Milhares de imigrantes, principalmente paquistaneses, indianos, nepaleses e brasileiros, compraram à margem da lei vistos de entrada para Portugal e a nacionalidade portuguesa através de uma rede criminosa que corrompeu e usou como cúmplices funcionários do Estado..Esta é a conclusão da investigação coordenada pelo Ministério Público (MP), que conta com 52 arguidos, dos quais sete empresas. Os casos analisados verificaram-se sobretudo entre 2015 e 2019..Até ao próximo dia 15, data em que perfaz um ano da operação Rota do Cabo no âmbito da qual a Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) deteve dezenas de pessoas desta estrutura criminosa com ligações a redes internacionais, o MP vai deduzir a acusação que atingirá, além dos operacionais da rede, pelo menos cinco funcionários públicos: uma inspetora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), dois funcionários da Autoridade Tributária (AT) e outros dois da Segurança Social..DestaquedestaqueDurante este ano, foram investigados por suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, de corrupção, de auxílio à imigração ilegal, de abuso de poder, de branqueamento, de falsidade informática e acesso indevido.Durante este ano, foram investigados por suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, de corrupção, de auxílio à imigração ilegal, de abuso de poder, de branqueamento, de falsidade informática e acesso indevido. A PJ avançou em comunicado, na altura da operação, que esta rede foi "responsável pela introdução ilegal em Portugal e na Europa de milhares de imigrantes"..Neste inquérito, que foi aberto em 2017 com base numa denúncia anónima, foram identificados vários casos de pessoas que usaram esta rede a partir do Reino Unido, onde estavam ilegais. Boa parte dos que foram legalizados através desta rede nunca chegou sequer a vir a Portugal, mas ficaram com livre circulação por toda a União Europeia..DestaquedestaqueSegundo as autoridades, esta associação criminosa complexa, muito profissional, aproveitou-se sem escrúpulos da vulnerabilidade dos imigrantes.Segundo as autoridades, esta associação criminosa complexa, muito profissional, aproveitou-se sem escrúpulos da vulnerabilidade dos imigrantes. Os investigadores registaram ainda a impunidade sentida pelos suspeitos, ouvidos em escutas a comentar que nunca seriam apanhados..À cabeça desta rede estavam advogados especializados em imigração, com sede na zona de Arroios, em Lisboa, que arquitetaram uma organização com dezenas de angariadores de várias nacionalidades que agiam em Portugal e no estrangeiro..DestaquedestaqueUm dos advogados, designado chefe do clã, já tinha sido condenado em 2013 por crimes de auxilio à imigração ilegal.Um dos advogados, designado chefe do clã, já tinha sido condenado em 2013 por crimes de auxilio à imigração ilegal, mas continuou à cabeça da organização usando testas-de-ferro..Através de subornos a quadros do Estado conseguiam obter os documentos necessários para a regularização dos seus clientes: validar contratos de trabalho falsos através de empresas fictícias, obter provas de descontos para a Segurança Social, obter números de identificação fiscal e, com tudo isso, ir ao SEF, com a cumplicidade de uma inspetora responsável por estes processos, e antecipar autorizações de residência, fintando as limitações legais..Funcionários do SEF, Finanças e Segurança Social envolvidos em rede de imigração ilegal .Além da obtenção fraudulenta de autorizações de residência, na investigação da PJ estão também identificados casos de casamentos por conveniência, de atribuição de nacionalidade portuguesa (principalmente a goeses e brasileiros) e reagrupamentos familiares fraudulentos..As autoridades que investigaram este caso acreditam que se trate apenas da "ponta do icebergue" de esquemas semelhantes e que se trata de uma realidade sem controlo do Estado, que não fiscaliza nem faz cruzamento de dados atempadamente para prevenir este tipo de crimes. Ou, quando há medidas de prevenção definidas, são meramente formais, sem efeito prático..Por outro lado, a permeabilidade do Estado a estas redes deixou os investigadores chocados. Na Segurança Social, por exemplo, a rede tinha como intermediária uma empregada de limpeza que recebia os processos e os levava a um funcionário que tinha o poder para validar os descontos falsos das empresas forjadas pelo grupo..Para saber se a operação tinha sido bem-sucedida, os advogados tinham um código combinado: "Trazes chamuças hoje?", perguntavam à cúmplice. Por cada novo número de Segurança Social emitido para a rede, recebiam 200 euros..E são centenas os registados na investigação, que apurou valores pagos por imigrantes aos advogados e intermediários que chegaram a ultrapassar os dois mil euros, para a obtenção de todos os documentos necessários..No caso do SEF, esta investigação acaba por confirmar antigas suspeitas, cujas sanções foram travadas pela própria direção. A inspetora do SEF que fazia parte desta teia já tinha ido referenciada numa auditoria interna deste serviço, instaurada em 2016, por suspeitas de vistos irregulares..Nesta inspeção, que foi concluída em 2017, foram ainda identificados outros inspetores e funcionários, entre os quais um ex-diretor nacional adjunto e uma diretora regional, como corresponsáveis por uma vaga de vistos à margem da lei..Contudo, conforme o DN noticiou, este inquérito disciplinar, ordenado pela ex-diretora do SEF Luísa Maia Gonçalves, acabou arquivado por ordem do seu sucessor no cargo de diretor nacional, Carlos Moreira, sem sanções para ninguém. A Inspeção-Geral da Administração Interna também abriu um inquérito, cujos resultados continuam por conhecer..A inspetora, contudo, no âmbito de outra investigação do DIAP de Loures, viria mais tarde, em 2018, a ser apanhada em flagrante a receber dinheiro de um advogado. Está afastada de funções desde essa altura e agora vai ser acusada neste processo da UNCT..Relatório na gaveta: como ministros, MP e SEF ignoraram alertas de corrupção.Fontes que acompanharam esta investigação confirmaram ao DN que os processos fraudulentos investigados que envolveram esta inspetora coincidem no tempo com os que tinham sido também alvo da auditoria interna do SEF, desencadeada quando um aumento para mais do dobro dos pedidos de autorização de residência e o deferimento na maioria dos casos fez soar os alarmes..Na inspeção interna, chegaram a ser detetados vistos passados por esta inspetora a estrangeiros que estavam proibidos de entrar no espaço Schengen..Corrupção. SEF deu vistos a dois estrangeiros procurados pelas autoridades.Com o objetivo de fazer o cruzamento de dados entre os seus processos e a informação do SEF, a brigada da PJ pediu, mais de uma vez, à direção do SEF, liderada atualmente por Cristina Gatões (que era vice de Carlos Moreira, quando este fechou a auditoria na gaveta), que enviasse a lista de agendamentos para pedidos de visto de residência que tinham envolvido a inspetora ou advogados arguidos no seu inquérito. Ao que o DN apurou, pelo menos até ao final de setembro, ainda nada tinha chegado ao MP..DestaquedestaqueNas contas feitas no âmbito da auditoria arquivada, a que a PJ não teve acesso, terão sido mais de seis mil os processos tratados por esta inspetora, coordenadora do posto de Alverca..Nas contas feitas no âmbito da auditoria arquivada, a que a PJ não teve acesso, terão sido mais de seis mil os processos tratados por esta inspetora, coordenadora do posto de Alverca..Outra coincidência no tempo foi registada pelos investigadores e relaciona as alterações à Lei de Estrangeiros propostas pelo BE, aprovadas em 2017, com uma nova vaga de clientes para a rede criminosa..O diploma veio facilitar a regularização de imigrantes, desde que comprovassem que tinham contrato de trabalho e faziam descontos para a Segurança Social. Esta nova lei, recorde-se, chegou a ser contestada num parecer da direção do SEF, que alertava para os perigos do efeito chamada que poderia provocar..Destaque: SEF chumbou proposta da nova Lei de Estrangeiros.Na semana a seguir à aprovação da lei, entraram 4073 novos pedidos, a maioria alegando promessas de contrato de trabalho, valor que superou largamente a média de 300 pedidos semanais na anterior lei - mais 1300%..Como veio esta investigação a confirmar, os milhares de imigrantes foram legalizados, precisamente, com recurso a empresas fictícias e descontos forjados.