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07 JAN 2020
06 janeiro 2020 às 22h47

Jovem assassinado praticava karaté e foi morto com duas facadas nas costas

O jovem morto num assalto no Campo Grande, em Lisboa, praticava karaté e terá reagido. Os suspeitos já foram detidos. As associações de estudantes queixam-se de insegurança na zona da Cidade Universitária. Pedem mais iluminação. E mais polícia.

Pedro Fonseca tinha 24 anos e licenciara-se em Engenharia Informática, na Faculdade de Ciências. Precisamente no Campo Grande, onde viria a encontrar a morte numa noite da última semana do ano. Esta terça-feira os suspeitos do seu homicídio serão presentes a tribunal.

Esta é uma história de azares e de atitudes impensadas com consequências trágicas. Foi junto à faculdade que Pedro marcou encontro com os amigos. Não jantou no McDonald's, mas com os pais, em casa, e apanhou um autocarro para ir ter com os amigos, aos bares da zona universitária. Já era noite, mais ou menos 23:00. E foi no percurso entre a paragem de autocarro e os bares que foi atacado por três assaltantes.

Pedro praticava karaté - o que, naquele momento, o terá feito reagir. E um dos assaltantes deu-lhe duas facadas, uma no pescoço e outra na zona dos pulmões. A PJ, em comunicado, diz que "a vítima foi atingida com dois golpes de uma arma branca de elevadas dimensões transportada pelos autores, e veio a falecer no local".

Os amigos, ao verificaram que Pedro não aparecia, contactaram a família, que reside na zona de Carnide - onde foi o funeral do jovem, no último dia de 2019. O pai, um inspetor reformado da PJ, soube horas depois que tinha havido um homicídio no Campo Grande, e acabou por juntar todas as peças.

Fonte da PJ diz que estão a investigar como tudo se terá passado, mas que foi impossível aos suspeitos negar a autoria do crime dada "a matéria probatória". Essas provas foram fundamentalmente os testemunhos de pessoas que estiveram naquela noite na área, e entre eles, um estudante que tinha sido assaltado pelo mesmo grupo duas horas antes.

Todas as pessoas descreveram três jovens, e as suas roupas. Mais tarde foram detetados pelas câmaras de videovigilância que existem na zona, e com essa informação a PJ acabou por chegar ao local de residência dos suspeitos, na zona de Sintra. Com o auto de detenção, e revistadas as casas, encontraram algumas das roupas, bem como a arma branca que vitimou o jovem.

Foi apreendida, ainda, "uma quantidade de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, superior a 50 doses individuais", descreve a PJ.

Os três suspeitos têm 16, 17 e 20 anos de idade. E estavam, segundo a polícia, "fortemente indiciados pela prática, em coautoria, de crimes de homicídio qualificado e de roubo". Independentemente de quem deu as facadas, serão todos responsabilizados pelo crime. Até porque acabaram por não levar qualquer bem pertencente à vítima, no assalto. Os suspeitos têm mais de 16 anos e, segundo o Código Penal, são considerados responsáveis pelo crime que cometeram, mas é "uma responsabilidade criminal mitigada", uma vez que os três não atingiram os 21 anos. Significa que têm atenuantes e estão sujeitos a medidas especiais, por exemplo, têm de ser acompanhados por um advogado em todos os atos processuais

Este é um crime que está a ser investigado pela Polícia Judiciária, através da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo, com a colaboração de outras forças policiais, nomeadamente a PSP.

"No fundo, foi um assalto frustrado e estamos convencidos de que alguma coisa correu mal. Não sabemos todas as circunstâncias em que ocorreu o homicídio, o que sabemos é que o rapaz foi atacado de forma letal", explica uma fonte da PJ.

Vítimas conhecem agressores

No Campo Grande, o homicídio ocorreu na sequência de um assalto, o que é raro acontecer em Portugal. Em 2018 foram cometidos 117 homicídios e na grande maioria das situações a vítima conhecia o agressor. "É uma situação que nos choca a todos, uma coisa é um crime contra a propriedade, outra é um crime contra a propriedade que termina numa morte. A grande maioria dos homicídios têm que ver com relações interpessoais, alguns acontecem no contexto familiar, outros em desavenças, ajustes de contas, por vingança", sublinha um responsável da PJ.

"Normalmente, um assalto não visa a morte, mas não deixa de ser uma situação de perigo. Um indivíduo que vai assaltar vai disposto a tudo; se leva uma arma é para a utilizar", começa por dizer o ex-inspetor Teixeira, com mais de 35 anos de investigação na PJ, e que conta poucos destes casos. Acrescenta que o perigo aumenta quando os assaltantes são jovens: "Os jovens são mais perigosos porque alguém mais velho é mais experiente, tem discernimento para abandonar a presa, se vir que não está a resultar, e procurar outra. Alguém mais novo, mais facilmente se precipita, mais facilmente reage." Os suspeitos da morte de Pedro Fonseca têm 16, 17 e 20 anos.

A Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio (consumado ou tentado), da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, acompanhou 20 familiares de vítimas mortais e em apenas três situações (15%) o agressor era desconhecido.

"Regra geral, os homicídios são praticados por pessoas conhecidas, há uma situação prévia à ocorrência do crime. O crime do Campo Grande é uma situação atípica e, aparentemente, por razões patrimoniais. Em geral, este crime é praticado no âmbito da violência doméstica, ajuste de contas, etc, Começa por um desentendimento e acaba num homicídio. Tivemos uma ou outra situação que começou numa disputa patrimonial, mas é raro. Estamos a falar de uma situação em que as emoções estão à flor da pele e basta a precipitação de um dos membros mais violentos para levar a este desfecho", explica Carla Ferreira, técnica da APAV e da Rede.

Um dos factos tornados públicos depois da morte de Pedro Fonseca é o de que a área universitária é uma zona de assaltos. Nuno Carocha, porta-voz da PSP, reconhece essa situação, embora não considere a zona particularmente violenta.

"Tínhamos conhecimento de que pontualmente existiam ilícitos criminais, que nos iam sendo reportados pelos cidadãos e que estão a ser investigados. Não era um local com picos de criminalidade nem havia um bando que atuasse na zona. Segundo o que as pessoas reportaram, não havia um bando residente. Assaltos que acabam em homicídio é raro, é um tipo de violência a que o país felizmente não está habituado", explica o intendente.

Nuno Carocha argumenta que houve reforço de vigilância na zona, tal como é feita em outras zonas da cidade, que existe o programa Universidade Segura, referindo que isso é comprovado por testemunhos dos estudantes.

Mas os estudantes dizem ter medo desde há muito tempo. Nesta segunda-feira, as associações de estudantes da Universidade de Lisboa, onde está integrada a Faculdade de Ciências e praticamente todas as escolas superiores do campus do Campo Grande e da Universidade de Lisboa, emitiram um comunicado a pedir mais polícia e mais iluminação.

Eliezer Coutinho, presidente da Associação da Faculdade de Ciências, reconhece o esforço dos agentes mas diz que são poucos os operacionais e que sentem insegurança, sobretudo à noite. Uma situação que é praticamente preocupante nesta altura do ano letivo, uma vez que é época de exames e há salas de estudo abertas durante toda a noite. Uma delas situa-se, precisamente, por cima do McDonald's do Campo Grande, no Caleidoscópio.

"Tem fraco policiamento e algumas zonas, consideradas mais perigosas, não têm praticamente iluminação. As zonas mais críticas são as do Caleidoscópio, por detrás da Faculdade de Direito e até à Faculdade de Farmácia", critica o dirigente universitário, salientando que nestes últimos dias têm visto mais polícias.

Câmara pediu mais polícia nas universidades

O campus universitário está inserido na freguesia de Alvalade, à qual os jovens enviaram o comunicado, bem como à Câmara Municipal de Lisboa e outras entidades. Denunciam: "São cada vez mais frequentes os relatos de estudantes que presenciam, nas imediações das faculdades de Ciências, Direito, Farmácia, Medicina, Letras, Medicina Dentária, Psicologia, Instituto de Educação e Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, casos de prostituição, assédio, assaltos armados, furtos a carros ou tráfico de droga. Os campi da Ajuda e da Alameda não estão também isentos de problemas, sendo vários os relatos de atividade criminosa nas suas imediações."

Entendem que devem ser tomadas duas medidas de imediato: um maior investimento no policiamento, sendo "fundamental a alocação de mais agentes" para a área, e um grande investimento na iluminação.

A assessoria do vereador João Paulo Saraiva, que tem a seu cargo a iluminação das ruas de Lisboa, disse ao DN que a Câmara de Lisboa está "disponível para procurar com as diversas entidades soluções para melhorar as condições de segurança da cidade". Salienta que, em dezembro, aprovaram uma deliberação a pedir ao Ministério da Administração Interna o reforço do policiamento junto aos estabelecimentos de ensino superior, priorizando os parques de estacionamento.

Os autarcas decidiram, ainda, pedir informações sobre o programa Universidade Segura, implementado em 2017. Uma avaliação que poderá decidir pela existência de videovigilância nos estacionamentos junto às faculdades.