Ninguém abre o jogo no Bloco de Esquerda (BE), mas os sinais vão no sentido de uma viabilização, na generalidade, da proposta do governo para o Orçamento do Estado deste ano (OE 2020). A Mesa do BE - órgão máximo entre convenções - reúne-se hoje e, ao fim da tarde, Catarina Martins deverá anunciar a decisão sobre o sentido de voto dos bloquistas na primeira votação do OE, na próxima sexta-feira..Ontem, nas páginas de opinião do jornal Público, o líder parlamentar dos bloquistas, Pedro Filipe Soares, concluía um artigo muito crítico em relação à proposta governamental - "um Orçamento que não é carne nem peixe, que tanto pode ser de direita ou de esquerda, [que] falha certamente nas escolhas essenciais porque falha desde logo na sua própria coerência" -, deixando a porta aberta para, pelo menos, uma abstenção na votação na generalidade: "É preciso pousar a máquina do calculismo partidário para passar a discutir as soluções [de] que o país precisa, sem fantasmas de maiorias absolutas falhadas ou orgulhos feridos. As pessoas assim o exigem."."Possibilidades de o melhorar".Há dias, a deputada Mariana Mortágua já tinha dado sinais no mesmo sentido, dizendo que, hoje, a Mesa do BE irá "avaliar este documento para definir o seu voto na generalidade" - e isso numa análise que teria "em conta, por um lado, as insuficiências que o documento neste momento deixa claro aos olhos de todos, mas também as reais possibilidades de o melhorar"..Ora, as "reais possibilidades de o melhorar" só ocorrerão se a proposta não morrer já na votação da próxima sexta-feira. Para que sobreviva é preciso que passe na generalidade e uma abstenção do Bloco de Esquerda será por si só suficiente para que isso aconteça, mesmo que todas as outras forças votem contra (com a exceção óbvia dos 108 deputados do PS). Tudo indica, aliás, que os quatros deputados do PAN também votarão a favor - o que faz que na prática só faltem quatro deputados para o OE 2020 ser aprovado na generalidade com maioria absoluta (116 dos 230 deputados)..Parlamento indissolúvel até abril.Uma eventual abstenção do Bloco de Esquerda tornará mais fácil ao PCP alinhar pelo mesmo caminho. O cenário ideal para o PS seria uma aprovação como no tempo da falecida geringonça: toda a esquerda a votar a favor. Mas num cenário de mal menor, os socialistas não torcerão o nariz a um OE 2020 viabilizado pela esquerda - mas pela abstenção (em vez de voto a favor). O PCP, aliás, pode ser também tentado a, regressando à condição de partido de protesto, votar contra - afirmando-se assim como o único partido de esquerda verdadeiramente de oposição ao PS..Ao mesmo tempo, há um fator estritamente político a merecer ponderação: no caso de uma crise política por via do chumbo do OE 2020, o país não poderá partir de imediato para eleições antecipadas. A Constituição proíbe a dissolução do Parlamento nos seus primeiros seis meses de mandato - e esse prazo só terminará a 6 de abril. Isto significa que eleições antecipadas só poderiam realizar-se lá para junho. Até lá o país viveria, mês a mês, com os valores do Orçamento de 2019 divididos em duodécimos - e as pensões, por exemplo, não poderiam ser aumentadas..No governo e no PS assume-se que BE, PCP e PEV são partidos privilegiados para a negociação - sublinhando a cores vivas uma grande disponibilidade para negociar. Ontem, o primeiro-ministro reuniu-se com delegações do BE e do PCP chefiadas pelos líderes dos dois partidos, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Antes, porém, António Costa fez questão de libertar a informação de que seria a terceira reunião deste género sobre o OE 2020 com os líderes do Bloco e do PCP..Uma fonte governamental salientou ao DN que o OE 2020 já contém sinais de que o governo está disponível para conversar com os antigos parceiros da geringonça. Um desses sinais foi a carta que o governo enviou à Comissão Europeia perguntando se pode escalonar o IVA da eletricidade consoante os consumos (baixando para quem consome menos e mantendo igual para quem consome mais, de acordo com os escalões das potências contratadas)..Falando à Lusa, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, sinalizaria a tal vontade governamental de ter o OE 2020 aprovado na generalidade para depois poder negociá-lo na discussão artigo a artigo. "Têm sido conversas contínuas. É natural que algumas propostas não estejam na sua formulação final, mas quisemos sinalizar que pode haver aprofundamento na especialidade", sustentou Duarte Cordeiro..O governo também salienta que outro passo dado para aproximar posições com o BE e o PCP se revelou na questão das pensões. "No próprio dia da entrega da proposta de Orçamento na Assembleia da República, o governo retirou do texto do documento a expressão contributiva", contou à Lusa uma fonte governamental..Isto porque - acrescentou a mesma fonte -, na versão anterior, referia-se um aumento das pensões contributivas em 2020. "Ao retirar-se essa palavra, abre-se a possibilidade de os aumentos abrangerem um número muito superior de pensões. Isto significa que as reuniões com os parceiros de esquerda têm produzido resultados em concreto.".Dirigentes socialistas ouvidos pelo DN antecipam que o principal caminho possível, dentro das folgas orçamentais, para uma aproximação com o BE e o PCP deverá ser percorrido na questão do aumento das pensões - das pensões dos mais pobres, note-se, aumento apresentado num contexto de combate à pobreza sobretudo entre os mais velhos..Das reuniões de ontem de António Costa com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa não saiu uma informação que fosse. A agenda parlamentar, entretanto, acelera: na segunda-feira, Mário Centeno estará na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças a explicar o Orçamento do Estado. O mesmo fará, a seguir, a ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho. As primeiras discussões no plenário decorrerão na quinta e na sexta-feira, discussões que vão terminar com a votação na generalidade..Na próxima terça-feira, Rui Rio - que irá a votos dentro do PSD no sábado a seguir à votação na generalidade - anunciará o voto do seu partido. Haverá disciplina de voto, mas não é claro se essa disciplina de voto abrangerá os três deputados do PSD eleitos pela Madeira. Por decisão governamental, a ilha vai ter um novo hospital - fator importante na ponderação. A decisão pertence ao líder regional, Miguel Albuquerque..Sinais.Na proposta do Orçamento do Estado para 2020, o governo incluiu propostas que quer que sejam vistas pelo BE e pelo PCP como "sinais" para a continuação do diálogo durante o debate na especialidade..CSI acima do limiar da pobreza "No próximo ano, inicia-se uma nova trajetória de reforço do CSI, através de um aumento progressivo do valor de referência para um valor acima do limiar da pobreza. Em 2020, a convergência do valor de referência do CSI com o limiar de pobreza será de um quarto, com o objetivo de fazer equivaler os dois montantes, até ao final da legislatura, em 2023. Estima-se que esta medida reforce as transferências para os pensionistas mais pobres em mais 14 milhões de euros durante o próximo ano, promovendo, em simultâneo, a Estratégia para o Envelhecimento Ativo e Saudável. Em 2020, o governo avalia as regras de atribuição do CSI, designadamente a não consideração, até ao segundo escalão, dos rendimentos dos filhos na avaliação de recursos do requerente.".Aumento real das pensões "Em 2020, o mecanismo de atualização regular das pensões irá permitir aumentos até seis IAS, e as pensões mais baixas, no primeiro escalão (até dois IAS), irão beneficiar de um aumento real em três anos consecutivos (2018 a 2020). Esta atualização, com efeitos logo a partir de janeiro de 2020, vai tornar possível o aumento real do poder de compra à generalidade dos pensionistas.".Valorizar o trabalho por turnos "Durante o ano de 2020, o governo iniciará um estudo sobre o impacto do trabalho por turnos em Portugal, prevendo as dimensões da segurança e da saúde no trabalho, da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, bem como da formação das carreiras contributivas destes trabalhadores.".Menos IVA na eletricidade "Em sede de IVA, procurando dar uma resposta inovadora ao desafio das alterações climáticas e ao consumo eficiente de energia, introduz-se uma autorização legislativa no sentido de permitir ao governo criar escalões de consumo de eletricidade baseados no modelo de potências contratadas existente no mercado elétrico português, beneficiando os consumos mais reduzidos de eletricidade e penalizando os consumos excessivos. Esta medida converge com a orientação política da atual Comissão Europeia de tornar o continente europeu neutro em carbono em 2050."