A Tendência Esperança em Movimento (TEM), uma espécie de Tea Party do CDS, exige a demissão de um dos dois representantes do CDS da Junta de Freguesia de Arroios, Frederico Sapage, dos cargos que tem no partido. "É gravíssimo", argumenta o porta-voz do TEM, Abel Matos Santos, que tenha avançado com a proposta de passadeiras coloridas para homenagear a comunidade LGBT sem ouvir o partido, e exige uma posição da líder Assunção Cristas..O assunto das passadeiras arco-íris vai aquecer na quarta-feira a Comissão Política Nacional do partido. A polémica interna gira em torno da proposta que foi de dois representantes do partido na Junta de Freguesia de Arroios, Frederico Sapage, 31 anos - o cabeça da lista daquela freguesia - e Vítor Teles, 40 anos. Ambos moradores na freguesia, tiveram a ideia de que no dia 17 de maio se assinalasse o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia com passadeiras pintadas com a cor do arco-íris, que fazem parte da bandeira LGBTI, na Av. Almirante Reis..Esta quinta-feira, a liderança do CDS demarcou-se da ideia. Em carta aos militantes, a presidente do CDS, Assunção Cristas, afirma que "a defesa da não descriminação de qualquer pessoa, que como humanistas perfilhamos, tem formas mais adequadas de ação. O CDS não se revê neste tipo de iniciativas e a estrutura concelhia de Lisboa garantuirá que situações destas não tornem a ocorrer"..A carta é assinada por Cristas e por Diogo Moreira, presidente do CDS/Lisboa..Segundo soube o DN a ideia surgiu por esta ser uma área de Lisboa bastante diversa e aberta, onde fazia sentido - ainda recentemente a Junta votou por unanimidade um centro LGBT na zona. Vítor Teles é advogado e Frederico Sapage técnico de administração pública, membro da JC e desempenha atualmente o papel de coordenador autárquico do CDS em Lisboa e de assessor na Junta de Freguesia das Avenidas Novas - na área social..A proposta levantou polémica, nomeadamente, na própria JC. O líder da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos, disse que organização não foi consultada e que "essas propostas costumam ser acertadas com a direção do partido". Além disso, sublinha que a JP tem posições "muito claras" contra a ideologia de género, sem que isso signifique qualquer discriminação sexual..O líder da tendência mais conservadora dentro do CDS, Abel Matos Santos, vai exigir que Frederico Sapage seja demitido dos cargos que desempenha. "Não tem que ver só com a proposta, mas por ter sido feita por dois eleitos do CDS à revelia do presidente da concelhia", afirma Abel Matos Santos. O porta-voz do TEM considera "gravíssimo" que Frederico Sapage, com os cargos que tem no partido, tenha agido sem ouvir ninguém. "Ou foi propositado para criar divisão e clivagem ou é um disparate porque até é prejudicial para os próprios homossexuais", sustenta e exige consequências..A polémica sobre este assunto já se tinha instalado nas redes sociais, com ataques à presidente do partido, o que obrigou até a um esclarecimento dos autores da proposta "não vinculativa" das passadeiras coloridas, e que foi aprovada por unanimidade na assembleia de freguesia (embora não possa ser posta em prática)..Em comunicado, Frederico Sapage e Vítor Teles assumem a inteira responsabilidade pela iniciativa e garantem que a direção nacional "não teve conhecimento prévio". "Entendemos que, após ponderação, a recomendação sobre as passadeiras, enquanto mero ato simbólico e de combate à discriminação, foi mal compreendida, já que foi alvo de uma colagem à ideologia de género, matéria e ideologia que, no nosso entendimento, já nada tem que ver, porque vai muito além do respeito e da tolerância e da não discriminação; é uma ideologia que não partilhamos", afirmam..Lamentam ainda "o aproveitamento e desvirtuamento que foi feito desta nossa iniciativa", tal como "lamentamos profundamente que a mesma tenha servido para, de alguma forma, envolver as estruturas dirigentes do partido, para efeitos de qualquer polémica". Reiteram ainda que "o que é para nós essencial: somos a favor do princípio da não discriminação, o que em nada se confunde com as políticas de ideologia de género que muita esquerda pretende impor e a que claramente nos opomos"..A iniciativa foi divulgada na página do Facebook do CDS de Arroios e motivou críticas acesas na rede social. Um das vozes se que se levantou contra foi a de Pedro Pestana Bastos, ex-deputado, antigo membro da Comissão Política do CDS: "Bem sei que para alguns por vezes é cool aparecer com uma imagem moderninha mas isto é um completo disparate. O dinheiro dos contribuintes (mesmo se a despesa não for grande) não é para gastar em fantochadas e temos de dar o exemplo. Acresce que as passadeiras por razões de segurança nos termos do regulamento de sinalização são obrigatoriamente brancas. Não há passadeiras arco-íris. Não brinquem com coisas sérias", diz o atual conselheiro nacional do CDS..João Gonçalves Pereira, vereador na Câmara Municipal de Lisboa e presidente da Distrital do CDS-PP, também escreveu na sua página de Facebook que não subscreve a proposta em causa..Temas fraturantes dividem CDS.O CDS, que era um dos partidos mais afinados no que toca a posições sobre costumes, está agora muito dividido. Assunção Cristas lidera uma força menos conservadora, sendo que ela própria é mais liberal neste campo do que muitos companheiros de partido, a começar pelo TEM. Também a JP tem posições mais conservadoras do que a linha oficial centrista. Basta dizer que uma das figuras mais próximas da líder, Adolfo Mesquita Nunes, assumiu-se como homossexual e já aceitou dois prémios da ILGA pelo seu exemplo como político..O próprio Frederico Sapage referia numa entrevista dada ao jornal do partido, Folha CDS, que por ter vivido em Barcelona - onde esteve quatro anos, antes de regressar a Portugal e à vida política - "aprendeu a ser mais tolerante". Regressado, conta na mesma entrevista, vinha com "opiniões que eram fruto desse distanciamento, dessa postura mais ponderada". "Foi importante na forma de viver, por vezes estamos numa redoma, com pouco mundo, fazemos análises de caráter, temos dogmas, sem vermos o que está para além da redoma"..O TEM tem as posições mais conservadoras, já que é contra o aborto, a eutanásia, a adoção por casais homossexuais e recusa as quotas para mulheres. Como o DN noticiou em fevereiro e de acordo com a Declaração de Princípios da TEM, disponível no site, "a principal razão para a criação da Tendência Esperança em Movimento é a evidência - que já não é possível ignorar - de que é mesmo preciso defender os nossos valores e afirmar a nossa identidade..Com efeito, esses valores - não só os do nosso partido mas também os da própria democracia constitucional de tipo ocidental - estão a ser atacados". E acrescenta-se que estes valores estão a ser "assaltados pela agenda progressista de pendor relativista e niilista, pelo laicismo radical, pelo fundamentalismo islâmico e pela ilusão multicultural, pelo liberalismo sem limites, pela contínua erosão da soberania nacional, garantia primeira da liberdade do povo português, entre outros fatores"..Sublinhe-se o "mesmo" na frase em que, para estes militantes centristas, "é mesmo preciso" defender os valores do partido e da sociedade, como se a atual liderança do CDS falhasse. "Nós não somos preconceituosos", argumenta o porta-voz da TEM. "Põem-nos o estigma, ou que somos contra os homossexuais ou que somos xenófobos, nós não somos nada disso, rejeitamos isso.".A Juventude Popular também tem posições mais fechadas quanto à ideologia de género. Ainda no início do ano, José Rodrigues dos Santos enviou uma carta ao Papa Francisco em que reitera que a JP se bate contra a "cultura da morte", ou seja, contra o aborto e a eutanásia. E rejeita ainda a "ideologia de género", que todos os movimentos de engenharia social que almejam a redefinição da natureza humana ou a desconstrução da família"..Muitos militantes democratas-cristãos identificam-se com estas posições, mas há muitos outros que estão mais próximos da linha de Assunção Cristas. A líder foi muito criticada pelo TEM quando decidiu participar no programa satírico 5 para a Meia-Noite, que a RTP transmitiu em 13 de setembro passado..No programa, apresentado pela atriz Filomena Cautela, Assunção Cristas confessou ter uma vez tomado um banho público "em pelota". Foi numa viagem ao Japão, num banho de águas vulcânicas, num grupo de mulheres (os homens estavam noutro grupo). No mesmo programa, também leu um pequeno excerto do livro de contos eróticos Mulheres, Sexo & Manias, de autoria da ex-vocalista dos Buraka Som Sistema Blaya. Questionada sobre se preferia participar numa marcha de orgulho gay ou em defesa da legalização da marijuana, Cristas respondeu: "Numa marcha pelo orgulho gay.".Os conservadores do CDS não gostaram. No site da tendência, um seu dirigente, Mário Cunha Reis, escreveu um artigo intitulado "A casa dos degredos", em que considerou que a prestação de Assunção Cristas no 5 para a Meia-Noite foi para si "motivo de perplexidade"..É nestas correntes contrárias que a líder do CDS tem de se mover com cautela para não perder o eleitorado mais conservador do partido, mas também ganhar o que é mais aberto aos temas fraturantes.