O que joga cada candidato nestas presidenciais

A correr por conta própria, Ana Gomes "não tem nada a perder". BE e PCP "vão a votos" nas candidaturas de Marisa Matias e João Ferreira. André Ventura é "uma incógnita". A análise de dois cientistas políticos.
Publicado a
Atualizado a

Uma repetente, um ilustre desconhecido, dirigentes partidários, uma socialista a correr em pista própria. O que ganham ou perdem os candidatos que avançam contra Marcelo Rebelo de Sousa nestas eleições, com um Presidente recandidato - a que a história dá, sem exceções, a reeleição - e com uma grande popularidade, e sob a sombra de uma abstenção que habitualmente já é alta e neste ano está ainda sob a pressão da pandemia? O que move e o que joga cada um dos challengers presidenciais na noite de 24 de janeiro?

"Há três tipos de situação entre os candidatos que desafiam Marcelo", diz António Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa: "Há as candidaturas de manutenção, a do Bloco de Esquerda e a do PCP, em que se trata de aproveitar o espaço eleitoral para fixar o eleitorado bloquista e comunista." Neste quadro, Marisa Matias tem o "desafio mais importante, porque uma parte do eleitorado do BE tem alguma carga de identificação com Ana Gomes. Aliás, tem havido muito pouca demarcação entre as duas candidaturas".

À direita, André Ventura tenta a "consolidação do Chega no espaço partidário e eleitoral português", numa "estratégia para o crescimento do partido". E depois há Ana Gomes, deste ponto de vista a "maior incógnita" do quadro de candidaturas às presidenciais.

Comecemos então pela candidata socialista, que não conta com o apoio do PS, embora várias figuras do partido já lhe tenham expressado apoio. "Corre por conta própria, não tem rigorosamente nada a perder", diz António Costa Pinto, acrescentando que no cenário de um bom resultado Ana Gomes se vai confrontar com o clássico desafio das candidaturas independentes: "O que é que eu faço com estes votos?"

Uma boa prestação eleitoral de Ana Gomes "reforça a sua figura no panorama político português", mas o investigador do ICS não vê que possa ser muito mais do que isso: "Até agora tem sido sempre muito difícil transpor votos de candidaturas pessoalizadas para movimentos ou partidos políticos... E Ana Gomes não tem espaço para o fazer." O docente de Ciências Políticas também não acredita que o resultado da antiga diplomata e militante socialista, qualquer que seja, tenha impacto no PS: "São questões totalmente estanques. A candidatura de Ana Gomes não será responsável por qualquer divisão aguda entre os socialistas".

Paula do Espírito Santo, investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, vê na candidatura de Ana Gomes "um projeto pessoal, de continuidade de uma vida política muito marcada pelo ativismo, de luta por causas difíceis" e "muitas vezes contra a corrente em relação aos poderes mais instituídos". As presidenciais são mais um sinal disso mesmo: "Julgo que ela acaba por valorizar mais o percurso em si, o caminho, afirmar-se num terreno em que a causa não está ganha - muito longe disso -, mas onde acaba por deixar a sua marca. Julgo que é sobretudo uma causa pessoal, de intervenção na vida pública."

Marisa Matias parte para estas eleições sob o peso da inevitável comparação com os 10% que alcançou há cinco anos - o melhor resultado de sempre de um candidato do Bloco de Esquerda nas presidenciais -, mas António Costa Pinto não vê que mesmo um mau resultado possa beliscar a posição da eurodeputada. "Marisa Matias está a emprestar aquilo que foi a sua campanha das últimas presidenciais ao Bloco de Esquerda, que não é um partido assim tão individualizado." Ou seja, o resultado da candidata a 24 de janeiro próximo será de assacar mais ao partido que à candidata.

Com o PCP a lógica é semelhante: dificilmente o percurso político de João Ferreira, nome muitas vezes apontado à sucessão de Jerónimo de Sousa na liderança do partido, sairá condicionado do resultado das presidenciais, mesmo no cenário de um desaire. "Não podemos estabelecer essa correlação", diz ao DN o investigador do ICS, até porque estas eleições têm uma importância secundária para o partido: o "verdadeiro desafio eleitoral do PCP está nas autárquicas".

Para Paula do Espírito Santo trata-se de duas candidaturas que respondem "muito mais a uma estratégia partidária do que a uma estratégia pessoal", e por essa razão com um desfecho mais imputável ao partido do que ao candidato em si. No caso de Marisa Matias, a investigadora do ISCSP defende que esta candidatura tem por objetivo "tentar medir o pulso à forma como o eleitorado do Bloco de Esquerda se posiciona neste momento". E, pouco mais de um mês depois do chumbo dos bloquistas ao Orçamento do Estado, um cenário que nunca se tinha verificado desde 2015, admite que este fator possa pesar no voto e penalizar o resultado de Marisa Matias. "O eleitorado do Bloco de Esquerda é muito volátil, é um eleitorado suscetível à conjuntura económica e política", e acresce a isso que, nestas presidenciais, e ao que indicam as sondagens, o BE "tem eleitores que votam Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa", o que transforma estas eleições num desafio difícil. No caso do comunista João Ferreira, Paula do Espírito Santo não antecipa grandes surpresas nos resultados, nem grandes consequências para o também eurodeputado: "É um candidato de continuidade num eleitorado que não é volátil."

Quanto a André Ventura, a investigadora considera que "é dos candidatos que têm mais a provar" na medida em que "há uma grande expectativa para se perceber qual é o resultado e o espaço político que o Chega alcança". "Supõe-se que haja um crescimento, percebe-se que há um espaço político que está a crescer, mas há uma grande incógnita sobre que crescimento pode ser esse", pelo que estas eleições são "um teste importante para medir o peso político" do partido. Lembrando o resultado das últimas legislativas (1,29%), Paula do Espírito Santo refere que Ventura terá sempre espaço para reclamar vitória, mas acrescenta que o próprio deputado "pôs a fasquia extremamente elevada, e se não conseguir atingir esse patamar [ficar à frente de Ana Gomes] será uma derrota". Duvida é que isso tenha grandes consequências naquele espaço político, marcado por um "eleitorado descontente, que se sente enganado pelo sistema político" e que pouco crédito dá a outras leituras que não a do próprio partido.

António Costa Pinto considera que André Ventura "só tem a ganhar com estas eleições", até porque não é crível que não venha a melhorar o único resultado eleitoral do partido, em outubro de 2019, que deu ao líder do Chega um lugar na Assembleia da República. É certo que a mesma lógica já não é válida por comparação com as sondagens, mas o politólogo sublinha que em qualquer circunstância Ventura está a "ganhar espaço à direita", "espaço de afirmação". E se ficar atrás de Ana Gomes, situação em que o próprio disse que se demitiria da liderança do Chega (e entretanto já desdisse)? "Não sei se o eleitorado liga muito a isso, tenho muitas dúvidas."

Quanto a Tiago Mayan, que protagoniza a candidatura da Iniciativa Liberal, António Costa Pinto diz que também esta é uma candidatura de manutenção do eleitorado, neste caso com a opção de não candidatar o líder do partido, mas uma segunda figura com pouca notoriedade. "Há, simbolicamente, um marcar de espaço político", diz Paula do Espírito Santo.

E há ainda Vitorino Silva, mais conhecido como Tino de Rans, um outsider que há cinco anos recolheu 152 094 votos, uma percentagem de 3,28% que fez dele o mais votado dos candidatos fora da esfera do sistema partidário. "Há sempre microespaços para este tipo de candidatos", lembra António Costa Pinto, sublinhando que este tipo de candidaturas não tem depois tradução na vida política, "não se faz nada com estes votos".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt