São invisíveis, mas sem eles não haveria espetáculos: os técnicos querem mais apoios
Eduardo Cunha tem 56 anos e um currículo de peso na produção técnica de eventos - de um festival de grandes dimensões como o NOS Alive à Queima das Fitas de Coimbra, passando pelas Festas de Lisboa, é ele o responsável por fazer que os recintos fiquem aptos a receber estas grandes produções: "É uma responsabilidade enorme e envolve imensa gente, desde o transporte e aluguer de estruturas, maquinaria e equipamentos, passando pelo som, a luz, o vídeo. Sou eu que tenho de garantir estas coisas todas."
A produção de eventos é uma área que tem crescido imenso em Portugal. O país já está na agenda dos grandes concertos e é cada vez mais palco de eventos internacionais, como a Web Summit. "Somos considerados dos melhores profissionais da Europa, estamos preparadíssimos para trabalhar com todos os artistas estrangeiros", garante Eduardo Cunha. 2020 ia ser um ano bom, com uma agenda bem composta. Até que chegou a pandemia de covid-19. "Fiz muitos trabalhos até fevereiro, em março começaram os adiamentos e depois os cancelamentos. Desde março, estou completamente parado. Até hoje ainda não faturei absolutamente nada."
Como ele estão todos os outros trabalhadores da área dos eventos. Proibidos os ajuntamentos, os festivais e todos os outros espetáculos foram cancelados, assim como todo o tipo de eventos corporativos, congressos e conferências, bem como muitas das gravações audiovisuais. "Pelo menos durante dois meses, de março a maio, a paragem foi de 100%", depois disso passou a 80%", garante Pedro Magalhães, o presidente da Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos (APSTE), criada em plena pandemia.
"Esta era uma vontade que já existia há muito tempo mas nunca parecia ser o momento certo, então aproveitámos agora que estávamos todos parados para criar a associação." Em três meses, a APSTE reuniu mais de 160 associados (empresas) que representam diretamente 1500 profissionais, além de mais de três mil postos de trabalho indiretos, incluindo os técnicos que trabalham normalmente em regime de freelance. Estas empresas representam uma faturação superior a 140 milhões de euros em 2019.
"Este setor tem tido uma enorme expansão, sobretudo nos últimos dois anos. Previa-se um ano completamente louco de trabalho", diz este responsável. Apesar de não haver dados fiáveis sobre o setor, Pedro Magalhães admite que existam a nível nacional cerca de mil empresas na área técnica de eventos - o que eleva bastante o cálculo do número de profissionais afetados pela pandemia. Um inquérito feito entre os associados permite fazer um retrato aproximado das dificuldades que o setor enfrenta neste momento: entre os 160 associados, 60% acederam ao regime de lay-off simplificado. "As outras não conseguiram porque tinham dívidas ou outras dificuldades ou porque eram microempresas", explica Pedro Magalhães. "E 56% das empresas disseram-nos que a partir de julho não terão capacidade para assegurar os pagamentos."
"E mais grave ainda: continuamos parados. O país fala da retoma, mas nós continuamos parados, e não acredito que a atividade volte ao normal antes do próximo verão", diz Pedro Magalhães.
É para chamar a atenção para esta situação dos técnicos - tantas vezes invisíveis mas sempre essenciais - que a APSTE realiza nesta terça-feira (11 de agosto) um protesto que se quer original e tranquilo: a partir das 20.00 os profissionais vão reunir-se no Terreiro do Paço para que, ao anoitecer, depois das 21.00, seja criado um video mapping nas fachadas do Terreiro do Paço onde será projetado um vídeo composto por fotografias dos espaços vazios, armazéns cheios, empresas vazias e palavras de ordem que "refletem o estado de espírito do setor, e que demonstram e sustentam o apagão económico que o mesmo está a sentir", lê-se no comunicado da associação.
As reivindicações dos profissionais ligados à área passam pelo prolongamento do regime de lay-off simplificado, isenção do pagamento por conta, isenção da TSU para os subsídios de Natal e a criação de fundos de apoio direto ao setor, entre outras. "O nosso setor precisa de apoios governamentais que nos ajudem a sobreviver durante este momento tão peculiar da nossa história e que nos tem impedido de trabalhar e reencontrar as nossas equipas, que tanto já fizeram pelo mundo audiovisual e artístico em Portugal. Precisamos de respostas mais concretas, por parte do Governo, e medidas de apoio que nos permitam aguentar todo um setor que se encontra completamente imobilizado."
"Não é uma manifestação, é um manifesto. Queremos que seja um momento de criatividade e que cause impacto, que ilustre o desespero que estamos a viver e que chame a atenção do Governo para os nossos problemas", deseja Pedro Magalhães.
No Terreiro do Paço haverá espaço - com o devido distanciamento - para pelo menos 500 pessoas. O vídeo de três minutos será depois repetido várias vezes, dando oportunidade a que outras pessoas assistam. "Vamos fazer com que corra tudo bem, mas se houver problemas cancelamos imediatamente a apresentação", garante o responsável.
No Terreiro do Paço, em Lisboa, o calor é abrasador, mas os técnicos trabalharam durante todo o dia de segunda-feira para montar o "manifesto". No total, serão cerca de 200 os técnicos que trabalham voluntariamente para criar este evento.
Paulo Dias, de 42 anos, é rigger, ou seja, é "responsável por tudo o que seja material suspenso", seja num concerto ou num estúdio de gravações. "Em Portugal existem cerca de 30 a 40 riggers e temos tido tanto trabalho que nos últimos três anos houve necessidade de formar pessoas", conta. Neste momento, "apenas há trabalho para quatro ou cinco pessoas". Paulo, que trabalha como freelancer, parou em março, como todos os seus colegas, e desde então não fez um único trabalho. "Sabemos que estamos numa altura complicada para toda a gente e também temos a noção de que isto não vai voltar ao que era pelo menos nos próximos meses, mas era importante conseguir encontrar caminhos para abrir portas a certos eventos e a certos concertos, com normas, mas temos de retomar a atividade", diz.
Marco Esteves, de 43 anos, é técnico de som há mais de 20 anos e trabalha numa empresa que opera em grandes salas como a Altice Arena e em festivais como o Rock in Rio. Durante o tempo em que ficou confinado, porque é daquelas pessoas que "não conseguem ficar quietas", aproveitou para fazer a manutenção de equipamentos e fazer alguma formação. Mas neste momento já não sabe mais o que inventar para ocupar o seu tempo. "O grande problema é mesmo que não existe qualquer perspetiva de futuro, não se vê uma luz ao fundo do túnel", diz. "Para nós não há qualquer retoma. As câmaras estão a organizar concertos, mas isso não chega. Para as empresas que estão vocacionadas para os grandes eventos não há mesmo qualquer trabalho. Esta costuma ser a altura mais forte. Isto é um desastre", diz, desanimado. "Isto agora é que vai começar a doer para as empresas."
Hugo Coelho, 41 anos, técnico de iluminação, não tem dúvidas de que este seria "um ano ótimo quer ao nível dos eventos quer dos concertos". Se tudo tivesse corrido normalmente, neste momento estaria em plena época alta. "Seria a época em que dormimos três horas por noite, acordamos todos os dias numa cidade diferente e não paramos. Esta é uma profissão muito exigente - além de serem necessárias as valências técnicas, isto é um trabalho que exige muito investimento a nível pessoal e familiar, trabalhamos muitas horas, à noite, aos fins de semana, temos de estar disponíveis para viajar de um lado para o outro." Em vez disso, está praticamente parado. Hugo Coelho teve dois espetáculos em junho, outros dois em julho e provavelmente terá cinco em agosto (normalmente faria 15 a 18 eventos) - "E sou um privilegiado, porque a maior parte dos meus colegas não tem nada."
"Nós vivemos desde março com a esperança de que seria só até maio e que depois em junho as coisas iam reabrir, ainda que com constrangimentos, mas o problema é que já percebemos que a nossa área não retomou a sua atividade. E já é agosto. Não estão a dar confiança às pessoas para voltar a fazer eventos. Nós não queremos subsídios, queremos condições para trabalhar", diz este técnico, que tem uma empresa com mais dois sócios.
As queixas são transversais. "Não temos qualquer ideia de quando é que nos deixam recomeçar, não sabemos o que nos vai acontecer", diz Eduardo Cunha. "Este [a manifestação] vai ser o meu primeiro evento e não é remunerado, depois só tenho o Bairro em Festa, no Intendente, que começa a 17 de agosto. Tenho 30 anos de experiência e, apesar de tudo, consigo aguentar-me ainda durante algum tempo, mas há pessoas que estão a passar dificuldades, sobretudo as mais novas que ainda não têm trabalhos fixos, são freelancers que estão dependentes do trabalho do mês para levar comida para casa", alerta. Esses estão certamente já com grandes dificuldades. "Temo-nos ajudado uns aos outros, procuramos saber sempre como está a malta." Mas a partir de um certo momento isso já não chega, são necessárias outras medidas, dizem.
"Nós somos invisíveis, mas estamos sempre por trás dos artistas. Somos nós que trabalhamos para que os artistas possam brilhar", diz Pedro Magalhães. Agora é o momento de se tornarem visíveis.