Existe algo que diferencie hoje os portugueses da Califórnia, tema do seu livro, dos que, por exemplo, emigraram para a Nova Inglaterra? Os portugueses que emigraram para a Califórnia e lá residem distinguem-se pelo facto de serem oriundos sobretudo do grupo central do arquipélago açoriano. Pela sua distância a Portugal e pela vastidão do território (a área consular de São Francisco é quase cinco vezes o tamanho de Portugal numa área geográfica semelhante a Lisboa-Moscovo), têm uma ligação menos frequente a Portugal e dominam menos a língua. Apesar disso, mantêm uma ligação muito forte a Portugal que se expressa desde a culinária ao associativismo, da agricultura a Hollywood. Este livro foi inspirado no documentário bilíngue Portuguese in California, a cujo título acrescentei Uma história de gerações que mostra a comunidade luso-americana que vive na Califórnia, oferecendo ao leitor uma visão histórica abrangente deste grupo étnico único e vibrante, mas muitas vezes invisível. Vai, porém, além do documentário e traz a história desses corajosos imigrantes, bem como de seus descendentes, que hoje são mais de um milhão espalhados pelo estado, desde San Diego e Los Angeles, à área da baía de São Francisco, ao vale de San Joaquin e à capital do estado. A saga Portuguese In deverá tornar-se ao mesmo tempo um registo histórico e uma referência para as gerações vindouras..Pode dar dois ou três casos de pioneiros portugueses na costa Oeste, no século XIX? Em 1542, o português João Rodrigues Cabrilho pisava o território da Califórnia, sendo o primeiro europeu no estado dourado. Mais tarde migrantes portugueses atravessaram os oceanos à procura de uma vida melhor neste novo mundo. De 1864 a 1973, mais de dois milhões de emigrantes saíram de Portugal. Depois da Irlanda, Portugal tinha o maior número de emigrantes per capita. Dos dois milhões, 160 mil foram para os Estados Unidos. Diz-se que o principal produto de exportação de Portugal é o seu povo". Houve essencialmente três vagas de emigração: 1820 - 1870, 1870 - 1930 e de 1960 até ao presente. A emigração portuguesa documentada para a Califórnia começou em 1814. José Rocha, nativo do Minho, nascido em 1790, abandonou a escuna inglesa Columbia em Monterey, Califórnia. Diz-se que as suas habilidades lhe valeram a proteção dos missionários de Los Angeles. Rocha construiu uma casa no centro do pueblo e morreu com apenas 47 anos. Cerca de 20 portugueses estão documentados na Califórnia antes da corrida ao ouro de 1849. Natural de São Jorge, nos Açores, Joseph Miller (nascido José de Sousa Neves) chegou em 1836 e participou na tomada do porto de Monterey em 1846. A última onda de migração em massa de portugueses começou em 1958, após o primeiro Azorean Refugee Act, patrocinado pelos senadores John F. Kennedy de Massachusetts, futuro presidente, e John Pastore de Rhode Island. Muitos refugiados das erupções vulcânicas dos Capelinhos vieram para a América e muitos desses imigrantes criaram raízes na Califórnia. Dois dos principais líderes desta iniciativa foram António da Rosa Furtado e Manuel Cristiano da Silva. Outros terão chegado antes nas baleeiras, não havendo registo oficial da sua presença na Califórnia. Onésimo de Almeida e Mayone Dias realizaram trabalhos bastante profundos nesta área..Mesmo com algumas dúvidas agora se João Rodrigues Cabrilho é português ou espanhol, o descobridor da Califórnia no século XVI continua a ser um herói, sobretudo para os luso-americanos de San Diego, certo? Eu não sou historiador. Mas, para a pré-produção deste documentário li e consultei mais de cem livros sobre os portugueses na Califórnia, durante vários anos, e já realizei mais de mil entrevistas por todos os Estados Unidos. Tudo aponta para que Cabrilho seja português apesar destas novas teses e teorias que vão aparecendo... O que se sabe é que na terça-feira, 27 de junho de 1542, com as velas abertas e vento favorável, as naus San Salvador e Victoria partiram da costa oeste do México ao serviço da coroa espanhola. A frota continuou ao longo da costa quando a expedição avistou um "porto muito bom" a que Cabrilho deu o nome de San Miguel. Este português foi o primeiro europeu a avistar o que mais tarde seria rebatizado de Baía de San Diego. A construção do monumento a Cabrilho em San Diego teve assim o objetivo de reconhecer o heróico explorador que passou a simbolizar os portugueses na Califórnia e a sua integração na sociedade americana. O atual cônsul honorário de Portugal em San Diego, Idalmiro da Rosa, há anos que tem defendido a origem portuguesa de Cabrilho baseado em estudos que não deixam grandes dúvidas sobre a nacionalidade portuguesa, nomeadamente os de Herrera, um historiador espanhol que viveu nos séculos XVI e XVII. Era importante que alguém se dedicasse a fazer uma tese e reforçar, mais uma vez, este facto. Em San Diego, pretende-se que Cabrilho seja considerado ibérico. Realiza-se anualmente o Festival Cabrilho que celebra o navegador e até agora a sua nacionalidade não tinha sido posta em causa. Quem já esteve presente no evento pode testemunhar a encenação da chegada do português. Gostava de realçar a pessoa responsável pelo festival que diz que "para mim e no meu coração Cabrilho será sempre português". E, aliás, na nota que emitiu sobre o meu livro, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa chama a atenção para Cabrilho como o pioneiro dos portugueses na Califórnia e cito aqui essa parte: "O livro Portugueses na Califórnia, uma História de Gerações vem confirmar mais uma vez aquilo que tenho dito e repetido em diversos ensaios, Portugal é um país de heróis, um país de heroínas, só assim poderia ser o país que é. Um país que não se limita às suas fronteiras físicas, mas que está presente onde estiver um português. Na Califórnia estão gerações de portugueses como nos relata este livro que começa pela história de João Rodrigues Cabrillo, o primeiro europeu a desembarcar no território em 1542. Desde essa data, milhares e milhares de compatriotas chegaram aos Estados Unidos e em particular à Califórnia formando uma vasta comunidade de portugueses e de luso-descendentes que aí reside e aí trabalha e aí cria Portugal"..Há três congressistas luso-americanos pela Califórnia, dois deles do Partido Republicano. Significa que a comunidade é mais republicana do que democrata? Ninguém sabe. Depende de quem pergunta. Neste momento existem Devin Nunes e David Valadao pelo Partido Republicano e Jim Costa pelo Partido Democrata. Os últimos estudos apontam para que haja uma maior percentagem e orientação dos portugueses para o Partido Democrata. No entanto, esses estudos, apesar de muito relevantes e válidos, não abrangem toda a comunidade, e baseiam-se apenas naqueles que respondem aos inquéritos, não são utilizados os mecanismos de estatística que se usam por exemplo nas sondagens. A primeira geração em geral é mais conservadora, e as novas gerações têm uma tendência mais democrática e liberal..Sei que é de origens açorianas, como boa parte dos portugueses na Califórnia. Como aconteceu a sua ligação aos Estados Unidos? Nasci em Los Gatos, Califórnia, a 7 de outubro de 1980. Aos cinco anos mudei-me com a família para os Açores. Desde muito jovem sonhava ser empresário e ter o meu próprio estúdio de média. Depois de frequentar a faculdade em Lisboa, regressei à Califórnia em 2000 para perseguir o sonho. Ser fluente em português, inglês e espanhol ajudou-me a conquistar o primeiro cargo de liderança e gestão em grandes empresas internacionais multilíngues como a Aromat e a Panasonic, com apenas 21 anos. Como empresário, fundei a minha primeira empresa no chamado Vale do Silício, ou Silicon Valley, a Nelson Ponta-Garça Productions, em 2005. Mais tarde, inspirado no ecossistema tecnológico e no sucesso das empresas vizinhas Google, Apple e Facebook, fundei a NPG Multimedia, LLC em 2008 e a AzoresTV em 2009. Anos mais tarde, em Portugal, fundei a AzoresZen Exclusive Island Resorts e Fresh Organic Farms and Experiences (2018) e a NPG Multimedia Portugal (2021). Mais tarde tornei-me produtor de media e apresentador de TV, realizando centenas de entrevistas de grande visibilidade para a emissora pública portuguesa RTP Internacional TV Station com audiência estimada de 15 milhões em todos os continentes. Como líder cívico da comunidade abri um mundo de oportunidades no Vale do Silício com vários clientes de empresas locais da Fortune 500. Tive o prazer de ser um dos primeiros na Califórnia a produzir conteúdo de média social para Facebook, Youtube e campanhas publicitárias de marketing digital. O meu portefólio inclui ajudar empresas como a Dish Network na transição das comunicações de marca tradicionais para o marketing digital..Também há o lado das funções oficiais... Sim, retribuir à comunidade tem sido um papel importante para mim. Fui nomeado conselheiro do cônsul geral de Portugal em 2013 e eleito vice-presidente do conselho consultivo do governo da diáspora mundial em 2016..Além dos Açores, há outros pontos de origem da comunidade que se destaquem? Sim. A Califórnia é uma comunidade muito diversa e multicultural. Existe uma forte presença de madeirenses por exemplo em San Diego e na Baía de San Francisco. A presença de "continentais" como são chamados na Califórnia, verifica-se sobretudo na outra costa mas está também presente na Califórnia. Há também uma pequena comunidade de PALOPS, desde o Brasil, África, Macau, etc. um pouco por toda a Baía de São Francisco e Los Angeles. Não é o meu objetivo, ou o objetivo deste livro, documentar a história completa da migração portuguesa para a Califórnia. Existem muitos outros livros excelentes sobre este assunto. O objetivo é compartilhar histórias de vida de gerações que vêm para a América em busca de uma vida melhor neste novo mundo, especialmente nos últimos cem anos. Essas histórias selecionadas são representativas de milhares de outras que não estão neste livro, muitas delas ainda mais importantes..A língua portuguesa consegue sobreviver na segunda e terceira gerações de luso-americanos? A Califórnia conta com pelo menos sete gerações e no Havai com cerca de dez gerações. O português irá sobreviver mas não através da língua. Embora se registre um crescente interesse na aprendizagem do português e da presença da língua nas principais universidades, a herança e cultura portuguesas reflete-se de outra forma, através da culinária, música, celebrações culturais, etc....leonidio.ferreira@dn.pt