"O PCP manterá a sua coerência." E por isso voltará a votar contra as propostas do PSD e do CDS que ligam o pagamento do tempo de carreira congelado aos professores (nove anos, quatro meses e dois dias) a princípios de sustentabilidade orçamental resultantes, nomeadamente, de compromissos europeus..Dito de outra forma: com esta decisão, o PCP junta-se ao PS e ao BE, que também já tinham votado contra estas propostas do PSD e do CDS na especialidade (e que no dia 10 voltarão ao plenário, por imposição dos proponentes)..Ora, sendo estas normas de sustentabilidade chumbadas no plenário, PSD e CDS - como já tinham dito após a ameaça de demissão do primeiro-ministro - irão votar contra o decreto na votação final global, juntando-se assim ao voto contra do PS..O decreto vai ser chumbado. E o primeiro-ministro deixará assim de ter pretexto para cumprir a ameaça de se demitir. A crise política - tudo o aponta agora - está esvaziada..No comunicado ontem à noite emitido pelos comunistas, lê-se que "as propostas apresentadas por PSD e CDS significariam fixar um prazo de, no mínimo, 50 anos para a concretização da contagem integral do tempo de serviço, fazendo-a ainda depender das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento - que a impediriam - e, mais grave do que isso, abririam a porta à destruição da carreira estabelecendo na lei a revisão do Estatuto da Carreira Docente, objetivo há muito prosseguido por anteriores governos, nomeadamente pelo governo de maioria absoluta do PS com os resultados que são conhecidos"..Portanto, "o PCP manterá a sua coerência e prosseguirá a luta para que sejam adotadas soluções que correspondam à plena concretização dos direitos de todos os trabalhadores, não apenas em matéria de direito à progressão na carreira mas também de aumento geral dos salários, de combate à precariedade e à desregulação dos horários de trabalho, entre outros"..Antes deste anúncio, o puzzle revelava-se complicado e tudo dependia do PCP, do PEV e do PAN..Fator de confusão tinha sido durante o dia o apelo do líder da Fenprof, Mário Nogueira, dirigido ao PCP e ao BE, para que se abstivessem face às normas do PSD e do CDS propondo a tal sustentabilidade orçamental subordinada à UE da contagem integral do tempo congelado aos professores. Essa abstenção permitiria a aprovação das ditas normas, o que por sua vez dava pretexto ao PSD e ao CDS para votarem a favor do novo decreto na votação final e global (que será no dia 10)..PS, PCP e BE já tinham chumbado essas normas na famosa reunião de quinta-feira passada da comissão de Educação. Mas o que agora se prevê é que os proponentes - PSD e CDS - as levem ao plenário. Face aos apelos de Mário Nogueira, o Bloco foi rápido a dizer que não: manteria o sentido de voto (contra). O PS também (porque vota contra tudo o que sejam alterações ao decreto original). E faltava saber a decisão do PCP face ao apelo de Nogueira (militante do PCP, note-se). A decisão foi de manter o sentido de voto contra - mas o comunicado do partido salvaguarda a posição da Fenprof: "Compreendendo preocupações manifestadas face à mudança de posição de PSD e CDS relativamente ao texto aprovado na comissão, o PCP reafirma que ponderou devidamente todas as votações.".Antes do anúncio do PCP de que também manterá o seu sentido de voto (contra, como os do PS e do BE), o "combate" estava renhido. Se o PCP se abstivesse, as normas de sustentabilidade orçamental propostas pelo PSD e pelo CDS tinham 107 votos a favor e 105 contra (PS+BE). Tudo ficaria portanto dependente do sentido de voto do PCP (15 deputados), do PEV (dois) e do PAN (um)..Anunciando agora os comunistas que também vão votar contra, a relação passa para 107 a favor e 120 contra (PS+BE+PCP). As normas serão chumbadas. E o sentido de voto do PEV e do PAN torna-se irrelevante. Sendo essas normas chumbadas, PSD e CDS deverão fazer o que prometeram: votar contra o decreto na votação final e global, juntando-se assim ao voto contra desde o início anunciado pelo PS..Antes do comunicado dos comunistas, o primeiro-ministro tinha reafirmado, entrevistado na TVI, que se demitiria caso o novo decreto dos professores fosse aprovado em votação final e global.."Se se confirmar [a aprovação do decreto dos professores], o governo não terá outro remédio" senão demitir-se, disse. "Espero que a AR não aprove na votação final global o que foi aprovado na comissão", insistiu. Até lá, aguardaria "serenamente" - mas reafirmando que compromissos legislativos no sentido de pagar aos professores tudo o que não lhes foi pago "põe em causa a sustentabilidade" orçamental e "comprometem a governabilidade" (atual e futura).."Irresponsabilidades desta natureza têm imediata repercussão na dívida pública. Não podemos brincar aqui", afirmou. E portanto a condição que impõe é simples: "O que desejo é que não haja qualquer alteração ao decreto que o governo aprovou.".Na entrevista, Costa acaba a proteger a geringonça, dizendo que o BE, o PCP e o PEV não surpreenderam com a posição que assumiram. Quem surpreendeu foi o PSD e o CDS, que votaram o que antes não tinham aceitado..Costa disse ainda que, com a ameaça de demissão do governo, "quis evitar um problema", ou seja, "evitar uma crise orçamental". "O que não é possível é manter esta incerteza. O que não é possível é dizer que esta decisão não tem custos, porque tem.".O dia começou com a líder do CDS, Assunção Cristas, a admitir que a semana lhe havia corrido mal. "Ai, certamente", afirmou, em entrevista à Rádio Renascença..Questionada pelo jornalista sobre uma semana em que o candidato centrista às europeias, Nuno Melo, defendeu que o partido espanhol Vox não era de extrema-direita, em que militantes do CDS em Lisboa defenderam a pintura de passadeiras arco-íris e, por fim, em que deputados centristas acordaram com PSD, BE, PCP e PEV a contagem integral do tempo dos professores, Assunção Cristas resumiu a semana horribilis a um problema de comunicação.."Há muito trabalho a fazer para aprender a comunicar", disse. Para logo contra-atacar: "Só tenho uma ponta de inveja do Partido Socialista porque, de facto, tem uma máquina de propaganda e de comunicação imensa. [Os socialistas] conseguem transformar uma mentira e absoluta mentira numa verdade de que toda a gente acaba por ficar convencida.".Cristas disse que, na questão dos professores, não houve recuo do CDS. "A nossa posição foi sempre a mesma, nunca mudou no último ano e meio. Nós sempre dissemos isso aos professores", isto é, sem a salvaguarda financeira, o CDS votaria "contra a lei que permite a recuperação total do tempo de serviço dos professores"..Essa salvaguarda, justificou-se, "ficou clara na votação, não ficou clara no nosso discurso". E a aplicação da salvaguarda de crescimento económico joga-se "a cada ano orçamental". Neste ponto, Assunção Cristas defendeu que, para se garantir crescimento económico, "é preciso uma baixa de impostos". "O nosso programa eleitoral vai pôr todo o foco aí.".Apesar da fotografia que junta deputados de PSD, BE, CDS e PCP, Cristas era taxativa: "Nunca estivemos ao lado das esquerdas, isto é muito importante, nós nunca estivemos ao lado das esquerdas em reposições sem calendário e sem compromissos claros.".A líder do CDS admitiu apenas um "consenso" com as esquerdas "em relação ao princípio de igualdade" dos professores com a restante função pública. Mas insistiu numa certeza que não estava expressa no resultado das votações de quinta-feira: "Sem salvaguarda nada feito", atirou. "Nunca houve nem haverá um calendário definitivo" para a reposição dos "nove anos, quatro meses e dois dias" que os professores reivindicam..A crise política, tudo o aponta, acabará no dia 10, com o novo decreto da contagem de tempo dos professores a ser chumbado no plenário, em votação final e global, pela conjugação dos votos do PS+PSD+CDS..Mas ficará marcada por ter surgido e ter sido extinta sem que se tenha ouvido uma palavra pública do Presidente da República mais falador desde que há presidentes eleitos. Marcelo Rebelo de Sousa, que regressou na quinta-feira a Portugal vindo da China e desde então se manteve sem agenda pública, partiu ontem à noite para Itália (uma reunião da Cotec), regressando hoje à noite. Na visão de Marcelo, este sempre foi um problema entre o governo e o Parlamento - daí o seu silêncio..Sendo chumbado o novo decreto, fica em vigor o decreto original - decreto feito pelo governo e por este reafirmado, mesmo depois de um veto presidencial. Aos professores vão ser pagos dois anos, nove meses e 18 dias do tempo que lhes foi congelado.