Quando chega junho, o mês dos Santos Populares, Joaquim Araújo já sabe que tem de meter férias. Tal como a sua mulher, Alexandrina Araújo, desenhadora projetista. É tempo de colherem o que durante o ano semearam nos seus quatro terrenos com um hectare, situados em Pedrouços (Maia), freguesia à qual Joaquim preside.."É daqui que saem os manjericos para todas as festas", diz o pai de Alexandrina, Manuel Ferreira Gomes, 90 anos, encostado à ombreira da porta do seu quintal, de onde saem caixas de árvores em ponto pequeno para serem carregadas nos camiões de distribuição. É dia de encomenda. Neste mês, são quase todos. "Ninguém pode mexer-se aqui com tanto manjerico", reclama Manuel, que agora já quase só supervisiona os trabalhos. A família e os amigos juntam-se todos os dias a partir das 05.30 para arrancar à terra a planta aromática e medicinal, semeada em fevereiro, e colocá-la nos tradicionais vasos de barro. Colocam a bandeirinha com o dizer e pode seguir..Quando começaram a semear manjericos há 25 anos, Joaquim e Alexandrina Araújo tinham 20 metros quadrados de terreno. Plantavam entre 60 e 100 exemplares. Hoje, são proprietários de quase um hectare, espalhado pela freguesia com tradição agrícola, onde chegam a colher 50 mil manjericos por época. Vendem a pequenos comerciantes, a hipermercados e até chegam a enviar para o estrangeiro para as comunidades emigrantes com saudades dos Santos Populares, principalmente em França e na Suíça..Para o Santo António (13 de junho), em Lisboa, vêm cerca de 15 mil manjericos, o resto fica no Porto para o São João (24 de junho) - para onde vai a maior parte desta produção. "Aqui nem é São João se as pessoas não tiverem o seu manjerico em casa", afirma Joaquim. "Os manjericos são típicos aqui do norte. Temos de marcar a diferença. Quando começámos, a tradição estava a morrer, mas nós somos um bocado lutadores. Por isso pensámos em reanimar isto", acrescenta Alexandrina..Já cultivavam hortícolas e sobre os manjericos foram aprendendo em livros e com a prática, principalmente com a prática. Passados 25 anos, já conhecem os segredos para plantar um bom manjerico. E até já vão inovando. Para juntar aos de copa verde, criaram outros, em tons de roxo, e outros ainda que misturam as duas cores..O trabalho é todo feito em família e de forma tradicional, sem recurso a estufas. Quem trata de lançar as semente é Joaquim, de 55 anos, que, antes de ir desempenhar o papel de presidente da junta de freguesia ou depois do trabalho, continua a sua vida de produtor agrícola. "Às vezes há a ideia de que as pessoas com cargos políticos não trabalham. Eu também tenho a minha atividade pessoal. É possível conciliar tudo desde que tenhamos ajuda".."Felicidade para a vida toda".Dita a tradição portuguesa, sobre a planta de origem indiana, que os namorados devem oferecer às amadas um vaso de manjerico por altura do Santo António, o santo casamenteiro. "É a planta dos namorados. Diz-se que quem recebe um manjerico tem felicidade para a vida toda. Às pessoas a quem eu tenho oferecido não tem faltado [felicidade]", indica Alexandrina Araújo..Em tempos, esta prenda chegou mesmo a ser comparada a um pedido de casamento, com os votos anunciados na dedicatória que acompanha os manjericos num tom entre o romântico e o provocador. "As quadras têm de ter sempre algum piripíri à volta. Anima. Desperta a própria planta. As festas populares são uma altura quente e estão ligadas à fantasia. E há quem compre o manjerico pela quadra", diz Joaquim, também versado nesta arte..As quadras, que acompanham os manjericos de Joaquim e Alexandrina, são escritas pelo primeiro. "Ele é que tem queda para fazer os versos." Já os faz há muito; quando começaram a namorar, há 29 anos, dedicava-lhe versos. Agora, os ditos são feitos ainda durante o inverno, quando a produção é interrompida, para serem vendidos. "Querida: a nossa ternura/ Não se alterou, na verdade!/ A fonte da água é pura/Pois a sede não tem idade!".Das sementes ao vaso.As sementes começam a ser plantadas em fevereiro para depois serem transplantadas entre abril e maio - mediante a dimensão que se quer que o manjerico tenha. Quanto mais cedo, maiores serão. Joaquim e Alexandrina fazem esta etapa faseadamente para terem manjericos de todos os tamanhos, "desde o oito ao 32. O de 32 cm é o tamanho do diâmetro do vaso, embora eles sejam um bocadinho maiores"..São colocados em longos carreiros com uma distância entre si que ronda os 30 cm, "para terem espaço para crescer". Exigem muita água, manutenção à base de nutrientes próprios e tratamentos contra as pragas até junho, quando o grupo de 20 amigos e familiares se junta para os colocar no vaso de barro..Calçam as luvas, retiram os plásticos, que protegem das larvas e do crescimento de ervas daninhas, e começam a desenhar um círculo à volta da raiz. "O segredo está em arrancar com bastante terra para que eles se desenvolvam." Assim, aconchegado, dura tanto como plantado. Embora nunca tenha uma vida muito longa.."Há no entanto pessoas que conseguem aguentá-los até ao Natal." Para eles resistirem, o produtor aconselha a ter a planta perto de uma janela e a mudá-la de posição para que receba luz em toda a superfície. Deve colocar-se um pires com água por baixo e regá-lo de dois em dois dias. E cheirá-lo diretamente não mata. É mito, afirma Joaquim..Depois de o processo estar concluído, chegam às bancas com um preço que pode ir dos três aos 25 euros dependendo dos tamanhos e até da cor. Mas nem todos têm como destino as bancas, há que guardar alguns - os maiores e mais frondosos -, de onde vêm as sementes para a época seguinte, que perpetuam a tradição. Neste ano, a colheita foi boa. O manjerico "quer temperaturas entre os 19 e os 20 e tal graus para se desenvolver, crescer, e tivemos sorte". A terra também ajuda e a da "Maia é muito boa", garante o presidente da junta.