"Não estamos a escancarar as portas, mas a fechá-las às máfias e ao tráfico de seres humanos"
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras detetou neste ano 29 vítimas potenciais de tráfico, 18 das quais são menores.
O Tribunal da Relação de Évora confirmou as penas de prisão de 13 e 14 anos a três arguidos por tráfico de seres humanos. Vinte e três crimes, tantos como o número de nepaleses escravizados numa herdade de morangos em Almeirim. É o desfecho da Operação Pokhara, em 2016, ano em que se registaram mais casos. Em 2017, sinalizaram 150 presumíveis vítimas no país, mas apenas quatro confirmados. Neste ano, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) detetou 29 vítimas potenciais deste tipo de crime, 18 são menores.
Até outubro, o SEF instaurou 26 processos-crime, momento a partir do qual será avaliada a situação, ou não, de tráfico. Mas esta é apenas uma das polícias a investigar estes casos e através da Unidade Antitráfico de Pessoas.
As ações de inspeção e fiscalização são na maioria autónomas, mas há casos em que são realizadas em colaboração com a ACT (trabalho), a ASAE, a Autoridade Tributária, a GNR, Polícia Judiciária, a Polícia Militar, PSP, Segurança Social e, de Espanha, o Cuerpo Nacional de Policia e Guardia Civil. Os casos são posteriormente reportados ao Observatório de Tráfico de Seres Humanos (OTSH), que só anualmente publicita toda a informação.
Entre os menores sinalizados pelo SEF em 2018, cinco foram detetados quando do controlo fronteiriço de entrada em território nacional. Um deles, recém-nascido, cuja investigação está ainda a decorrer. "Todos os menores sinalizados encontravam-se indocumentados e/ou com bilhete de viagem/identificação fraudulenta", o que impossibilita obter certezas quanto à sua nacionalidade. As crianças foram acolhidas em instituições e a situação reportada ao Tribunal de Família e Menores. Os adultos também ficaram em acolhimentos especializados na prestação de apoio e cuidados às vítimas de tráfico de pessoas. Informações dadas pelo SEF, sem mais explicações, até que sejam concluídas as investigações.
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Um número mais elevado de menores como potenciais vítimas de tráfico de seres humanos não é habitual em Portugal. "Tem-se registado uma evolução no sentido de a maioria das vítimas serem do sexo masculino, em idade adulta, traficadas para fins de exploração laboral, de nacionalidade hindustânica ou do Leste Europeu", refere o Relatório de 2017 do OTSH.
Roménia e Portugal com mais vítimas
Em 2017, verificou-se um maior número de países de onde são originárias as vítimas, com um maior peso da Europa. E dois pertencem à União Europeia, Roménia (30) e Portugal (18), estes últimos recrutados no país para o estrangeiro. Além de 17 da Moldávia.
Alberto Matos, dirigente da Solim, conheceu essa realidade, em que chegavam a Beja autocarros vindos do Leste da Europa cheios de gente para trabalhar no Alentejo com a promessa de bons salários. "Normalmente, as situações são denunciadas nos finais das campanhas agrícolas, quando as pessoas se apercebem de que não lhes pagam. Também começámos a ver imigrantes nos hospitais por terem sido espancados", conta.
Entre as potenciais vítimas registadas em 2017, Beja, com 30, é o distrito com maior número, seguindo-se o Porto (28) e Lisboa (14). A proteção de dados pessoais impede a referência às situações em que há apenas uma ou duas vítimas. Os 17 portugueses sinalizados foram recrutados em Portugal.
Alberto Matos defende que a regularização é a melhor forma de combater o tráfico de seres humanos, congratulando-se com as medidas do governo e atual cooperação do SEF. "Quanto mais legalizamos mais retiramos das máfias, porque ninguém é expulso de Portugal. A diferença está em trabalharem legalmente, com direitos e pagando os impostos, ou estarem ilegais e sujeitos ao trabalho clandestino e escravo. Não estamos a escancarar as portas à imigração, já estão abertas, estamos a fechar as portas às máfias e ao tráfico de seres humanos", sublinha o dirigente associativo.
Se de 2016 para 2017 houve uma mudança nas nacionalidades das vítimas - eram mais asiáticos, particularmente do Nepal, e passaram a ser europeus e africanos -, também se preveem alterações relativamente a 2018.