Billie Eilish admite que nunca comprou um disco. Tem 17 anos e o seu mundo é digital. O seu habitat são as redes sociais. A sua música é extremamente confessional, aquele tipo de música que uma adolescente produz na solidão do seu quarto. Mas que depois coloca online e se espalha pelo mundo inteiro. O seu sucesso é, afinal, bem real. Em março, ela tornou-se a primeira artista nascida no século XXI a chegar ao número 1 da tabela da Billboard. Em maio, a revista americana especializada em música Rolling Stone nomeou-a Adolescente do Ano. Na semana passada, ganhou três prémios da MTV na cerimónia dos VMA - Video Music Awards..Nesta quarta-feira está em Lisboa para um concerto esgotado há meses na Altice Arena - o concerto tinha sido inicialmente marcado para o Coliseu de Lisboa mas os bilhetes venderam-se tão rapidamente que a promotora Everyhting Is New se viu obrigada a mudá-lo para uma sala maior..A porta-voz dos adolescentes.Billie Eilish nasceu em dezembro de 2001. "Ela é tão geração Z que faz que as pessoas de vinte e tal anos se sintam velhas", escreveu o jornalista Josh Eells na revista Rolling Stone, em julho passado, depois de a entrevistar enquanto ela, como qualquer adolescente, fingia que arrumava o quarto na casa onde mora em Highland Park, um bairro de Los Angeles, nos Estados Unidos, com a mãe, o pai, o gato Misha e o cão Pepper (o irmão de Eilish, Finneas, saiu de casa há alguns meses)..Com os seus mais de 36 milhões de seguidores no Instagram, ela é um dos ícones da geração Z, ou seja, aqueles adolescentes que nasceram já no século XXI, que cresceram em plena recessão económica, com a ameaça terrorista e a sentir na pele os efeitos das alterações climáticas. Intérprete de voz suave e melancólica, que toca piano e ukelele, Billie Eilish é a porta-voz destes jovens, como escreveu em fevereiro deste ano o jornal britânico The Guardian, que publicou uma entrevista com o título: "Billie Eilish: a ícone pop que define a angústia adolescente do século XXI.".A sua música é muito mais negra do que a da maioria dos teenagers que fazem música - e por isso ela é às vezes comparada a Lorde, com os seus temas de tom confessional. Mas o seu estilo é muito diferente. Visualmente mistura um pouco de gótico e de grunge com um toque de punk e uma tendência claramente desportiva, musicalmente está claramente na pop, que tanto pode ser indie e quase adulta como absolutamente teenager, com alguns temas salpicados de techno e outros mais emo ou com um pouco de gangsta rap. Confusos? Como ela mesma diz, na canção Bad Guy: "I'm the bad type, make-your-mama-sad type. . . might-seduce-your-dad type." ("Eu sou do tipo mau, do tipo que deixa a tua mãe triste mas do tipo que pode seduzir o teu pai"). A sua música fala dos medos e das inseguranças habituais nesta idade e os videoclipes têm um tom quase gore, com sangue e aranhas e outras coisas que parecem saídos de pesadelos. Dos pesadelos dela..Numa entrevista recente ao El Pais, o realizador Jim Jarmusch dizia: "Billie Eilish é uma autêntica estrela pop. As suas letras são impressionantes, tocam-me como os artistas da minha geração não conseguem.".Tudo em família.A carreira de Billie Eilish é (até agora) um negócio familiar. Apesar do sucesso, a artista tem conseguido controlar todo o processo de criação da sua música e também a sua comercialização. O irmão mais velho, o músico e ator Finneas O'Connell, de 22 anos, partilha com ela, desde sempre, a composição e a produção, num estúdio montado no quarto, de todas as canções..Os pais gerem a sua carreira e na primeira digressão eram eles que faziam tudo - conduzir a carrinha, tratar das luzes, produzir os espetáculos. Ainda hoje, apesar de esta já ser uma digressão profissional, com uma equipa de quase 40 pessoas, eles acompanham a filha, asseguram o seu bem-estar e apoiam a equipa - tarefa pela qual ganham um ordenado, que lhes garante que não ficam falidos durante os meses da digressão, que começou em abril nos EUA e só vai terminar em novembro. Este ambiente familiar também faz a diferença noutros aspetos da vida desta estrela pop - Billie Eilish não bebe, não fuma, não usa drogas. E no tempo em que está fora de casa queixa-se que tem saudades das conversas com os amigos..Em pequena, ela soube como era viver com dificuldades financeiras. O pai e a mãe eram ambos atores de teatro e educaram os filhos em casa incentivando-os, desde muito cedo, a ser criativos. Aos 8 anos, enquanto estudava em casa, Eilish começou a cantar - influenciada por artistas tão diferentes quanto os Beatles e os Green Day, Avril Lavigne, Justin Bieber, Childish Gambino, Tyler the Creator ou Lana del Rey. Cantou com o coro infantil de Los Angeles, teve aulas de dança e aprendeu a tocar piano e ukelele. Compôs as primeiras canções aos 11 anos, em parceria com o irmão, e começou a publicá-las no SoundCloud, uma plataforma de música em streamming..Billie Eilish tinha apenas 13 anos quando, em 2015, mostrou ao mundo o tema Ocean Eyes. Era apenas uma canção feita a meias com o irmão para mostrar à professora de dança e criar uma coreografia. Mas acabou por se tornar viral e atingir os dois milhões de reproduções. Ela decidiu então criar um canal de YouTube para publicar o seu primeiro videoclipe. Claro que nessa altura, a indústria já tinha reparado nela - aos 14 anos assinou o primeiro contrato com uma editora..Don't Smile at Me foi o primeiro EP, a que se seguiu uma digressão nos Estados Unidos. Acompanhou Florence and the Machine nos concertos de 2018 e lançou Lovely, um tema em parceria com Khalid, que acabou por integrar a banda sonora da série Por Treze Razões, na Netflix..A música foi o escape perfeito para ela que, para além de todos os dramas que vivem os adolescentes, enfrentava também uma depressão - aconteceu depois de aos 13 anos ter uma lesão que a impediu de continuar as aulas de dança, algo que ela levava muito a sério. Também tinha dificuldade em aceitar o seu corpo - e foi por isso que começou a usar roupas muito largas. As letras das canções refletem bem essa fase: "Quando as pessoas pensam na Billie Eilish aos 14 anos falam de todas as coisas boas que me aconteceram nessa altura. Mas eu só consigo lembrar-me de como me sentia miserável", explicou a cantora à Rolling Stone. "Dos 13 aos 16 anos foi um período muito duro.".Já os 17 têm sido "o melhor ano" da sua vida. O seu primeiro e único disco, When We all Fall Asleep, Where Do We Go?, editado em março com selo da Darkroom e da Interscope Records, trouxe-lhe a fama mundial. Nessa semana, ela conseguiu colocar 14 temas no Top 100 das mais ouvidas. Em apenas dois meses foram vendidos mais de dois milhões de cópias físicas. O tema Bad Guy conseguiu quase 400 milhões de visualizações no YouTube e 700 milhões de reproduções no Spotify. Justin Bieber (de quem Eilish era fã desde a infância e que agora é fã dela) fez um remistura do tema, tornando-o ainda mais popular..Billie Eilish tem o síndrome de Tourette, perturbação neurológica que no seu caso se revela em alguns tiques motores. Nas redes sociais, mostra-se tal como é, sem maquilhagem, sem tentar disfarçar (pelo contrário, quase mostrando-se orgulhosa) dos seus defeitos. Nas fotos, raramente sorri e não faz poses sensuais. Não se trata de desleixo. Ela tem plena consciência da sua imagem e sabe exatamente o tipo de rapariga que não quer ser. E a verdade é que há tantos adolescentes por esse mundo fora que se identificam com esta imperfeição e que rejeitam a pressão da aparente perfeição do Instagram..Muitos consideram que é esta autenticidade - na imagem e na música - que marca a diferença para os outros ídolos teen do momento. Mas também é verdade que isto ainda é só o começo. As marcas já perceberam o seu potencial e, aos poucos, Eilish tem vindo a associar-se a algumas campanhas (por exemplo Calvin Klein, Apple, Bershka). Billie tirou a carta de condução há pouco tempo e ganhou carro de prenda da editora, um Dodge Challenger com que sonhava desde pequena. Também gostava de ter um cavalo. Em dezembro vai fazer 18 anos. Que o sucesso não lhe tolde a criatividade e a determinação é tudo que podemos desejar.. Concerto de Billie Eilish Altice Arena, Lisboa 4 de setembro, 20.00 (portas abrem às 18.30) Esgotado