Marcelo avança. As justificações, as garantias e o que está em jogo
Foi revelado nesta segunda-feira o menos secreto de todos os segredos políticos nacionais: Marcelo Rebelo de Sousa é recandidato a Presidente da República. Prometendo que será "exatamente o mesmo" que foi até agora.

Marcelo Rebelo de Sousa no momento em que anuncia a sua candidatura às presidenciais de janeiro de 2021
© Paulo Spranger/Global Imagens
O objetivo inicial era ser numa livraria mas as normas do estado de emergência obrigaram Marcelo Rebelo de Sousa a mudar de ideias.
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Pela primeira vez na história democrática, uma recandidatura presidencial foi anunciada numa pastelaria. No caso, a Versailles de Belém, mesmo ao lado do Palácio de Belém - e no prédio onde há cinco anos Marcelo teve a sua sede nacional de campanha.
As justificações...
Marcelo começou por justificar o que o move para nova candidatura: "Um dever de consciência." "Não vou a meio de uma caminhada exigente e penosa fugir às minhas responsabilidades, não vou trocar as adversidades e as impopularidades de amanhã pelo comodismo pessoal ou familiar de hoje", disse ainda. Ou seja: "Tal como há cinco anos, cumpro um dever de consciência."
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Como não podia deixar de ser, invocou também a pandemia. "Sou candidato à Presidência da República porque temos uma pandemia a enfrentar, porque temos uma crise económica e social a vencer, porque temos uma oportunidade única de além de vencer a crise mudar para melhor Portugal."
Justificou, por outro lado, o timing tardio do anúncio - sabendo-se que termina já no próximo dia 24 deste mês o prazo que os candidatos têm para apresentar no Tribunal Constitucional as 7500 (no mínimo) assinaturas que permitem a oficialização da candidatura.
"Quis promulgar as novas regras eleitorais antes de convocar a eleição", "quis convocar a eleição como Presidente da República antes de avançar como cidadão" e "quis tomar decisões sobre o segundo estado de emergência como Presidente da República e não como candidato", afirmou.
... as garantias...
Ao mesmo tempo - e numa comunicação sem direito a perguntas dos jornalistas - Marcelo Rebelo Sousa insistiu na ideia de que será no próximo mandato, caso reeleito, "exatamente o mesmo" que foi nos últimos cinco anos.
Como quem tenta garantir que não se comportará como os anteriores presidentes, que foram sempre no segundo mandato mais agressivos para os governos do que no primeiro mandato - Marcelo assegurou: "Quem avança para esta eleição é exatamente o mesmo que avançou há anos. Sou exatamente o mesmo."
Ou, dito de outra: "Tudo o que disse e escrevi em 2015 mantém-se por igual, como igual é o homem que o disse e o escreveu."
Será portanto de novo um Presidente da "descrispação" e do "pluralismo democrático, mas diálogo e convergência no essencial", isto é, "um Presidente independente, que não instabilize, antes estabilize, que não divida, antes una os portugueses, e que puxe sempre pelo que de melhor existe".
Mas também "exatamente o mesmo" nas suas convicções: "Sou orgulhosamente português, e por isso universalista; convictamente católico, e por isso dando primazia à dignidade da pessoa; ecuménico e contrário a um Estado confessional; assumidamente republicano, e por isso avesso a nepotismos, clientelismos e corrupções; determinadamente social-democrata, e por isso defensor da democracia e da liberdade."
Num reparo implicitamente dirigido ao candidato do Chega, André Ventura, acentuou ser um defensor de "toda a liberdade: a pessoal, a política, a económica, a social e a cultural".
Mas acrescentando que não é "da chamada democracia iliberal, que não é democrática, nem da liberdade que não é plenamente por ser vivida na pobreza, na ignorância ou na dependência".
Marcelo deu ainda como caução de si próprio o facto de os portugueses o conhecerem - e até invocando implicitamente a sua qualidade durante muitos anos de comentador político nas televisões: "Portuguesas, portugueses, a escolha é vossa: renovar a confiança em quem conheceis, semana após semana, há pelo menos 20 anos, e em especial nestes cinco anos vividos em comum, feitos não apenas de palavras, mas também de atos, ou escolher alguém diferente, com uma visão diversa daquela que vos propus e proponho para Portugal."
... e o que está em causa
Marcelo Rebelo de Sousa avança para esta recandidatura - com o processo de recolha de assinaturas já em marcha há alguns dias - com todas as sondagens indicando-o como vencedor categórico logo à primeira volta.
Contudo, se alguma vez teve o sonho de superar Mário Soares como candidato mais votado de sempre, esse sonho dificilmente se cumprirá.
Não há uma única sondagem que o coloque sequer próximo dos 70,35% (e quase 3,5 milhões de votos) com que Soares foi reeleito PR em 1991.
O desafio de Marcelo é portanto ser reeleito - de preferência com um resultado acima dos 52% com que foi eleito há cinco anos (porque todos os presidentes reforçaram a sua percentagem no momento da reeleição).
Outro objetivo importante - tal como aliás no caso de todos os candidatos - será o de minimizar ao máximo os efeitos que uma recandidatura intercalar, somados aos da situação pandémica, poderão ter na abstenção. Uma ausência massiva ao ato eleitoral fragilizará a reeleição, mesmo que Marcelo a consiga.
Marcelo, além do mais, enfrentará Ana Gomes, uma candidata socialista bem mais agressiva do que a que enfrentou há cinco anos, Maria de Belém. E que o atacará principalmente por, enquanto Presidente da República, ter caucionado o acordo chancelado pelo "seu" representante da República nos Açores que levou o PSD a conquistar a governação no arquipélago apoiado num acordo com o Chega.
Também terá de se confrontar - e é a primeira vez que isto acontece nas presidenciais - com um candidato da extrema-direita radical, André Ventura, líder e deputado único do Chega. No anúncio da recandidatura, Marcelo afirmou-se disponível para debates frente a frente com todos os candidatos.
A principal reação ao anúncio veio do CDS.
O presidente do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, solicitou a convocação de uma reunião extraordinária do órgão máximo do partido entre congressos,, o Conselho Nacional, "para que o partido tome posição sobre as próximas eleições presidenciais". A reunião será no sábado - e o mais normal é que o CDS/PP afirme aí o apoio oficial do partido a Marcelo. Isto apesar de alguns amargos de boca centristas com a coabitação tranquila desde 2016 entre o PR e o primeiro-ministro socialista António Costa.
No PS, o que se ficou a saber foi mais um nome do partido a apoiar Marcelo, no caso o do eurodeputado Pedro Marques, que comunicou a sua decisão ao país através do Twitter.