Há de tudo. Literalmente. A vedeta que promove o último disco. O cidadão anónimo que expõe os legumes do quintal. O museu que divulga a próxima exposição. O namorado que fotografa a namorada. Os gatinhos para adoção. Os cãezinhos para adoção. Muitos gatos... Muitos cães....Há de tudo no mundo do Instagram. E não faz sentido considerar que é um assunto dos "outros". Dito de outro modo: importa não nos definirmos como observadores neutros, supostamente distantes e distanciados, capazes de contemplar o fenómeno com a ligeireza do distraído ou adotando a pose do cientista que, munido de lentes poderosas, observa os animais selvagens lá ao longe. Nada disso. Podemos ser ou não ser criadores de contas no Instagram (eu sou), mas todos pertencemos a este mundo que nos ensinou uma nova lei, frágil e sedutora: quando divulgamos imagens, a nossa identidade sai reforçada. No limite mais drástico, porventura mais poético, podemos até supor que a nossa identidade só se consolida quando doamos imagens aos outros..Por vezes, convenhamos, o sistema cria laços de apoteótico absurdo. Exemplo? Aquelas contas que descobrimos sem uma única imagem publicada e que, apesar disso, possuem várias centenas de seguidores... Quem está a seguir o quê?.Não é a regra, obviamente. Mas a sua simples existência serve de sintoma de um dos mecanismos de "diálogo" com que preenchemos (ou esvaziamos) os nossos dias. Não havendo imagem, não pode haver comentários, nem sequer restam os emojis de corações, flores ou mãozinhas a bater palmas... E, no entanto, nem que seja por efeito da mais rudimentar curiosidade humana, vamos lá, vemos, investigamos um pouco, saltitamos para outro domínio, voltamos atrás, afastamo-nos de novo, enfim, tornamo-nos agentes e matéria dessa coisa mágica que é um link, percalço anónimo e indetetável capaz de dar razão ao discurso "ecuménico" do Sr. Mark Zuckerberg - por alguma razão, em 2012, ele gastou mil milhões de dólares para integrar o Instagram no império do Facebook..Num tempo de proliferação de muitas formas de populismo, não poucas vezes apoiadas em mecanismos de exposição e circulação de imagens, o Instagram parece funcionar como um derradeiro reduto no qual (e através do qual) ainda podemos deparar com uma frágil noção de povo. Isso mesmo: povo. A palavra não perdeu o fascínio linguístico nem sequer a sedução histórica e a vocação mitológica, mas é um facto que o seu papel na cena política está mais enfraquecido do que nunca: por vezes, basta mesmo que um político evoque (ou invoque) o "povo" com alguma insistência para começarmos a duvidar da boa-fé dos seus propósitos..Particularmente sedutor nos labirintos do Instagram é o modo como alguns fotógrafos, acidentais ou profissionais, nos dão a ver lugares, pessoas e instantes do quotidiano - do seu quotidiano vivido que, através de uma relação virtual, se transfigura no nosso quotidiano imaginado. Há um misto de intimidade e distanciamento que encontro, por exemplo, nas propostas de Eduardo Brito, meu amigo de Guimarães, trabalhador da escrita, fotografia e cinema (de quem reproduzo aqui uma imagem), ou noutras contas que sigo, como as de Daniel Blaufuks, Vítor Belanciano, Daniel Carrapa ou Francisco Toscano Silva. Ou ainda, já agora, Patti Smith, senhora que cruza serenidade e inquietação com contagiante rigor, mesmo quando se limita a fotografar as páginas do seu livrinho de apontamentos..Tudo o que há no Instagram não faz o mundo todo. Ainda assim, quando publico mais uma fotografia da minha gata, além de esperar não ofender a sua glamorosa privacidade, quero acreditar que, do outro lado, o visitante, conhecido ou desconhecido, não procura o sentido mágico de uma qualquer "mensagem". A magia, se existe, decorre tão-só da sensação, frágil mas incontornável, de que algo de indizível pode acontecer na circulação de uma imagem, desenhando um circuito imaterial de comunicação, talvez com o outro lado do mundo. Talvez seja isso que mais gosto nas alternativas que o Instagram nos oferece: o pudor.