08 julho 2018 às 07h00

Estado da Nação. Tiro de partida para a campanha eleitoral

Rio diz ao PSD que se mantém firme numa oposição sem "sangue". PS pede à esquerda que valorize o alcançado e que não estrague tudo no OE2019. CDS luta pelo aumento de espaço vital e joga no ideológico

Paula Sá e João Pedro Henriques
Paula Sá e João Pedro Henriques

Marcado para a próxima sexta-feira, o debate parlamentar do Estado da Nação deve servir para todos os partidos como uma espécie de ensaio geral do argumentário para a próxima campanha eleitoral - e também, mais perto, para a discussão do Orçamento do Estado em outubro. No PSD, a estratégia de Rui Rio é complexa. Se, por um lado, prepara o voto contra o Orçamento do Estado para 2019 - é mesmo a hipótese mais provável, para não dizer certa - garante que não se desvia um milímetro do caminho que traçou até às eleições de 2019, mesmo que o partido, mais crítico, lhe peça "sangue" e uma oposição mais vigorosa à geringonça nos próximos meses.

Recusa-se a dizer "mal de tudo", e às críticas internas responde: "O partido já ganhei, agora quero ganhar o país. Sou líder de um partido que aspira ao poder, não é muleta do governo, mas tenho de fazer uma oposição responsável e consequente", diz ao DN o líder social-democrata. Faz os acordos que tiver de fazer com António Costa - dois estão fechados, o dos fundos comunitários e da descentralização, e ensaia um outro sobre a justiça - e mantém que não prometerá nada que não possa cumprir.

Rui Rio está convencido de que a imagem que o governo socialista traça de um "país que anda às mil maravilhas" começa a desfocar-se para os portugueses. E isso justificará o chumbo orçamental e a posição crítica quanto ao Estado da Nação. A quebra das promessas, por exemplo, na eliminação do imposto sobre os combustíveis ou na contagem do tempo de carreira dos professores são exemplos para ilustrar uma economia mais débil do que é vendido. "Mesmo a redução do desemprego, que é o dado mais positivo, foi feita à custa de salários baixos e diminuição da produtividade. Portugal está agora a divergir do nível de vida da Europa."

Jogar contra a maioria do PS...

A estratégia do líder social-democrata divide o PSD, esbarra sobretudo na ala passista, que tem no antigo líder parlamentar Luís Montenegro a esperança de futuro se o sol não brilhar para Rio nas eleições do próximo ano, europeias e legislativas. "Estratégia suicida para o partido", que abre a porta a uma maioria absoluta do PS , argumentam os críticos. Várias figuras na bancada parlamentar não se cansam, nem se cansarão, de fazer contravapor. O ex-presidente da bancada, Hugo Soares, é uma dessas vozes.

Há quem internamente, embora desalinhado de Rio, considere que a estratégia do líder "é certa", mas tem falta de uma "comunicação eficaz". "A estratégia de Passos Coelho de bota-abaixo, o vem aí o diabo, falhou, e com estrondo nas últimas eleições autárquicas", reforça um destacado militante social-democrata. Se no PSD, onde "os militantes são tiffosi", este modo mais soft, até austero, de fazer política cai mal, "os portugueses gostam", reforça a mesma fonte. Rui Rio sabe que é "extraordinariamente difícil" ganhar ao PS. "Mas se impedir a maioria absoluta de António Costa já tem um resultado que lhe permitirá sobreviver na liderança e jogar nos próximos quatro anos."

O politólogo António Costa Pinto chama a atenção para as últimas sondagens que até dão uma ligeira recuperação do PSD. "Mostra que Rio não é penalizado por ter uma postura muito diferente." A eventual saída de Pedro Santana Lopes do PSD, com quem Rio disputou as diretas, para fundar um novo partido, seria um obstáculo no caminho do antigo presidente da Câmara do Porto para congregar o eleitorado de centro-direita - se fosse em bloco e se houvesse concretização, mas poucos acreditam que aconteça. O antigo parceiro de coligação, o CDS, apesar de tentar desbravar o eleitorado de direita, não tem tido grandes subidas.

A alternativa ideológica do CDS

No PSD há algum receio desse crescimento e é dele que se fazem algumas das críticas a Rui Rio. António Costa Pinto não vê razão. "O nosso sistema à direita é estável há 40 anos, um dia há de mudar, mas ainda não é agora." Mesmo entre os sociais-democratas há quem admita a bondade de um reforço na votação do CDS. "Para sonhar chegar ao poder, o PSD tem de crescer e o CDS também."

Ao contrário de Rio, Cristas tem o partido pacificado. Parte para o combate eleitoral do próximo ano e para o ataque ao governo com o resultado em Lisboa, mais de 20% dos votos, que a colocou à frente do PSD. "Sabemos do ponto que partimos, mas se não estabelecermos objetivos não chegamos onde queremos", diz Adolfo Mesquita Nunes, um dos dirigentes mais próximos da líder.

Cristas andou nos últimos oito meses a "ouvir Portugal". Segundo contas do partido, foram 45 mil os quilómetros batidos por Assunção Cristas. Todos os distritos, todos os setores de atividade. Já não é ao estilo "Paulinho das feiras", com que Portas fez o partido crescer em 2011 para os 24 deputados, é mais transversal. "Assunção tem feito um trabalho de proximidade incansável para tornar descomplexado o voto no CDS", diz Mesquita Nunes. O deputado sublinha que "neste ano o CDS foi o único partido que não teve hesitação em ser oposição ao governo das esquerdas". Nunca menciona o PSD, mas fica implícito. "Somos a alternativa ideológica ao socialismo, com um modelo de crescimento muito diferente", que se faz "de propostas alternativas e concretas".

O partido de Assunção continuará a atacar o governo de Costa nos pontos mais frágeis, com os problemas da Saúde à cabeça, e vai falar, diz Mesquita Nunes, para "os mais vulneráveis, mas também para os setores mais dinâmicos da sociedade que precisam de liberdade para avançar".

Tabu da maioria e dúvida na gerigonça

No PS os motores já aquecem - mas ninguém rompe o tabu: é proibido falar em maioria absoluta. António Costa tem sublinhado que quer novos acordos à esquerda, mas há dias começou a carregar nas tintas dizendo que "é preciso que todos provem bem esta solução nesta legislatura para que haja continuidade na próxima" - um recado que parece ter o PCP na mira, partido que tem feito questão de parecer cada vez mais distante do governo e que está a vender muito caro o seu voto favorável ao próximo Orçamento do Estado.

Nas jornadas parlamentares do PS, no início da semana, Carlos César ensaiou uma espécie de ultimato: ou BE, PCP e PEV se comportam com "responsabilidade" ou se arriscam ao "isolamento" eleitoral e a "perder influência". O deputado e dirigente nacional Porfírio Silva - um dos principais defensores, na cúpula do partido, da atual solução governativa - faz questão de recordar a bloquistas, comunistas e ecologistas que "o cimento desta solução governativa é o PS". Ou seja: "não é possível um governo de esquerda sem que a base desse governo seja o PS" e é uma "ilusão" pensar-se que "pode haver outra força a substituir o PS nessa posição". Neste contexto, competirá ao PS "falar para todos os eleitores e depois o resultado logo se vê". E maioria absoluta? "Não se pede" porque "cada eleitor só tem um voto".

Entretanto, a conflitualidade social tenderá a aumentar - como nas últimas semanas - e muito por culpa da influência sindical do PCP. Aqui os socialistas usam nervos de aço para evitar atitudes demasiado agressivas com o partido de Jerónimo de Sousa e respetivo eleitorado: "Não podemos valorizar o papel do PCP na democracia sem valorizar a sua inserção social", diz Porfírio Silva.

No Bloco, a parte temível, do ponto de vista do PS (e do PCP), é a sua capacidade de agitação mediática. Os bloquistas tencionam ir reforçando cada vez mais as marcas da sua identidade própria - por exemplo através da batalha contra as "rendas excessivas" da EDP - mas, ao contrário dos comunistas, tendo o cuidado de não parecerem estar em rutura com a solução da geringonça.

[Texto publicado na edição impressa de dia 8 de Julho]