Foram três anos de discussão, mas, chegados ontem às votações finais, os diplomas que visam aumentar a transparência no desempenho de cargos públicos ainda sofreram alterações de peso.Das mudanças previstas no Estatuto dos Deputados desapareceu a criação de um comité de ética no Parlamento. E com este desapareceram várias competências que lhe estavam atribuídas, nomeadamente a possibilidade de reter parte dos abonos que são devidos aos deputados, a proibição de integrarem missões parlamentares pelo período de um ano e a limitação do acesso a informações confidenciais..A criação desta nova entidade (que funcionaria na esfera da nova comissão parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados) - e sobretudo as suas competências - estava longe de ser pacífica. CDS e PCP, especialmente, sempre se manifestaram contra o que chamavam de "polícia dos deputados", qualificando como inconstitucionais as sanções previstas. Ontem, nas votações finais, o PS avançou com uma proposta de eliminação do comité de ética, repescando duas das suas competências para a comissão parlamentar da Transparência (que se mantém). Uma delas, que fica na lei, diz que a comissão poderá "emitir recomendações que promovam as boas práticas parlamentares". A segunda, que estipulava que também poderia emitir avisos em relação a condutas consideradas como "irregularidades graves", acabou chumbada. A eliminação do comité de ética teve o voto contra do CDS (que é contrário à criação da nova comissão parlamentar), a abstenção do PSD e o voto favorável dos restantes partidos. Pedro Delgado Alves, o deputado do PS responsável por este dossiê, afirmou ao DN que os socialistas optaram por recuar na criação da nova entidade dada a oposição manifestada por alguns partidos, que "podia ser impeditiva de um consenso mais alargado" nas alterações ao Estatuto dos Deputados..Se neste caso as sanções ficaram pelo caminho, há outras que ficam na lei. A partir da próxima legislatura, altura em que os diplomas ontem aprovados em votação final global entram em vigor (com exceção do lóbi, que fica para 1 de janeiro de 2020), a não entrega da declaração de património e rendimentos de cargos políticos e altos cargos públicos, ou a omissão culposa de rendimentos passam a ser punidos com pena de prisão até três anos. A perda de mandato ou a inibição do desempenho de cargos públicos são outras sanções possíveis, numa lista de cargos que é agora bastante mais extensa..Ontem, a votação prolongou-se bem para lá do normal, com os trabalhos a terminarem já em cima das 14.00, depois de uma votação na especialidade de muitos artigos e alíneas, a pedido de diferentes bancadas, no instante de cada um dos projetos, exasperando o presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues..No início das votações registaram-se 200 deputados (de um total de 230), mas quando este período terminou já só estavam no plenário 74, abaixo do quórum necessário para as votações, mas que o regimento parlamentar permite, ao assumir a "representatividade dos grupos parlamentares"..Os votos foram de geometria variável: PS, PSD e BE viabilizaram a entidade independente junto do Tribunal Constitucional para fiscalizar rendimentos e património, na nova lei das incompatibilidades; PS e CDS aprovaram a regulação do lóbi; e a geringonça impôs um travão aos deputados advogados no Estatuto dos Deputados..O que muda.O pacote da transparência que ontem foi aprovado no Parlamento demorou três anos a ficar concluído. São três os novos diplomas que entrarão em vigor na próxima legislatura..Advogados limitados A nova legislação aperta a malha sobre os deputados advogados, que terão de suspender funções (ou deixar a empresa) caso a sociedade onde trabalham tenha negócios com o Estado. A limitação também é válida para outras profissões iliberais, como arquitetos ou contabilistas. Os deputados também ficam impedidos de acumular funções em sociedades financeiras..Perda de mandato É alargada a lista de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos que têm de apresentar declaração de património e rendimentos - uma obrigação que se estende agora aos juízes do Constitucional, do Supremo, à PGR e ao Provedor de Justiça, entre vários outros. A entrega desta declaração passa a ser obrigatória em três momentos - a tomada de posse, o final do mandato e, novamente, três anos após o término de funções. O Estatuto dos Deputados prevê agora a possibilidade de perda do mandato a quem "culposamente" não fizer o registo de rendimentos, de património e de interesses..Ofertas aos deputados As regras sobre o registo de ofertas a titulares de cargos políticos e públicos, incluindo a possibilidade de todas serem registadas, acabaram por fixar o valor de 150 euros como teto máximo. Assim, só passa a ser obrigatório registar essas prendas quando o valor for superior a 150 euros. Este valor é uma referência já usada pelo governo no seu Código de Conduta, adotado após a polémica das viagens ao Europeu de futebol de 2016 de três secretários de Estado..Lóbi regulado PS e CDS aprovaram a regulamentação da atividade do lóbi, com a abstenção do PSD e a total oposição de BE e PCP. As empresas de lobistas passam a ter de se inscrever no chamado Registo de Transparência da Representação de Interesses do Parlamento, "público e gratuito", disponível online. A nova lei entra em vigor a 1 de janeiro do próximo ano.