Paulo Cunha: "Para que haja uma vitória nas autárquicas não é suficiente estancar a perda"
Presidente da Câmara de Famalicão e autarca mais votado do PSD, Paulo Cunha diz em entrevista ao DN esperar que Rui Rio esteja mesmo disposto à unidade e que chame as forças vivas do partido para o combate eleitoral. Foi apoiante de Luís Montenegro nas diretas e defende que é um "erro" a "tendência" de Rui Rio para os acordos com o PS. Vitória nas autárquicas, diz, será conquistar mais câmaras do que em 2017. E admite a aproximação ao Chega.

Paulo Cunha, presidente da Câmara de Famalicão.
© Miguel Pereira/Global Imagens
Em outubro, após as eleições legislativas, disse que Rui rio teve uma "derrota estrondosa" e que estava "fragilizado". Mas a verdade é que ele ganhou a primeira e a segunda volta das diretas. Continua a pensar a mesma coisa?
Continuo a pensar a mesma coisa. Acho é que a expectativa da maioria dos militantes é também baixa. Ao longo destes dois anos, o Dr. Rui Rio baixou a expectativa aos militantes e eles fizeram um ajustamento das expectativas que têm sobre o desempenho do partido no país. Ele terá uma estratégia de mais longo prazo, mas não era a isto que estávamos habituados no PSD.
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Mas os militantes estão à espera de que o partido continue a ter derrotas eleitorais?
O que estávamos habituados ao longo de 48 anos de PSD é que quando não somos poder lutamos para ser e não colocamos o cenário de passar duas legislaturas sem sermos governo. O que parece é que temos um PSD agora diferente, que não tem essa ambição. É preciso restaurar a ambição ao PSD.
Acredita que Rui Rio vai ser capaz de fazer a união do partido quando durante estes dois últimos anos foi difícil?
Acredito que se quiser consegue. Há uma enorme disponibilidade nos militantes do PSD, em que obviamente me incluo, para criarem um bloco único, de modo a que o PSD seja capaz de vencer os desafios com que se vai confrontar, a começar pelas regionais dos Açores e as autárquicas. É preciso que o líder do partido queira genuinamente essa união no partido.
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Isso implica uma mudança completa de atitude por parte do líder?
Ele não fez tudo o que devia ter feito para que essa união tivesse acontecido, mas acredito que o possa fazer no futuro.
Então terá de chamar para os órgãos dirigentes do PSD pessoas que estiveram do outro lado da barricada, como Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz?
Não necessariamente. É perfeitamente legítimo e o Dr. Rui Rio já anunciou que apresentará listas próprias aos vários órgãos. É perfeitamente legítimo. Ele venceu as eleições e é indiscutível a sua vitória. O que é preciso é que compreenda a diversidade do partido. O PSD é um partido heterogéneo, de pensamento plural, um partido onde deve haver espaço no contexto de reflexão - e há locais e tempos próprios para isso -, e o Dr. Rui Rio deve ter essa abertura.
"O que estávamos habituados ao longo de 48 anos de PSD é que quando não somos poder lutamos para ser e não colocamos o cenário de passar duas legislaturas sem sermos governo. O que parece é que temos um PSD agora diferente, que não tem essa mesma ambição. É preciso restaurar a ambição ao PSD"
Quais os principais "erros" da liderança de Rui Rio?
O PSD tem uma enorme base de apoio, não só dos militantes mas também de muitos que não são militantes que se identificam com o partido. Essas pessoas precisam de mais oportunidades para fazer parte da vida efetiva do partido, e isso não aconteceu ao longo destes dois anos. Houve algum desaproveitar, um desperdiçar de forças e de dinâmicas, nomeadamente dos autarcas - que também sou. Temos muitos presidentes de câmara, de junta e muitos eleitos locais que têm um grande conhecimento do território e que podiam e deviam ser muito mais envolvidos. O que penso dos autarcas penso de muitas outras áreas de intervenção pública e política em que o PSD deve abrir portas e proporcionar condições reais para uma participação positiva, construtiva e comprometida com o futuro do país.
Apoiou Luís Montenegro nas diretas, o que poderia ele ter feito de diferente no PSD?
Apoiei por razões objetivas. Entendo que Luís Montenegro tinha melhores condições para unir o partido e ganhar o país e fez tudo o que estava ao seu alcance para que essa mensagem passasse. A grande razão para a sua derrota eleitoral prende-se com a baixa ambição da maioria dos militantes do PSD, que preferiram uma lógica de continuidade sóbria e frugal em muitas circunstâncias do que uma solução ambiciosa e que criasse uma expectativa ganhadora.
O que sair do congresso deste fim de semana impedirá o partido de andar em guerra nos próximos dois anos?
Acredito genuinamente que o partido não andará em guerra. Também não acho que tenha andado nos dois anos passados. Houve alguma crispação e compreendo que o Dr. Rui Rio tenha visto nessa crispação uma circunstância pouco mobilizadora da sua relação com o partido, mas não há razão nenhuma que aponte que venha a acontecer no futuro.
A estratégia de oposição de Luís Montenegro e de Rui Rio era muito diferente. Considera que fazer pontes com o PS e o governo é mau para a afirmação do PSD?
Fazer isso por tendência é mau. Fazer essa afirmação por princípio é mau. Não é mau e está em consonância com o património político do PSD fazer intervenções e acordos pontuais em áreas que sejam estruturantes para a vida dos portugueses. Mas é mau uma afirmação de princípio de uma disponibilidade que não é procurada. Se o Dr. António Costa tivesse procurado em primeira instância o PSD, porque não tem maioria parlamentar, para criar condições de apoio parlamentar ao governo do Partido Socialista não estava a dizer o que estou a dizer. Mas não foi isso que António Costa fez, foi à esquerda e à extrema-esquerda procurar apoios parlamentares para aprovar documentos estruturantes como é o caso dos Orçamentos do Estado. Esse é o quadro parlamentar que vivemos e nesse quadro é incompreensível que o PSD assuma uma disponibilidade como ponto de partida. Acho admissível que o PSD venha a apoiar pontualmente algumas áreas desde que, como é óbvio, se identifiquem com o programa social-democrata. Sempre que o PS propuser algo que vá ao encontro da matriz ideológica e das políticas que são defendidas pelo PSD, obviamente que devemos votar favoravelmente. Agora não devemos assumir uma predisposição favorável às propostas do PS.
Isso confunde o eleitorado?
Confunde e, mais do que confundir, reduz o nosso espaço político. A afirmação faz-se também pela diferença. É importante que os portugueses percebam no que é essencial que o PSD é um partido responsável, mas também é bom que percebam que tem uma mensagem, que tem um ideário próprio para lhes apresentar.
A mensagem de colocar o "PSD ao centro", a de Rui Rio, é correta?
Não quero entrar nesse debate porque acho que é preciso pragmatismo. O que é fundamental é que os portugueses percebam que o PSD é um partido útil, que é portador de uma mensagem e capaz de resolver os seus problemas. Para os cidadãos, não interessa nada saber se nos colocamos ao centro, na ponta mais à direita ou próximo entre o centro e a direita, se ensanduichamos ou se somos ensanduichados. Isso é uma questão de puro debate ideológico e também estou disponível para ele. Agora o que é importante apresentar rapidamente ao país é o que somos capazes de fazer por Portugal, onde é que nos mostramos como partido útil, merecedor da confiança dos portugueses. Esta é que é a mensagem essencial.
"Sempre que o PS propuser algo que vá de encontro à matriz ideológica e das políticas que são defendidas pelo PSD, pois obviamente que devemos votar favoravelmente. Agora não devemos assumir uma predisposição favorável às propostas do PS"
Uma oposição mais "feroz", como foi a do CDS na direção de Assunção Cristas, seria desastrosa?
Não estou a defender uma oposição feroz, mas uma oposição com causas, com apostas, com ideias concretas e não uma oposição de quem está à espera de que o poder caia de maduro e que, na ótica clássica da alternância democrática, um dia os portugueses vão acreditar no PSD. Isso não vai acontecer assim. Pode ter acontecido no passado, não vai acontecer no futuro. Há uma alteração inequívoca no panorama político português e europeu, para não dizer mundial. Ou conseguimos mostrar aos portugueses que somos e sempre fomos um partido útil, com pessoas capazes e com propostas à altura de Portugal, e vamos voltar a merecer a confiança dos portugueses, ou se não o fizermos não vai acontecer nunca mais.
A abertura do partido à sociedade que Rui Rio defende com a colaboração de independentes é crucial?
Sou adepto disso. Os sociais-democratas estão maioritariamente convictos de que essa é uma solução acertada. O que não quer dizer descartar os militantes. Os militantes não têm cadastro, têm currículo como todos os outros, e o facto de ser militante do PSD não é depreciativo, não menoriza quem o é. Não podemos deixar de aceitar uma proposta só porque é militante. Agora o partido não é só dos militantes, mas os militantes têm uma palavra muito relevante naquilo que há de ser o futuro do partido.
Como autarca, e o mais votado do PSD nas últimas eleições...
E nas penúltimas, já agora.
... acredita que Rui Rio vai conseguir dar ao PSD uma vitória nas autárquicas de 2021?
Acredito que é possível. Não faço uma profissão de fé, mas acredito que é possível.
O que será uma vitória, conquistar mais câmaras do que o PS? É uma tarefa difícil...
Uma vitória é caminhar nesse sentido. Para que haja uma vitória não é suficiente estancar a perda. Não é suficiente dizer que deixámos de perder câmaras municipais. Temos condições. Veja-se o caso do distrito de Braga, estamos a ganhar câmaras ao PS desde há três ou quatro autárquicas. A tendência nacional é de perda e nós em Braga temos ganho sempre.
E conseguiram isso como?
Com uma estratégia, um plano de ação, há um grupo organizado, há uma focalização, há um processo de recrutamento e escolha das pessoas acertadas, há um trabalho de base feito com tempo, há uma coesão e convergência desse processo. O que se faz num distrito pode fazer-se no país. É igual ganhar Braga ou Amares a ganhar Lisboa e o Porto? Não, não é igual, mas não estou a dizer que o Dr. Rui Rio tem de ganhar Lisboa e o Porto para ser vencedor nas próximas autárquicas. Mas tem de ganhar câmaras. Tem de haver sinais inequívocos de que o PSD voltou a uma tendência ascendente do ponto de vista autárquico. A questão autárquica é essencial para o futuro do PSD e estamos a perder protagonismo ao longo de várias eleições. O Dr. Rui Rio não tem culpa, que não era presidente do partido em nenhuma das últimas eleições autárquicas, mas também digo que ao longo dos dois anos em que foi presidente do PSD não houve uma única ação com dimensão autárquica. Não me recordo de nenhuma, apesar de no congresso de 2018 ele ter anunciado que a questão autárquica era essencial. Sabemos que até outubro ele teve europeias e legislativas, mas é inegável que dos quatro anos para preparar as autárquicas já só temos 18 meses. Nos dois anos que passaram não houve rigorosamente nada que tivesse uma repercussão naquilo que é o processo autárquico.
Se não houver a tal vitória autárquica, volta-se a uma nova disputa de liderança? Luís Montenegro tem condições para se recandidatar?
Essa questão não se coloca, com toda a franqueza, e muito menos agora. Luís Montenegro é soberano nas suas decisões e na altura própria saberá o que fazer para bem do partido. Depois o que mais ambiciono é ter uma conversa a dizer que o Dr. Rio tem todas as condições para voltar a ser presidente do partido. Não quero daqui a dois anos estar num processo eleitoral disputado no PSD. Faço parte do grupo daqueles que querem criar condições para que o Dr. Rui Rio seja muito bem-sucedido e dar-lhe condições para voltar a ser presidente do PSD quando voltar a candidatar-se.
" Para que haja uma vitória não é suficiente estancar a perda. Não é suficiente dizer que deixámos de perder câmaras municipais"
O nome de Pedro Passos Coelho voltou a ressurgir, em particular de apoiantes de Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz. É uma das reservas para o futuro próximo?
O Dr. Pedro Passos Coelho tem um percurso muito digno e que não tem sido justamente avaliado pelos portugueses. O que ele fez pelo país ficará nos anais da história, mas porventura é muito cedo para que essa reflexão se faça. Mas é inegável também que a sua governação deixou marcas, porque ele fez o que precisava que fosse feito no país, mas obviamente não trouxe coisas boas para os portugueses. E portanto há uma associação da sua governação a um mau momento, que ele não causou mas acabou por ser a pessoa a adotar as medidas radicais, de cortes e de perda de direitos, que deixou consequências. É um militante do PSD de enorme valia, nunca pode ser descartado do futuro do PSD. Mas o seu regresso depende, em primeira instância, dele, não há aqui nenhuma dimensão messiânica a dizer que ele deve aparecer rapidamente, não acho isso. Mas é um recurso muito qualificado que o partido tem, e é muito bom para o PSD contar com pessoas como o Dr. Pedro Passos Coelho.
A relação do PSD com o CDS nestes dois últimos anos também foi muito diferente, cada um por si. Os dois partidos devem reaproximar-se nas autárquicas e nas legislativas para potenciarem os resultados?
Isso deve acontecer como uma etapa do processo e não como a primeira etapa. O PSD deve afirmar-se primeiro, marcar o seu ideário, as suas propostas e ocupar o seu espaço. Mas, numa fase posterior a esta, também fazer aproximações a partidos, a independentes, a movimentos, a forças vivas que deem dimensão ao PSD. Muito dificilmente um partido sozinho terá condições para governar, o que não quer dizer que não seja possível ambicionar isso, mas num contexto mais realista a estratégia de acordos é necessária para ter condições parlamentares para governar. E o CDS é claramente o partido ao qual mais nos aproximamos, a história di-lo. Não só do ponto de vista governativo como do ponto de vista autárquico. Sou presidente de uma câmara municipal onde há 18 anos temos uma coligação bem-sucedida, um exemplo de boa convivência e de cumplicidades positivas e construtivas para que o concelho seja bem gerido. Se a aproximação deve reduzir-se ao CDS? Digo que não, há outros partidos e outras forças vivas que também devem merecer a nossa atenção.
Nomeadamente o Chega?
Porque não? Criou-se um epíteto em relação ao Chega, colou-se um rótulo de extremista e a esquerda está a tentar afastar o Chega de qualquer cenário que possa acontecer à direita portuguesa. Não vejo razões para isso, com franqueza. Não quer isto dizer que vamos fazer uma aproximação ou uma coligação com o Chega tout court. Mas acho perfeitamente possível que essas aproximações aconteçam desde que isso não signifique uma renúncia, uma abdicação do que é estruturalmente relevante para o PSD.
"Criou-se um epítodo em relação ao Chega, colou-se um rótulo de extremista e a esquerda está a tentar afastar o Chega de qualquer cenário que possa acontecer à direita portuguesa. Não vejo razões para isso, com franqueza"
O PSD já deveria ter anunciado que apoiará a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, ou entende que Rui Rio está certo ao esperar pela decisão do Presidente?
As presidenciais são eleições em que o órgão é uninominal, não há aqui lógica partidária ou colegial. É fundamental a posição do professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas também acho que era essencial que o PSD já tivesse dado sinais do que deseja e, portanto, é compatível uma coisa com a outra. O que o Dr. Rui Rio diz é verdade, a reeleição depende da vontade do Presidente da República, mas também é verdade que o espaço político de onde partiu o professor Marcelo Rebelo de Sousa é PSD, do qual foi, aliás, presidente e um distinto militante. Espero que no congresso surjam sinais do que deseja que venha a acontecer. O PSD deve mostrar de forma inequívoca que vê com bons olhos que o professor Marcelo Rebelo de Sousa reúna as condições para ser recandidato a Presidente da República.