Pouco mais de três meses. É quanto os especialistas internacionais estimam que tenhamos de esperar até que uma vacina contra o vírus de Wuhan esteja pronta para ser testada em humanos. Mas os testes deverão demorar outros tantos meses para garantir que a vacina será eficaz e totalmente segura. Só assim poderá ser aprovada pela Organização Mundial da Saúde e, posteriormente, pelas entidades nacionais de saúde. Isso significa que dificilmente teremos uma vacina disponível ainda este ano..Se acontecer assim, já será um recorde. "Geralmente, os cientistas demoram entre um ano e um ano meio até terem a vacina pronta para os testes", explica ao DN o infecciologista Jaime Nina. "Neste caso é provável que o processo seja mais rápido porque este vírus é muito semelhante à SARS e como houve um grande desenvolvimento da vacina da SARS, que estava pronta a entrar em testes, os cientistas já não precisam começar tudo de novo, já têm algum trabalho feito.".A vacina contra a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) levou 20 meses a ser desenvolvida até ficar pronta para testes, o que acabou por não acontecer porque entretanto não foi necessário. "Também pode acontecer, tal como aconteceu com a SARS, que o surto seja controlado com os métodos de quarentena e isolamento", diz o especialista do Hospital Egas Moniz..Nessa altura, o interesse dos laboratórios pela vacina esmorece. Até que aparece um novo vírus..Vários laboratórios na corrida à vacina.Quando se trata de doenças infecciosas, como esta, as vacinas são as armas mais fortes que as autoridades de saúde possuem. Ser vacinado protege antes de mais as pessoas contra a infeção e, depois, impede que os vírus se espalhem..Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) coordena um esforço global, supervisionando ou acompanhando o trabalho de vários laboratórios, nomeadamente os que estão a ser financiados pela CEPI - Coligação para a Inovação da Preparação de Epidemias, uma organização que foi criada em 2017, em Davos, e que junta financiamento de uma série de entidades públicas e privadas muito distintas que vão do Fórum Económico Mundial à Fundação Bill & Melinda Gates, passando pela Comissão Europeia e alguns governos. A nível científico, a CEPI tem conselheiros que pertencem à OMS, ao reputado Instituto Pasteur, a outros institutos, universidades e empresas farmacêuticas..Até agora, a CEPI está a apoiar cinco projetos que investigam plataformas antivirus, ou seja, plataformas que usam uma mesma base mas que, introduzindo diferentes sequências genéticas, se tornam eficazes contra diferentes agentes patogénicos: da Inovio Pharmaceuticals (EUA); da Universidade de Queensland (Austrália); da Moderna Therapeutics (EUA); do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (EUA); e da CureVac (Alemanha)..Nesta semana foi anunciada também uma parceria da CEPI com a farmacêutica britânica GlaxoSmithKline (GSK), que vai contribuir com a sua tecnologia de produção de substâncias auxiliares, que potenciam a resposta imunitária do organismo e tornam as vacinas mais eficazes. Além disso, o uso destas substâncias em pandemias é especialmente útil pois elas permitem reduzir a carga antigénica inoculada em cada paciente e multiplicar, assim, as doses disponíveis..A CEPI gostaria de ter uma vacina pronta num prazo de seis a oito meses. "É um calendário extremamente ambicioso e não tem precedentes no campo do desenvolvimento de uma vacina. É importante lembrar que, se conseguirmos - e não existem garantias que o consigamos -, teremos de enfrentar novos desafios antes de a vacina estar disponível em grande escala", advertiu o diretor-geral da CEPI, Richard Hatchett..Entretanto, outros laboratórios anunciaram que também estão a investigar uma vacina contra o vírus de Wuhan. Há alguns dias, a China anunciou uma parceria entre o Hospital Oriental de Xangai (dependente da Universidade Tongji) e a companhia de biotecnologia Stemirna Therapeutics, da mesma cidade. O diretor executivo desta empresa, Li Hangwen, assegurou que não vão precisar de mais de 40 dias para fabricar as amostras da vacina, que serão depois enviadas para testes e facilitadas aos centros médicos "o mais cedo possível", mas não avançou uma data para a sua chegada ao mercado..Por sua vez, a farmacêutica americana Johnson & Johnson (J&J) também começou a desenvolver uma vacina, embora os prazos oferecidos pelo chefe da sua equipa científica, Paul Stoffels, sejam bastante menos otimistas do que os de Li, já que precisou que até que o produto possa estar acessível no mercado poderá passar um ano..Como funciona a vacina?.O que tradicionalmente as vacinas fazem, basicamente, é dar um curso intensivo ao sistema imunitário para que ele aprenda a reconhecer os vírus e a defender-se deles. Fazem-no estimulando as células imunológicas com uma amostra do que elas devem reconhecer - em alguns casos, as vacinas contêm bactérias ou vírus mortos ou comprometidos que não são capazes de causar doenças mas ainda acionam alarmes nas células imunológicas. Quando o corpo identifica esses micróbios ele produz anticorpos que ficam no organismo como sentinelas para reconhecer futuras invasões desses mesmos micróbios..Mas as vacinas mais recentes (nos últimos 20 anos) já educam o sistema imunitário expondo as células imunológicas não aos micróbios mas apenas a componentes do seu material genético. Desta forma, é como se o corpo produzisse a sua própria vacina. "Usamos as células do próprio paciente para que se tornem uma fábrica de anticorpos, fortalecendo os mecanismos de resposta naturais do organismo", explicou à BBC Kate Broderick, da farmacêutica Inovio..No caso deste novo coronavírus, o vírus foi isolado logo a 31 de dezembro e pouco depois, a 10 de janeiro, o sua sequenciação genética já tinha sido tornada pública, permitindo assim que a investigação avançasse rapidamente, em qualquer parte do mundo, sem necessidade de ter uma amostra do vírus. O genoma do vírus de Wuhan é semelhante em 82% ao da SARS, o que facilita muito o trabalho dos cientistas..As vacinas que estão a ser desenvolvidas usam como agente ativo o ADN ou o ARN mensageiro (mRNA) - que são as moléculas de ácido ribonucleico que (pondo as coisas de uma maneira simples) usam a informação genética fornecida pelo ADN para sintetizar as proteínas..Ambos os métodos são facilmente adaptáveis quando um novo vírus aparece. Por exemplo, a empresa Inovio Pharmaceuticals, que trabalha a partir do ADN, já está a investigar desde 2018 uma vacina contra a MERS (síndrome respiratória do Médio Oriente) e também investiga vacinas para o Zika, Ébola, VIH e outras doenças. Além disso, a Inovio, tal como a Moderna Therapeutics e a CureVac (que usam o mRNA), também estão na linha da frente da investigação do tratamento genético do cancro..Stephen Hoge, diretor da Moderna, explicou à revista Time que "o mRNA é realmente como uma molécula de software em biologia". "Portanto, a nossa vacina é como o programa de software para um corpo, que assim vai produzir as proteínas [virais] que podem gerar uma reposta"..Quanto tempo demora a produzir uma vacina?.O problema é que as vacinas levam tempo a ser desenvolvidas. Os métodos tradicionais, embora extremamente eficazes no controlo de doenças altamente contagiosas, exigem o cultivo de grandes quantidades de vírus ou bactérias, o que leva meses. Uma vez que a tecnologia genética não envolve a utilização de vírus, vivos ou mortos, ele pode ser mais rápido. O ciclo de produção das vacinas tradicionais pode estender-se cinco a seis meses, enquanto as vacinas baseadas em mRNA ou ADN têm um ciclo de desenvolvimento e produção mais curto.."Logo que a China forneceu a sequência de ADN do vírus, conseguimos que a nossa tecnologia fabricasse uma vacina em três horas", garantiu a vice-presidente da Inovio Kate Broderick. "Esperamos colocar o produto final em testes em humanos no início do verão."."Não deverá ser difícil criar uma vacina contra este coronavírus", explicou ao The Guardian Peter Toez, professor na Universidade de Baylor, no Texas, que esteve envolvido na investigação da vacina do SARS. "Já sabemos muito sobre este vírus e o seu funcionamento. Neste momento, há quatro ou cinco técnicas diferentes que estão a ser exploradas pelos cientistas para produzir uma vacina." O problema vem a seguir..Neste caso, o que demora mais tempo é mesmo o período de testes. Depois da vacina pronta, segue-se a fase de testes toxicológicos com animais, o que leva entre três e seis meses, e só depois, se tudo correr bem, se passa para os humanos, que terão de ser voluntários. Os testes em seres humanos demorarão pelo menos três meses, explicou Kate Broderick, da Inovio. Esta é uma fase crucial do processo e não pode ser apressada. "As vacinas que usam componentes genéticos e não vírus atenuados são muito mais seguras mas poderão não ser tão eficazes", avisa Jaime Nina. É preciso ter a certeza de que a vacina é segura e eficaz para avançar para a produção em grande escala..Todo este processo além de longo é muito caro, por isso, ou existe investimento público ou, como acontece muitas vezes, os laboratórios privados acabam por não levar o processo até ao fim. As questões em torno dos custos, dos direitos sobre a vacina e da distribuição dos lucros é geralmente um ponto complicado (Jaime Nina recorda o que, tristemente, aconteceu com a vacina do Ébola, cuja investigação se atrasou devido à falta de interesse dos laboratórios privados)..Depois de tudo isso, pode haver um esforço para acelerar os processos burocráticos de aprovação de uma vacina, se se tratar de uma epidemia e se esta for de facto a única forma de proteger as populações. Mas também será necessário que as farmacêuticas consigam produzir suficientes doses para proteger toda a população que esteve exposta ao vírus - o que significa escolher quais as pessoas que vão ser vacinadas primeiro. Nessa altura, avisam os especialistas, poderá já ser demasiado tarde..É por esse motivo que alguns especialistas defendem que se deveria criar uma vacina universal para os vários coronavírus - uma vacina de largo espectro que pudesse funcionar contra os vários vírus desta família, incluindo aqueles que ainda não conhecemos.."A SARS foi um alerta há quase 20 anos. Melhorámos a implementação de regulamentos globais de saúde, de monitorização e deteção dos vírus, sem dúvida. Mas mesmo assim é difícil antecipar um novo agente patogénico", diz Peter Toez. "A única coisa que poderíamos ter feito era estar mais conscientes dos riscos dos coronavírus. Este é o terceiro surto a surgir no século XXI." E conclui: "Há uma mensagem aqui. Temos de dar mais atenção aos coronavírus do que à gripe. O que é trágico é que, depois de a SARS estar controlada, desapareceu o interesse de um investidor por uma vacina. Se a comunidade mundial de saúde tivesse insistido, produzido e armazenado uma vacina, talvez já tivéssemos alguma vacina pronta neste momento."