E depois de Francisco?

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Dos Descobrimentos portugueses resultaram o Brasil, o país do mundo com mais católicos, e também Timor-Leste, o país do mundo com maior percentagem de católicos, como bem me relembrou há uns meses, numa entrevista em Díli, José Ramos-Horta, o Nobel da Paz que já este ano foi eleito pela segunda vez presidente do pequeno país nos confins da Ásia: "A religião católica é a de 98% dos timorenses. É a percentagem maior no mundo de uma população católica. As Filipinas têm 80 e tal por cento de católicos. Em Timor, a percentagem católica é a maior da Ásia, mas também do mundo, maior do que a da própria Polónia, que é supercatólica, e maior do que a do Brasil." E na resistência a duas décadas e meia de ocupação indonésia a força da Igreja timorense foi decisiva.

Desde o mês passado, Timor-Leste conta com um cardeal pela primeira vez, D. Virgílio do Carmo da Silva, arcebispo de Díli. E o Brasil, com dois novos cardeais nomeados pelo Papa Francisco, passa a contar com oito, num total de 226. Entre as novidades está também o arcebispo de Goa, patriarca das Índias, à frente de uma diocese com meio milénio mas que só agora recebe o chapéu cardinalício na pessoa de D. Filipe Neri Ferrão, fluente em português, tal como em concani, a língua da antiga colónia portuguesa, e em mais algumas, incluindo o inglês.

Mesmo não contando o cardeal goês, o número de cardeais de língua portuguesa atinge agora um recorde de 18, de entre os quais cinco portugueses. E entre aqueles com idade inferior a 80 anos, portanto com assento no colégio que elegerá o futuro Papa, os lusófonos são 11 (três deles portugueses, e o país já deu um Papa, mas no século XIII) em 132, insuficiente para determinar um vencedor, mas suficiente para, se atuar em bloco, ajudar a que um nome se destaque entre os favoritos. E talvez esse nome seja o de um deles, pois, com a Europa já em minoria entre os cardeais (44% do total, 40% dos eleitores), é com naturalidade que se aponta para que o sucessor do argentino Francisco (Jorge Bergoglio de batismo) venha também de outro continente, novamente das Américas, e aí o Brasil é candidato de pleníssimo direito, até para tentar contrariar a força dos evangélicos, ou mesmo da Ásia ou de África.

A crescente deseuropeização da hierarquia da Igreja Católica reflete a realidade demográfica de uma religião com 1400 milhões de crentes, pois só um em cada cinco vive hoje na Europa. E um dos legados de Francisco será exatamente ter assumido essa realidade global dos crentes, por vezes até de forma extrema e surpreendente, como nomear agora um cardeal da Mongólia, embora, na realidade, seja um missionário italiano.

Filho de emigrantes italianos, Francisco de certa forma ainda não significou a novidade absoluta como Sumo Pontífice. Há quem julgue que a verdadeira concretização da vocação universal da Igreja Católica passará pela eleição de um Papa africano (o que não acontece desde o século V, quando o Norte de África era cristão) ou asiático. Uma escolha que refletirá a realidade demográfica mas também as apostas geopolíticas da Santa Sé de abertura ao mundo, evidentes na escolha dos cardeais ou nas viagens papais (este mês o Papa irá ao Cazaquistão, país de maioria islâmica com historial de tolerância religiosa, e nos nove anos de pontificado já foi a sete países da Ásia Oriental e a outros tantos de África).

Fazem-se apostas sobre o futuro Papa, caso Francisco, a caminho dos 86 anos, siga o exemplo de Bento XVI, em 2013, e resigne. O cardeal filipino Luis Antonio Tagle surge entre os favoritos, assim como o ganiano Peter Turkson, reforçando assim a tese de que a Igreja finalmente assumirá no topo a sua realidade geográfica e cultural. Mas também há cardeais italianos bem cotados, o que significaria, caso um deles fosse eleito, o surpreendente regresso ao que foram quatro séculos de tradição de Papas de Itália, só interrompidos em 1978 com a eleição de João Paulo II, um polaco.

Certo, certo, é que Francisco determinou o caminho da Igreja, e muito, pois dos 132 cardeais eleitores 83 foram criação sua. Assim, tudo é possível dada a atual pluralidade no colégio cardinalício - e sem excluir as três hipóteses portuguesas -, inclusive virmos a ter um Papa brasileiro, timorense ou até um da Índia, seja ou não o patriarca goês.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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