As cimeiras nasceram como sinal da esperança, muitas vezes frustrada, que os governos partilhavam no sentido de animar as sociedades civis com a convicção de que as divergências acabariam em acordo e não em desastre..O caso do confronto entre os EUA e a Coreia do Norte faz recordar a variante das cimeiras que mais servem para tentar acreditar a confiança desejada pelos governantes, sem deixar visível a integral realidade do risco de o confronto continuar a ameaçar o globalismo com o desastre..Antes da guerra de 1939-1945, houve um exemplo a não esquecer, que foi a entusiástica manifestação de confiança na paz com que o primeiro-ministro do Reino Unido regressou a Londres depois da reunião com o chanceler da Alemanha..A nova reunião do presidente dos EUA com Kim Jong-un da Coreia do Norte iniciou um esforço no sentido de preencher o vazio que a realidade vivida demonstrou ser o resultado dos anteriores contactos, designadamente no que toca ao armamento atómico. A retórica americana depois da reunião de Singapura, cujo resultado mais visível foi a entrega aos EUA dos restos mortais dos seus soldados que tombaram na guerra da Coreia, e, como de regra, as medidas de poupança financeira com o fim dos exercícios militares conjuntos dos EUA e da Coreia do Sul, uma poupança que custou ao governo americano a demissão, em protesto, do seu secretário da Defesa, que não confundia segurança com gastos inúteis..O historial do Brexit, que se executado afastará o Reino Unido da União Europeia, além da soma de reuniões entre a primeira- ministra e a rígida União, já chamou a atenção da opinião pública para o facto de a Inglaterra não poder ser ignorada, pelos responsáveis militares, na definição da segurança que tem a NATO como principal responsável. É difícil prever, se o Brexit correr pelo pior dos cálculos, que não se discuta uma maneira útil de a Inglaterra continuar interessada solidamente na NATO e na União, e poupando assistirmos a uma série de cimeiras para tentar remediar o desde já previsível, se a conjuntura internacional ficar mais inquietante. É cada vez mais evidente a rapidez com que a conjuntura internacional muda de configuração, pelo que a necessidade de reformular a política, e os seus métodos, cresce em exigências que violam conceitos que regiam a passada ordem internacional..Como sublinhou Daniel Innerarity, "a cena mundial acolhe precisamente agora um conjunto de estratégias políticas, económicas e sociais que contradizem o principio da territorialidade. As lógicas da mobilidade impõem-se, em geral, sobre as da territorialização. O efeito da mundialização confere aos atores uma mobilidade inédita: não somente os liberta do quadro territorial e põe ao seu dispor múltiplos recursos para dele escapar, como também suscita estratégias inovadoras que incitam a transcender as fronteiras e a adotar modos de identificação múltipla". O que significa que não é útil ir de cimeira em cimeira para reanimar conceitos da antiga ordem internacional, quando o futuro já entretanto aconteceu. Não parece que a multiplicação das cimeiras venha a ter resultados úteis sem adotar e acreditar no método de cooperação, de multilateralismo, para ao contrário tentar repor um unilateralismo que teve o seu tempo, com resultados que são agora desafios da evolução global. Porque a cascata de cimeiras que não seja marcada pela tentativa de acertar pelo multilateralismo na definição de uma nova ordem apenas leva a dinamizar um futuro que vai acontecendo à revelia, diferente do procurado..Nesta data há uma nova cimeira entre o presidente dos EUA e o líder da Coreia do Norte, que se inscreve designadamente numa agenda em que se incluem a busca de um acordo do presidente com a China e com o Japão. Esta agenda conduzida por um líder que recusa o multilateralismo e a cooperação ignora que a territorialidade do passado regime das soberanias está ultrapassado pelas interdependências do globalismo, e por isso é difícil que o exercício de andar de cimeira em cimeira do antigo modelo, ignora a realidade..O evidente desnorte da senhora May sobre o projetado Brexit do Reino Unido não parece que tenha recuperado com as cimeiras. A retórica soberanista do presidente da Venezuela, e as ponderadas dúvidas da comunidade internacional sobre a forma de intervir, evidenciam que o desrespeito pela interdependência e pela cooperação aponta para o desastre. A questão de Caxemira, que é desafiante desde o fim do Império Britânico, afeta a dimensão do risco nuclear que é global, e por isso entra nos desafios globais. A evidência é que os Estados têm de avaliar os efeitos da interdependência global sobre a nova realidade da soberania, ou, ignorando a rede global das interdependências, arriscam continuar a discutir o futuro imaginado, quando o futuro real já aconteceu.