Porque a história do Teatro Nacional São João (TNSJ) é uma narrativa de amor, as comemorações do centenário arrancam com a peça Castro, uma das obras pioneiras da tragédia clássica em Portugal, que conta a história de Pedro e Inês. A jura de amor que ditou a tragédia Castro também está na origem da existência do teatro.."Afinal, o TNSJ não foi erguido pelo Estado. Foi erguido duas vezes pela população do Porto, pelas suas elites, pelas suas associações e pelo amor das pessoas ao teatro. Após o incêndio de 1908, foram emitidas 20 mil ações, adquiridas por centenas de portuenses. Alguns, que pertenciam à alta burguesia, compraram 20 ações e houve quem adquirisse apenas uma ação a prestações. A cidade mobilizou-se para que o São João fosse reconstruído depois de uma tragédia. Aliás, o primeiro São João foi também reerguido desta maneira. Há, efetivamente, uma ligação afetiva muito forte entre a cidade e o TNSJ", explicou ao DN Pedro Sobrado, presidente do conselho de administração do TNJS..No decorrer do levantamento e pesquisa documental para a exposição do centenário, muitas curiosidades foram descobertas. No período do Estado Novo, por exemplo, eram alugadas gravatas à porta do teatro, pois era proibido entrar nas salas sem esse adereço. Nesse período e até 1992, não era a arte do palco que ocupava os serões. O espaço funcionou como cinema e denominava-se São João Cine. Por lá passaram filmes emblemáticos como Tempos Modernos, de Charles Chaplin, Nasceu Uma Estrela, de William A. Wellman, ou O Monte dos Vendavais, de William Wyler..Foi em 1992 que o TNSJ voltou a renascer das cinzas, quando o Estado avançou com a aquisição do edifício para "instalar um projeto moderno de teatro nacional para um Portugal democrático" e que Pedro Sobrado classifica como momento-chave. "O edifício, que estava num estado de decadência, pertencia a muita gente. Progressivamente, as ações foram-se concentrando num homem chamado Eduardo Honório de Lima, o bisavô dos irmãos Eduardo e Jorge Nuno Pinto da Costa [presidente do FC Porto]. Foi ele quem converteu o teatro em São João Cine, funcionando como cinema durante 60 anos, mas acolhendo alguma atividade teatral. Em 1992, os irmãos Pinto da Costa vendem o edifício ao Estado e começa a parte mais bonita desta história de amor", contou..Desde então, o TNSJ passou a ser um teatro nacional, "dotado de bases orgânicas e administrativas próprias e de uma personalidade artística própria", com uma "cultura de autoexigência técnica e artística". Adquiriu uma nova dimensão patrimonial com três casas: o TNSJ, o Teatro Carlos Alberto (TeCA) e o Mosteiro de São Bento da Vitória. O TeCA é a base do centro educativo da entidade, com oficinas e atividades com escolas e onde se apresentam espetáculos e projetos de companhias da cidade. O centro educativo expande-se para fora do Porto, abrangendo escolas de toda a região norte. Um abrir de portas nacionais, a fonte da essência de um teatro que é "de todos"..Em ano de centenário, o TNSJ vai entrar mais uma vez numa nova era. O edifício vai ser sujeito a obras de reabilitação e a uma renovação da parte técnica. O teatro vai estar, por isso, fechado seis meses (entre o fim de março e outubro do próximo ano), período no qual se fará "a aposta no futuro". "O TNSJ não está num estado de falência estrutural, mas após três décadas de operação ininterrupta tornou-se urgente uma intervenção dupla: modernizar o parque tecnológico que está desatualizado e obras de requalificação dos espaços", explicou Pedro Sobrado. As intervenções, diz, "permitirão, pelo menos, mais 30 anos de atividade ininterrupta, num teatro de elite, mas para todos". A operação envolve um investimento de 2,3 milhões de euros, dos quais 1,5 milhões serão dedicados às obras de remodelação do teatro, cofinanciadas em 85% por fundos comunitários..Contudo, antes que se feche a cortina e se dê lugar ao silêncio, as salas de espetáculos estarão em ebulição. Hoje, o teatro que nasceu de uma história de amor arranca as suas comemorações com Turismo Infinito, um dos espetáculos mais importantes de Ricardo Pais, "o pai fundador" do projeto artístico do TNSJ, a partir de textos de Fernando Pessoa, com João Reis no elenco. Além de criações nacionais e no seguimento da celebração do centenário, TNSJ vai acolher várias produções internacionais, numa festa para a qual o teatro convida todos os portuenses. Todas as atividades de hoje, o dia de aniversário, têm entrada gratuita..Sem esquecer o passado, mas de olhos postos no futuro, o TNSJ regressa renovado com "consistência e ousadia", em 2021. No retorno contará já com um elenco quase residente, composto por seis atores, responsáveis por um projeto editorial ousado, em que vai ser ampliado em várias frentes, marcando presença em vários espaços um pouco por todo o país..A cronologia de um século.1798 O então príncipe D. João, futuro rei D. João VI, deu nome ao novo espaço de cultura da cidade, denominado por Real Teatro São João, que dedicou grande parte da sua programação aos espetáculos de ópera..1908 Na noite de 11 para 12 de abril de 1908, um incêndio destruiu o teatro. As chamas consumiram quase todo o espaço, deixando apenas as paredes..1912 Dá-se o arranque da reconstrução do novo teatro. As obras sofreram contratempos e atrasos provocados pela Revolução Republicana, pela I Guerra Mundial, por epidemias, dificuldades nas importações e problemas burocráticos..1920 O Teatro São João - renomeado Teatro Nacional São João após a compra pelo Estado (em 1992) - é inaugurado a 7 de março de 1920..1932-1992 Funcionou como cinema, mudando o nome para São João Cine. Aí estrearam-se filmes emblemáticos como Frankenstein, de James Whale, King Kong, de Merian C. Cooper, Tempos Modernos, de Charles Chaplin, O Monte dos Vendavais, de William Wyler, entre outros..1992 O edifício é comprado pelo Estado - por determinação do então secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes - e é inaugurado como o nome que hoje mantém: Teatro Nacional São João (TNSJ). Propriedade de várias famílias de elite da cidade, os grandes detentores do edifício eram os irmãos Pinto da Costa..1995 Após obras de requalificação, reabre portas. Ricardo Pais assume o cargo de diretor artístico. Sob a sua direção, o TNSJ assume um projeto com personalidade artística própria, investindo na articulação de coproduções com companhias, primeiro regionais e mais tarde nacionais, acolhendo criadores internacionais em produções próprias..2020 Assinala-se o centenário, com uma vasta programação. Encerrará as portas entre 31 de março e outubro de 2021 para obras de reabilitação do edifício e renovação do parque técnico..Destaques das comemorações.Em entrevista ao DN, Pedro Sobrado sublinha os grandes momentos da comemoração do centenário. "Não posso deixar de destacar o lançamento do 1.º volume dos Cadernos do Centenário. No "Elogio do espectador" estão reunidos uma centena de textos sobre cem espetáculos que fazem parte da história do TNSJ. Depoimentos escritos por cem pessoas, desde figuras de renome a espetadores habituais", explicou..O responsável evidenciou também a peça KastroKriola (que conta a história de amor de Pedro e Inês) falada em crioulo cabo-verdiano. "É um projeto internacional, uma crioulização da peça original, num projeto dirigido por Nuno Cardoso, que contará com oito atores cabo-verdianos", disse. A peça vai ser apresentada em Vila Nova de Gaia e seguirá para Cabo verde, em julho deste ano. Das escolhas dos muitos momentos marcantes do centenário faz também parte a exposição dos 100 anos do TNSJ, que revisitará a história, mostrando documentos e objetos de décadas como a de 1920. "A exposição tem como objetivo restaurar a nossa própria memória, cuja história favoreceu a pulverização de documentos e materiais", concluiu Pedro Sobrado.
Porque a história do Teatro Nacional São João (TNSJ) é uma narrativa de amor, as comemorações do centenário arrancam com a peça Castro, uma das obras pioneiras da tragédia clássica em Portugal, que conta a história de Pedro e Inês. A jura de amor que ditou a tragédia Castro também está na origem da existência do teatro.."Afinal, o TNSJ não foi erguido pelo Estado. Foi erguido duas vezes pela população do Porto, pelas suas elites, pelas suas associações e pelo amor das pessoas ao teatro. Após o incêndio de 1908, foram emitidas 20 mil ações, adquiridas por centenas de portuenses. Alguns, que pertenciam à alta burguesia, compraram 20 ações e houve quem adquirisse apenas uma ação a prestações. A cidade mobilizou-se para que o São João fosse reconstruído depois de uma tragédia. Aliás, o primeiro São João foi também reerguido desta maneira. Há, efetivamente, uma ligação afetiva muito forte entre a cidade e o TNSJ", explicou ao DN Pedro Sobrado, presidente do conselho de administração do TNJS..No decorrer do levantamento e pesquisa documental para a exposição do centenário, muitas curiosidades foram descobertas. No período do Estado Novo, por exemplo, eram alugadas gravatas à porta do teatro, pois era proibido entrar nas salas sem esse adereço. Nesse período e até 1992, não era a arte do palco que ocupava os serões. O espaço funcionou como cinema e denominava-se São João Cine. Por lá passaram filmes emblemáticos como Tempos Modernos, de Charles Chaplin, Nasceu Uma Estrela, de William A. Wellman, ou O Monte dos Vendavais, de William Wyler..Foi em 1992 que o TNSJ voltou a renascer das cinzas, quando o Estado avançou com a aquisição do edifício para "instalar um projeto moderno de teatro nacional para um Portugal democrático" e que Pedro Sobrado classifica como momento-chave. "O edifício, que estava num estado de decadência, pertencia a muita gente. Progressivamente, as ações foram-se concentrando num homem chamado Eduardo Honório de Lima, o bisavô dos irmãos Eduardo e Jorge Nuno Pinto da Costa [presidente do FC Porto]. Foi ele quem converteu o teatro em São João Cine, funcionando como cinema durante 60 anos, mas acolhendo alguma atividade teatral. Em 1992, os irmãos Pinto da Costa vendem o edifício ao Estado e começa a parte mais bonita desta história de amor", contou..Desde então, o TNSJ passou a ser um teatro nacional, "dotado de bases orgânicas e administrativas próprias e de uma personalidade artística própria", com uma "cultura de autoexigência técnica e artística". Adquiriu uma nova dimensão patrimonial com três casas: o TNSJ, o Teatro Carlos Alberto (TeCA) e o Mosteiro de São Bento da Vitória. O TeCA é a base do centro educativo da entidade, com oficinas e atividades com escolas e onde se apresentam espetáculos e projetos de companhias da cidade. O centro educativo expande-se para fora do Porto, abrangendo escolas de toda a região norte. Um abrir de portas nacionais, a fonte da essência de um teatro que é "de todos"..Em ano de centenário, o TNSJ vai entrar mais uma vez numa nova era. O edifício vai ser sujeito a obras de reabilitação e a uma renovação da parte técnica. O teatro vai estar, por isso, fechado seis meses (entre o fim de março e outubro do próximo ano), período no qual se fará "a aposta no futuro". "O TNSJ não está num estado de falência estrutural, mas após três décadas de operação ininterrupta tornou-se urgente uma intervenção dupla: modernizar o parque tecnológico que está desatualizado e obras de requalificação dos espaços", explicou Pedro Sobrado. As intervenções, diz, "permitirão, pelo menos, mais 30 anos de atividade ininterrupta, num teatro de elite, mas para todos". A operação envolve um investimento de 2,3 milhões de euros, dos quais 1,5 milhões serão dedicados às obras de remodelação do teatro, cofinanciadas em 85% por fundos comunitários..Contudo, antes que se feche a cortina e se dê lugar ao silêncio, as salas de espetáculos estarão em ebulição. Hoje, o teatro que nasceu de uma história de amor arranca as suas comemorações com Turismo Infinito, um dos espetáculos mais importantes de Ricardo Pais, "o pai fundador" do projeto artístico do TNSJ, a partir de textos de Fernando Pessoa, com João Reis no elenco. Além de criações nacionais e no seguimento da celebração do centenário, TNSJ vai acolher várias produções internacionais, numa festa para a qual o teatro convida todos os portuenses. Todas as atividades de hoje, o dia de aniversário, têm entrada gratuita..Sem esquecer o passado, mas de olhos postos no futuro, o TNSJ regressa renovado com "consistência e ousadia", em 2021. No retorno contará já com um elenco quase residente, composto por seis atores, responsáveis por um projeto editorial ousado, em que vai ser ampliado em várias frentes, marcando presença em vários espaços um pouco por todo o país..A cronologia de um século.1798 O então príncipe D. João, futuro rei D. João VI, deu nome ao novo espaço de cultura da cidade, denominado por Real Teatro São João, que dedicou grande parte da sua programação aos espetáculos de ópera..1908 Na noite de 11 para 12 de abril de 1908, um incêndio destruiu o teatro. As chamas consumiram quase todo o espaço, deixando apenas as paredes..1912 Dá-se o arranque da reconstrução do novo teatro. As obras sofreram contratempos e atrasos provocados pela Revolução Republicana, pela I Guerra Mundial, por epidemias, dificuldades nas importações e problemas burocráticos..1920 O Teatro São João - renomeado Teatro Nacional São João após a compra pelo Estado (em 1992) - é inaugurado a 7 de março de 1920..1932-1992 Funcionou como cinema, mudando o nome para São João Cine. Aí estrearam-se filmes emblemáticos como Frankenstein, de James Whale, King Kong, de Merian C. Cooper, Tempos Modernos, de Charles Chaplin, O Monte dos Vendavais, de William Wyler, entre outros..1992 O edifício é comprado pelo Estado - por determinação do então secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes - e é inaugurado como o nome que hoje mantém: Teatro Nacional São João (TNSJ). Propriedade de várias famílias de elite da cidade, os grandes detentores do edifício eram os irmãos Pinto da Costa..1995 Após obras de requalificação, reabre portas. Ricardo Pais assume o cargo de diretor artístico. Sob a sua direção, o TNSJ assume um projeto com personalidade artística própria, investindo na articulação de coproduções com companhias, primeiro regionais e mais tarde nacionais, acolhendo criadores internacionais em produções próprias..2020 Assinala-se o centenário, com uma vasta programação. Encerrará as portas entre 31 de março e outubro de 2021 para obras de reabilitação do edifício e renovação do parque técnico..Destaques das comemorações.Em entrevista ao DN, Pedro Sobrado sublinha os grandes momentos da comemoração do centenário. "Não posso deixar de destacar o lançamento do 1.º volume dos Cadernos do Centenário. No "Elogio do espectador" estão reunidos uma centena de textos sobre cem espetáculos que fazem parte da história do TNSJ. Depoimentos escritos por cem pessoas, desde figuras de renome a espetadores habituais", explicou..O responsável evidenciou também a peça KastroKriola (que conta a história de amor de Pedro e Inês) falada em crioulo cabo-verdiano. "É um projeto internacional, uma crioulização da peça original, num projeto dirigido por Nuno Cardoso, que contará com oito atores cabo-verdianos", disse. A peça vai ser apresentada em Vila Nova de Gaia e seguirá para Cabo verde, em julho deste ano. Das escolhas dos muitos momentos marcantes do centenário faz também parte a exposição dos 100 anos do TNSJ, que revisitará a história, mostrando documentos e objetos de décadas como a de 1920. "A exposição tem como objetivo restaurar a nossa própria memória, cuja história favoreceu a pulverização de documentos e materiais", concluiu Pedro Sobrado.