização que esta assinala os 40 anos do feito..Mas as ações não podem parar, o que seria das novas gerações se a OMS não tivesse continuado o seu trabalho de campanhas, de vacinação e da promoção da saúde? Provavelmente, o mundo não estaria tão preparado para lidar com doenças como o sarampo, a poliomielite, a difteria e a rubéola. Que seria do mundo se a OMS não promovesse também o desenvolvimento dos sistemas de saúde e a necessidade da cobertura universal para os cuidados? A resposta a doenças como a covid-19 vem demonstrar que este trabalho, afinal, é essencial..OMS precisa de lideranças firmes.Para Constantino Sakellarides, além da sua sua ação no terreno, a OMS tem ainda um outro papel muito importante e que não pode ser descurado, o de selecionar os melhores técnicos de cada país, os mais competentes e com vontade de que as coisas mudem..Como técnico, assume: "As lideranças não têm melhorado na OMS, que já foi mais forte quando a liderança era nórdica", e explica porquê: "Os países nórdicos produzem líderes que vêm de uma social-democracia avançada, com ética e justiça maiores, um desenvolvimento menos desigual, e os seus líderes eram carismáticos, convictos e inteligentes, ainda por cima vinham de pequenos países que não faziam sombra aos grandes, portanto, politicamente eram viáveis. Tinham menos poder político, mas conseguiam mais consensos.".Na sua perspetiva, "o fundamental agora é criar um comité de seleção para voltar a dar à OMS o carisma e a credibilidade anterior"..Sem criticar a atual direção da organização, e tem à frente um etíope com formação em Microbiologia, que já foi ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros do seu país, Tedros Adhanom, Sakellarides olha para as várias opiniões de alguns técnicos da OMS que têm sido manifestadas em público sobre a pandemia e argumenta que "tal só acontece porque não há ma liderança forte, porque as orientações, os pareceres e as decisões da OMS são fruto do consenso a que chegam os especialistas reunidos em conselho e não da opinião individual dos técnicos.."As pessoas não compreendem como funciona a OMS. Não é o diretor-geral ou os diretores regionais que emitem opinião, o que estes fazem é criar as condições para que as pessoas mais competentes no mundo sobre determinada matéria se reúnam e cheguem a um consenso para se atuar." Reforçando: "O papel da OMS é de aglutinador de conhecimento e de coordenação e os seus técnicos são tanto melhores quanto melhor as lideranças desempenham o seu papel.".No caso da pandemia de covid-19, esta situação tem sido evidente. Basta regressar a 23 de janeiro, quando o diretor-geral reuniu o Comité de Emergência para avaliar a situação e se era para se declarar emergência internacional, e este não foi capaz de decidir. Aliás, foi precisa uma semana para o fazerem, "os técnicos não chegavam a consenso". As críticas não se fizeram esperar. Há quem diga que a OMS não esteve bem, mas também há quem defenda que a organização está muito marcada pela declaração de pandemia quanto à SARS, em 2002, e à gripe A, em 2009. "Fizeram as economias parar e que não tiveram a dimensão que se esperava", explica Sakellarides..Mais uma vez, a liderança, independentemente da saída dos EUA, é fundamental. "Um comité de seleção, composto por personalidades inatacáveis, iria buscar bons candidatos, não deixando que estes aparecessem à medida de ambições pessoais ou de interesses políticos." Hoje, "não há nenhuma outra organização que procure uma concertação mundial no mundo científico e da saúde como a OMS, mas a verdade é que também não há nenhuma organização que sobreviva sem os EUA, sem a China ou sem a Rússia. Nenhuma organização mundial é influente se não tiver o consentimento ou, pelo menos, a não obstrução de um destes países.".Há muito que é assim, o segredo está nos líderes, e dá como exemplo Joe Asvall, o dinamarquês, diretor da OMS-Europa, na altura em que lá trabalhou, que foi um dos fundadores do movimento dos cuidados de saúde primários, uma ideia que não era muito bem vista por estes países, mas ele conseguiu neutralizá-los, fazendo-os perceber que era importante para todos..Se os EUA saírem, a China reforçará a sua influência na OMS e isso criará outro problema, argumenta o especialista em saúde pública: "Depois disto, o pior que pode acontecer à organização é ficar prisioneira da China.".OMS é insubstituível.Francisco George foi diretor-geral da Saúde durante 14 anos, até 2017. Antes disso foi bolseiro, funcionário e diretor da OMS em África, onde esteve de 1980 a 1992. É nessa qualidade que diz ao DN poder falar sobre o assunto e dizer sem receio que "no contexto do sistema das Nações Unidas, a OMS é a agência mais eficiente na perspetiva dos contributos para as políticas e as práticas em saúde, bem como para a resolver problemas como o que agora estamos a viver, um problema que necessita de um controlo supra nacional"..Para o médico, agora também presidente da Cruz Vermelha em Portugal, a explicação é simples: "Os problemas de saúde não respeitam fronteiras, diria mesmo que não há hoje um problema provocado por uma doença crónica, aguda ou de natureza infecciosa, que seja limitado por fronteiras. Todos os assuntos são de natureza global, a começar pelos efeitos na saúde que decorrem das alterações climáticas.".O novo coronavírus é exemplo disto. "Não tem respeitado fronteiras, nem sequer a Muralha da China, o que comprova que hoje não há problemas de saúde locais ou regionais.".Na sua opinião, esta é a razão pela qual "a OMS não poderá ser substituída por nenhuma outra instituição de natureza multilateral e sem fronteiras". A luta contra o ébola, que atingiu sobretudo três países de África, - República da Guiné, Serra Leoa e Libéria -, três países soberanos, com línguas, crenças e tradições diferentes, também. "Não poderia ser uma organização nacional ou regional a tomar a dianteira do combate à doença. Teve de ser a OMS a desempenhar esse papel, sem respeito pelas fronteiras entre países, caso contrário o que fosse decidido não seria respeitado por uns ou por outros. Não há organização que possa substituir a OMS.".Francisco George argumenta que a OMS é "a única agência mundial de conhecimento. Aquela que reúne, avalia e depois distribui essa mais-valia já com orientações para todo o mundo. Se os EUA saírem, vão perder projeção mundial no saber, as suas organizações vão ficar isoladas do resto do mundo e só mais concentradas no espírito nacionalista, que, no fundo, é o que Trump quer". Mas nada está definido, porque "nem sempre o que o presidente Trump diz ou ameaça acontece"..É preciso longo trabalho da diplomacia.Nada está definido, e esta ameaça poderá ser mais uma como as outras que o presidente dos EUA tem desferido em relação aos vários organismos da ONU, refere o ex-embaixador de Portugal na ONU, António Monteiro. "Donald Trump já teve esta atitude com o órgão de direitos humanos, com a UNICEF e até mais recentemente com a Organização Mundial do Comércio", relembra..A verdade é que os EUA "continuam a ser um dos principais contribuintes para as atividades das Nações Unidas, e se saírem criam grandes dificuldades económicas na execução de programas e de estratégias", explica, esperando mesmo que a decisão em relação à OMS seja revertida. Aliás, e como diz, a diplomacia está aí para crises como esta. "Habituei-me a vê-las quando algum Estado ameaçava abandonar uma das organizações, mas o que é certo é que não temos outro sistema multilateral, e, portanto, temos de viver com ele e sempre com esperança de que haja racionalidade e compreensão, porque situações como a da pandemia de covid-19 não se resolvem individualmente, mas sim coletivamente, com uma ação concertada internacional.".António Monteiro diz mesmo que, se nesta altura ainda tivesse em funções, o que faria "era aconselhar a OMS a preparar-se para esta eventualidade e a continuar a sua ação com outros países que não concordam com a decisão americana, mas no terreno e a ver como seria possível mudar a atitude de Washington fazendo perceber que a OMS é importantíssima para a estabilidade do planeta"..Ou seja, "terá de haver um grande trabalho da diplomacia, mas ela também está aí para isso, mesmo que não dê frutos no imediato. É preciso uma persistência permanente".