A Finlândia assumiu no dia 1 de julho a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, mas o lançamento oficial da presidência foi adiado por causa do momento político, com a escolha dos novos líderes europeus. A eurodeputada finlandesa Miapetra Kumpula-Natri, do Partido Social Democrata (no poder na Finlândia), pertence ao grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) no Parlamento Europeu. Esteve em Lisboa para um debate na sede da Comissão Europeia em Portugal, organizado pela Embaixada da Finlândia, e falou ao DN do que esperar da presidência finlandesa, mas também dessa nova liderança europeia e de desafios como o aumento da extrema-direita ou o Brexit..O lema da presidência finlandesa do Conselho da União Europeia é "Europa sustentável, futuro sustentável". Qual é o objetivo dos próximos seis meses? Tem havido muito debate, até mesmo antes das eleições europeias, sobre as alterações climáticas e a responsabilidade da Europa. Então, a palavra "sustentável" refere-se a um futuro económico sustentável, mas também a objetivos de desenvolvimento sustentável, que foram aprovados pelos países das Nações Unidas e devem ser cumpridos. Significa também uma economia sustentável ambientalmente e ter uma visão mais alargada da sustentabilidade. No final, queremos sempre ser parte da solução, não parte dos problemas. Acreditamos em trabalhar em conjunto para ter um futuro sustentável para a Europa. São muitas ideias num só lema..Falou das alterações climáticas. Não é um problema de agora, mas parece ter ganho maior destaque nos últimos anos, com as greves dos jovens inspiradas na sueca Greta Thunberg. Acha que a Europa está finalmente preparada para enfrentar o problema e para aceitar medidas mais drásticas? Falando como eurodeputada, lembro que o Parlamento Europeu queria objetivos de clima mais progressistas. Votámos nesse sentido no anterior mandato, claro que este ainda não reuniu para discutir temas, mas se virmos para onde caminhamos e, mesmo dentro dos diferentes partidos, percebemos que há visões mais progressistas. Em muitos países o tema tem dominado e há uma grande parte da população que está preocupada. O meu primeiro-ministro [Antti Rinne] disse que, no combate às alterações climáticas, chegou ao fim o tempo da política do sim, mas... Temos de entregar resultados. É algo que queremos fazer, não só o meu governo, do qual não faço parte mas que é do meu partido, mas também o Parlamento Europeu. Na questão do clima, é tempo de os Estados membros entregarem resultados. E é importante vermos a imagem completa, não nos esquecermos dela..Pode dar um exemplo do que pode ser feito? Precisamos de usar o poder do mercado interno. Em relação aos carros com menos emissões, por exemplo. Não é algo que se faça de um dia para o outro, mas temos vindo a dizer aos fabricantes, que são europeus e garantem muitos empregos, que haverá uma mudança para sistemas e carros menos poluentes. Não podemos ditar, desde a Finlândia, que não queremos carros poluentes, ninguém se importaria com um país de 5,5 milhões de habitantes. Mas quando a Europa, com os seus 500 milhões de habitantes, de consumidores, diz que quer carros menos poluentes, então gera uma mudança. Temos de estar ativos a nível europeu, para podermos apresentar resultados. Nas questões climáticas, temos de usar a força do mercado europeu de 500 milhões de consumidores. Se outros estão a produzir aquilo que procuramos, então podemos comprar, mas se o que estão a produzir não é o que queremos, então não devemos comprar porque é mais barato. E vamos ajudar a desenvolver o que queremos cá. Acredito fortemente que a transformação para uma economia sustentável traz emprego para a União Europeia..Acha que as metas do Acordo de Paris foram suficientes ou que devíamos ter exigido mais? Do ponto de vista científico sabemos que o Acordo de Paris não é suficiente. Mas é a base para começar. Depois, se somos crentes da transição da sociedade, então acreditamos que a Europa podia fazer um bocadinho mais. Garantir que as inovações são feitas aqui e não que as inovações que o mercado já garantiu começam a ser feitas na Europa, porque alguém já estará a produzir de forma mais barata. As Nações Unidas vão também reunir-se num encontro extraordinário sobre o clima e o que vai ser então a mensagem da União Europeia? Será que vamos mais lentos, porque os outros vão mais lentos, ou somos alguém que quer ir à frente de todos. Agora temos outro governo nórdico, na Dinamarca, que disse que quer cortar as emissões em 70% até 2030. A Finlândia quer a neutralidade do carbono até 2035..Uma meta ambiciosa. Estão no caminho certo? Sim, já atingimos os níveis de 2020. No geral, a Europa já conseguiu. Quando falo com as pessoas lembro que não é algo impossível. Se olharmos para a economia na Europa desde 1990, praticamente duplicou, mas quando olhamos para as emissões, quando pergunto a uma pessoa qualquer, ela pensa que aumentou, mas não. Tem vindo a diminuir. Mesmo um grande aumento na economia aconteceu ao mesmo tempo que a redução das emissões. É este o caminho a seguir. A economia pode crescer mesmo com um corte das emissões..Além do clima, que outros temas marcam a presidência finlandesa da UE? Como todos os países, a Finlândia tem vindo a dar resposta aos problemas dos europeus. Logo, não podemos deixar de lado a Europa social e também os problemas de segurança. Diferentes países têm diferentes conteúdos para a ideia de Europa social. Para nós, é o direito a um bom sistema de saúde, que é competência nacional, é ter direito a um programa de segurança social, que também é nacional, mas quando cruzamos a fronteira para trabalhar há regras europeias, e a uma boa educação, que está fora das competências europeias. Mas pode haver uma aposta nos futuros investimentos..Nas questões de segurança, é a ideia de um exército europeu? O debate na Finlândia não tem sido de um exército comum, mas sobre as novas ameaças e as ameaças híbridas e as competências que temos de criar ao nível de segurança. Não há exército europeu contra as ameaças híbridas, então porque não desenvolvermos o conhecimento e as competências juntos ao nível da cibersegurança, por exemplo..O governo finlandês tem mais mulheres do que homens e agora podemos ter a primeira mulher presidente da Comissão Europeia. O que acha dessa possibilidade? O cenário atual é de quatro homens do grupo do Partido Popular Europeu com mais de 60 anos. Agora, apesar de os nomes não serem o que o Parlamento ou o meu grupo político queria, há duas mulheres nomeadas, três partidos diferentes, idades diferentes. É isto que os europeus esperavam. É um passo na boa direção. No final, queremos que não importe o sexo da pessoa, mas o conteúdo, mas vemos que em todos os setores da vida humana é preciso exemplos. Se falarmos do pluralismo, da igualdade, não podemos que as nossas instituições o esqueçam. Temos de agir como falamos..E o que acha da nomeação de Ursula von der Leyen? Ainda não a ouvimos ou sabemos o que pensa. Vamos esperar que vá visitar o nosso grupo no Parlamento Europeu. Não sei a que altura das discussões é que o nome dela foi falado. Nós estávamos em Estrasburgo à espera de novidades de Bruxelas, a especular nos nomes dos spitzenkandidaten, porque esses foram os nomes que estavam a ser falados..Havia spitzenkandidaten, eles fizeram campanha, vocês já sabiam o que cada um defendia, mas mesmo assim chegou o momento-chave e nomearam outra pessoa. O processo está morto, em cinco anos não será assim? Vamos ver. Agora é muito cedo para saber. Mas para ser honesta, os candidatos não tinham talvez o apoio necessário do Parlamento Europeu. Talvez devêssemos olhar para o calendário. Será que temos de ter algo a dizer antes, ou será que todos os partidos devem fazer uma nomeação e depois manter o apoio. Será que deve haver mais spitzenkandidaten... são ideias em aberto. Serão os partidos europeus a dizer. Mas, no geral, acho que tem sido um caminho melhor, mais político do que era. Eu venho da Finlândia e sei que o meu primeiro-ministro social-democrata e o português tiveram encontros, tal como o EPP teve uma forte colaboração entre os países, tal como os liberais agora têm muitos líderes e estão a preparar-se para fazer o mesmo. Se é mais político, as pessoas deviam estar mais conscientes disso. Mas isso não é fácil, quando tens de levar o filho à escola, ir trabalhar... é normal que as pessoas estejam mais preocupadas com a educação dos filhos, com o salário, nos benefícios que têm se ficarem desempregadas, como é o sistema de transportes. São coisas mais concretas. Temos de mostrar resultados mais concretos..Outro dos grandes temas europeus é o aumento da extrema-direita e dos partidos antieuropeus. O que é que sentiu quando viu os deputados do partido do Brexit virarem as costas ao hino europeu ou os da extrema-direita que não se levantaram? Não tenho um grande sentimento pelo hino europeu ou as bandeiras. Eu prefiro o conteúdo e as decisões. Não estou a construir uma nação europeia, é o meu sentimento pessoal. Mas obviamente que procuro comportar-me e espero que todos façam o mesmo. Mas eles não se comportam quando estão no plenário. Começam a falar de uma forma que a minha mãe não me deixaria falar e de temas que eu discordo. É levar a cultura política para algo desagradável. Mas a minha preocupação é quererem parar o funcionamento da Europa e que esta dê resultados. E o que fazem é tentar bloquear as tomadas de decisão. É essa a garantia de vida dos populistas. Não podem atuar da melhor forma, porque fazê-lo podia ajudar e permitir uma solução. Foi decidido que não teriam a presidência dos comités. Eles são 73 e pelas regras deviam conseguir duas. Mas nós decidimos que não queremos que eles fiquem na presidência, porque teriam o poder para não fazer reuniões, podiam escolher os temas a discutir e não queremos dar-lhes o poder de parar o funcionamento da União Europeia..Quando a discussão do Brexit começou falou-se do impacto negativo que teria na União Europeia. Mas três anos depois, a Europa parece preparada para essa possibilidade. Pensa que o Reino Unido sairá a 31 de outubro? Chegará a sair? Esperemos que não, mas sabemos que há uma nova eleição para a liderança conservadora. Temos seguido Boris Johnson desde a campanha do Brexit e os europeus conhecem-no bem. Ele quer fazer algo diferente, mas terá o mesmo Parlamento que tem agora, que tem sido contra sair sem um acordo. É por isso que o meu ceticismo em relação à nova data de saída aumenta. Mas, ao mesmo tempo, todos os países na UE e a própria UE têm de estar preparados porque eles terão o poder de decidir o que querem fazer. E, claro, espero que os europeus de ambos os lados do canal garantam os direitos dos cidadãos e a facilidade dos negócios e da vida privada o mais possível e que se comece a negociação da futura relação assim que possível. Mas sabemos que, se o Brexit não acontecer nesse dia, também não se pode continuar a adiar a cada mês, porque continuar isso iria provocar a paralisação do Parlamento Europeu. Não queremos pagar tão alto por um país ter dificuldades sobre a sua relação com a UE. É melhor para eles e para nós que eles fiquem. Mas pode haver uma "saída por acidente" se não houver um acordo mais estruturado. Em relação ao impacto, as sondagens mostram que a popularidade da UE aumenta e até os extremos deixaram de falar em sair da UE. Isso foi bom para os 27, estarem mais unidos e ver que sair não é tão boa ideia. Os britânicos estão a aperceber-se de que há imensa coisa que está ligada à legislação europeia, mas é claro que a Europa também vai perder. O que são as universidades europeias sem as universidades britânicas, por exemplo.