No dia seguinte ao funeral do seu fundador Freitas do Amaral, com o pior resultado de sempre da sua história em eleições legislativas e uma agora líder demissionária, o CDS mergulhou numa crise onde se misturam nomes para a presidência do partido e propostas de renovação ideológica..O resultado de domingo só é comparável quando das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva. Em 1987, com quatro deputados eleitos (e a expressão "partido do táxi" que se colou ao partido), o CDS chegou aos 251 987 votos (4,44%). E, em 1991, o CDS teve então o mesmo número de deputados (cinco), com 254 317 votos (4,43%), contra os 216 448 votos deste domingo (4,25%)..Há pressa entre os opositores de Assunção Cristas, e não espanta que Abel Matos Santos, da minoritária e ultraconservadora Tendência Esperança em Movimento (TEM), já se tenha apresentado como candidato, enquanto outros usam o verbo ponderar, como Filipe Lobo d'Ávila, Nuno Melo, João Almeida ou Francisco Rodrigues dos Santos; e há quem prefira, para já, apontar baterias a um debate de ideias, como também defende João Almeida e Hélder Amaral, Francisco Mendes da Silva ou Pedro Borges de Lemos, entre outros que se foram manifestando desde a noite eleitoral.."Resultado mau obriga a repensar o partido todo".João Almeida já se posicionou para esse debate e para uma eventual candidatura. Falando ao DN, o deputado eleito por Aveiro e porta-voz do CDS sublinhou que "o resultado é de tal forma mau que obriga a repensar o partido todo". Para já, o centrista vai avançar com uma moção ao congresso extraordinário que escolherá o novo líder, como já fez nos dois últimos congressos, e admite a sua candidatura.."Confesso que não estava nos meus planos", explicou-se, reiterando que "continua" a não estar no seu horizonte imediato uma candidatura, mas "seria irresponsável" colocar-se já de fora, "da maneira que as coisas estão". "Sinto essa obrigação.".Já Filipe Lobo d'Ávila deixa as mesmas cautelas. De fora das listas, o antigo deputado do grupo Juntos pelo Futuro do CDS está "em reflexão" sobre uma eventual candidatura à liderança do partido, disseram à agência Lusa fontes ligadas ao antigo secretário de Estado. Segundo a Lusa, o grupo começou "a atualizar a sua moção de estratégia para levar ao congresso"..Outro candidato, este já declarado: Abel Matos Santos, líder da TEM, que fez saber por comunicado que avança com um propósito: "É preciso o partido assumir as suas ideias com clareza, assumir-se como partido de direita democrática e deixar o politicamente correto", disse à Lusa. É óbvia a intenção da tendência, que muitos centristas comparam ao Tea Party americano: puxar pelo debate para questões ditas fraturantes, coladas a uma "ideologia de género", e com um chapéu de "democracia cristã"..O presidente da jota vs. Cristas.Na Rádio Renascença, Matos Santos acusou o CDS de Assunção Cristas de "ter medo de afirmar" aquilo em que pensa, exemplificando: "Quando houve aquela decisão do Ministério da Educação sobre a ideologia de género e as casas de banho na escola, o presidente da Juventude Popular teve uma posição clara, a presidente do partido não teve.".O presidente da JP é Francisco Rodrigues dos Santos, que também já se posicionou no tabuleiro de xadrez do partido. Na sua página do Facebook, Rodrigues dos Santos pediu "uma ponderação lúcida e serena, que procure domar os ímpetos, extrair conclusões enxutas e repor os índices de confiança", para logo a seguir avisar que "quando cada passo está carregado de sérias consequências e de verdadeiras mudanças, as ações sensatas não são apenas prudentes, como as mais apropriadas". Para concluir: "Da minha parte, e na altura própria, avaliarei as minhas.".Com uma foto sua a ilustrar o texto, o líder da JP aponta que "a solução de futuro do CDS será invariavelmente a de grande casa das direitas", para a sintetizar numa formulação que permite várias interpretações: "A ideia de um partido com identidade, sem ser identitarista; popular, renunciando ao populismo; atual, apesar das modas; previsível, escusando-se à indiferença; reformista, e não meramente melhorista; social, atacando o socialismo; sensato, em contraponto ao que é radical; doutrinário, mas não dogmático; com políticas, a par de propostas concretas.".É este debate tão enraizado na ideologia que João Almeida se recusa fazer. Horas depois de ter falado com o DN, o porta-voz do partido esclarecia - em nova publicação no Facebook, depois de um primeiro post em que falou de "derrota estrondosa" - que "neste momento é fundamental acabar com a inútil discussão doutrinária interna" porque o CDS só tem a perder nestas ocasiões, num argumento que já tinha apontado na conversa com o DN.."O CDS cresceu quando fez da sua diversidade força e afundou-se quando essa discussão ocupou o espaço do debate das soluções para o país. Por outro lado, é preciso encontrar o que falta, causas para que as pessoas vejam utilidade no CDS. Perdemos essa capacidade de criar relações fortes de confiança com os eleitores."."CDS tem de encontrar um entendimento na direita".Hélder Amaral sugeriu na TSF uma mudança de caminho no partido: "Penso que o CDS tem de se atualizar, tem de atualizar o seu discurso e, porventura, as suas propostas, tem de perceber melhor a sociedade. A direita portuguesa não pode continuar a disfarçar e a fingir que nada aconteceu. O CDS tem, de facto, de pensar o que quer para o futuro, mas obviamente não pode ser sozinho", argumentou. Para o centrista, "o CDS tem de encontrar um entendimento na direita". "Vamos ver o que acontece no PSD e nos novos partidos que surgiram no espaço do centro e da direita.".Esse espaço do centro e da direita não pode ser com qualquer um, avisa Francisco Mendes da Silva, conselheiro nacional do partido, que publicou uma extensa análise ao momento do CDS, na sua página do Facebook. Nem os centristas se podem transformar numa outra coisa, entende. "Se o CDS fosse como o Chega", exemplificou ao DN, "esse não seria o meu partido e no dia seguinte estava a sair do partido". E sem papas na língua, não tem problemas em criticar Abel Matos Santos: "É uma pessoa que quer que o CDS represente a extrema-direita em Portugal", numa linha de Bolsonaro, Salvini, Farage ou Le Pen. "Eu não quero esse partido e hei de lutar para que não seja esse CDS.".Portugal já não é o país que era, quando o CDS empunhou bandeiras securitárias e de um euroceticismo exacerbado. "Portugal não tem grande criminalidade violenta, o securitismo não tem adesão à realidade portuguesa", defendeu ao DN. E recordou que onde o Chega ganhou votos (como por exemplo a cintura urbana de Lisboa), esses não são locais de forte implantação do CDS.."Admito que me critiquem por aquilo [que escrevi] ser um wishful thinking, aquilo é o partido que eu quero", apontou. E no texto escreveu, em dois longos parágrafos que merecem uma citação completa: "Quem insistir que perante este resultado - com estes números e esta sociologia territorial e etária - a resposta do CDS deve ser a de insistir numa espécie de purificação doutrinária, está completamente enganado. É bom que o partido não siga este canto de sereia. Porque essa é normalmente a resposta dos nossos adversários ideológicos, que têm sempre uma resposta patológica para todos os desaires: mais radicalismo e mais entrincheiramento.".E acrescentou: "Já agora, estou curioso para saber o que é que pensam destes resultados as pessoas que dizem que o problema do CDS é a suposta ambiguidade ou relaxamento do partido nos chamados 'temas fraturantes'. Para onde terá ido o eleitorado de direita que se define politicamente com base nesses temas? Para o PSD? Para os partidos à direita do CDS? Na primeira hipótese, não estaremos então a falar de pessoas que acreditem assim tão convictamente nos seus valores. Na segunda hipótese, não estaremos a falar de uma multidão gigantesca (especialmente se retirarmos desta equação a Iniciativa Liberal, que não só não é certo que esteja à direita do CDS como é certo que não o está, de todo, nos tais 'temas fraturantes')."."A prioridade não é eleger um novo líder".Uma outra tendência que se apresenta como democrata-cristã, a CDS XXI, pelo seu representante Pedro Borges de Lemos: "Depois dos fracos resultados eleitorais e da demissão da líder, é tempo de profunda reflexão e de iniciar a construção de uma solução, por todos os que nela quiserem participar, que passe por uma redefinição programática séria e coerente do partido, a ser ratificada no próximo congresso.".Para Borges de Lemos, não é "consentâneo com os interesses imediatos do CDS, posicionarem-se já nomes para a sucessão da atual líder". E concluiu: "Para o CDS XXI a prioridade não é eleger um novo líder que, a seu tempo, o congresso encarregar-se-á de fazer democraticamente, a prioridade é criar um novo rumo que vá ao encontro das aspirações das bases.".O partido digere ainda a pesada derrota. Na sua página do Facebook, Cecília Meireles deixou ficar um post do dia em que morreu Freitas do Amaral: o símbolo do CDS com um fundo preto de luto. Premonições.