Três semanas no mar para apanhar Wood, sete homens e uma tonelada de cocaína

Operação "Areia Branca", dirigida pela PJ, teve a colaboração da Marinha e da Força Aérea. Os ministros da Justiça e da Defesa foram à Base Naval do Alfeite elogiar polícias e militares. Sete brasileiros foram detidos em pleno oceano.
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A trama é hollywoodesca e tem todos os ingredientes para um filme de ação. São duas da manhã de 22 de maio, uma embarcação de pesca navega em pleno Oceano Atlântico, ao largo de Cabo Verde, a 4000 km de Lisboa. Está escuro como breu quando as duas lanchas de fuzileiros portugueses se aproximam do Wood, que ostenta pavilhão brasileiro. Lá dentro estão sete homens, pescadores muito pobres, e mais de uma tonelada de cocaína com destino à Europa.

Quando os militares saltaram para dentro do barco, os homens, com idades entre os 36 e os 64 anos, não ofereceram resistência. Nem teriam hipótese perante a força de elite da Marinha Portuguesa. Vinham com a roupa do corpo, alimentos para a viagem e a tonelada de droga. Enquanto a ação decorria, a cerca de 20 milhas do local, o patrulhão Setúbal aguardava com a guarnição a bordo - 40 homens e quatro mulheres. Depois aproximou-se do Wood. Os detidos e uma amostra da droga foram levados para bordo. Só esta segunda-feira chegaram à Base Naval do Alfeite, em Almada.

A convicção dos investigadores é que os homens se preparavam para fazer o transbordo dos 1102 Kg de cocaína para outro barco, ainda no oceano. Acabaram por deparar-se com o navio da Marinha Portuguesa que, nesta missão, também contou com a cooperação da Força Aérea na patrulha do mar a partir dos céus.

Ministros da Justiça e da Defesa vão ao Alfeite dar os parabéns pela operação

Tratou-se de uma operação "de grande envergadura" dirigida pela Polícia Judiciária (PJ), com a participação da Marinha e da Força Aérea. A cooperação entre as forças policiais e militares nesta operação em águas internacionais foi tão bem sucedida que os ministros da Justiça e da Defesa, Francisca Van Dunem e João Gomes Cravinho, respetivamente, foram esta terça-feira à Base Naval do Alfeite dar os parabéns à guarnição do patrulhão oceânico Setúbal - um navio que foi lançado ao mar a 28 de dezembro do ano passado, teve a sua primeira missão a 7 de março e agora, dois meses depois, participou na operação "Areia Branca".

Uma missão que os ministros fizeram questão de classificar de complexa: o patrulhão saiu de Almada no dia 14 de maio e só esta segunda-feira, 3 de junho, regressou à base, trazendo consigo a traineira onde vinha escondida a droga, os sete homens detidos e a cocaína apreendida. As más condições do barco brasileiro terão impedido um regresso mais rápido.

O estado da embarcação, contou o comandante naval Gouveia Melo, foi mesmo uma das maiores dificuldades da operação. "Mas tivemos que garantir que a prova chegava a Lisboa."

Embora tratando-se de um barco em más condições - tinha apenas bússola e GPS e não dispunha de radar - os seus ocupantes, todos pescadores, fizeram-se ao mar para uma travessia atlântica, correndo todos os riscos que daí poderiam advir. Quando foram intercetados pelas Forças Armadas já andariam há 12 dias no mar.

A pobreza extrema poderá justificar o facto de terem sido tão temerários. Partiram do Brasil, de Fortaleza, a região mais a nordeste do país e também a mais próxima da Europa - o país está inundado de droga proveniente da América Latina, nomeadamente da Colômbia.

Os pescadores foram contratados por uma rede internacional, que reúne indivíduos de várias nacionalidades, e representam a última linha da organização, de acordo com fontes ligadas à investigação. Vinham com a roupa do corpo e alguns adoeceram e tiveram de ser apoiados pela Marinha. Provavelmente, acreditam as autoridades, esta não terá sido a primeira vez que foram contratados.

Emblemas da Louis Vuitton e do Real Madrid

Os sete homens navegavam numa embarcação precária com seis beliches (alguns sem lençóis), cozinha, despensa e casa de banho. Traziam comida numa arca frigorífica. Esta terça-feira ainda estava tudo intacto dentro do barco, embora fossem visíveis aslgumas marcas de desordem. Até um saco de alhos e cebolas continuava pendurado.

A droga vinha acondicionada no porão do barco num "compartimento de difícil acesso especialmente criado para o efeito", segundo a Polícia Judiciária. Apresentava-se dentro de 50 sacos de serapilheira, com desenhos de açaí. Os pacotes de droga - que as autoridades expuseram na base do Alfeite - apresentam imagens curiosas, como o monograma da marca de luxo Louis Vuitton e do Real Madrid.

Há bastante tempo que a operação estava a ser preparada e a investigação continua - por isso, os responsáveis da Polícia Judiciária poucos pormenores quiseram adiantar. Luís Neves, diretor nacional da PJ, preferiu enaltecer a cooperação institucional com as Forças Armadas e os benefícios que daí podem advir para o combate ao narcotráfico, mas também a outros crimes que lhe possam estar associados, como a corrupção, branqueamento de capitais, rapto e homicídio. O comandante naval, o vice-almirante Gouveia Melo, acrescentaria a estes crimes o terrorismo.

Certo é que a PJ, através da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, está a colaborar estreitamente com a Polícia Federal do Brasil - foi, aliás, a troca de informações com esta polícia que desencadeou a investigação. Neste processo, tem também o apoio do MAOC-N, da Drugs Enforcement Administration dos Estados Unidos e da National Crime Agency do Reino Unido.

Na deslocação à Base Naval do Alfeite, Luís Neves destacou que a operação "Areia Branca" é um daqueles casos em que fica claro que Portugal "assume as suas responsabilidades no combate ao crime organizado e apresenta resposta do ponto de vista do policiamento". Mais: "Portugal está na primeira linha do combate ao narcotráfico e antecipa outras condutas violentas que colocam em causa o Estado de direito democrático."

O agradecimento da PJ às Forças Armadas

O diretor nacional da PJ fez ainda questão de sublinhar que a operação "só foi possível graças ao saber, prontidão e coragem dos militares. E agradeceu o "apoio inexcedível das Forças Armadas".

Esta apreensão de mais de uma tonelada de cocaína - não sendo a maior realizada até agora - foi apresentada como uma operação intersetorial do Estado português. Por isso, os ministros que tutelam as instituições envolvidas fizeram questão de se deslocar ao Alfeite para dar conta disso e do empenho das autoridades nacionais no combate ao tráfico de droga.

João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, dirigiu-se à guarnição do Setúbal dizendo-lhes que esta missão lhes "augura um futuro brilhante" e permite determinar o quão importante é continuar a trabalhar em colaboração com a Judiciária. Uma articulação que, disse, tendo em conta a posição geoestratégica e política de Portugal, poderá ir mais longe.

Também a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, referiu a posição geográfica do nosso país e o facto das rotas da droga estarem a sofrer alterações, com transações feitas no alto mar.

O filme não termina aqui. Os sete homens brasileiros, que foram presentes ao juiz de instrução criminal, ficaram em prisão preventiva.

Ancorada no Alfeite permanece a traineira branca, verde e vermelha, que ostenta o seguinte lema: "O nosso crescimento vem de Deus."

* com Valentina Marcelino

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