"Estejam atentos aos carteiristas." Com um sorriso e uns quantos postais na mão, o agente da PSP Joaquim Marques tenta aproveitar a passagem de um grupo de turistas espanhóis para os alertar sobre os cuidados que têm de ter ao passear por Lisboa. Tem na mão uns postais que a polícia emitiu e nos quais se podem ler conselhos como "Para a los carteiristas [Bloqueia os carteiristas]", "N'obliez pas d'être vigilant a vos affaires personnelles [Fique atento aos seus pertences]" ou "Not so selfie [Não tão selfie]". E um sorriso..Postais, sorrisos, prevenção e proximidade. Estas são quatro vertentes da estratégia da Polícia de Segurança Pública de Lisboa para garantir uma visita segura a quem procura a capital portuguesa para uns dias de férias ou apenas em gozo de um fim de semana alargado. E parece estar a dar resultados, pois, de acordo com as estatísticas da PSP, entre 2014 e 2018 a criminalidade associada ao turismo diminuiu cerca de 20%, passando de 8716 queixas para 7005. Em sentido contrário estão os dados referentes às detenções: neste caso, no mesmo período, passou-se de 198 para 318 as pessoas capturadas. .A grande maioria dos detidos foram apanhados sob a acusação, ou mesmo em flagrante delito, de furtar carteiras a estrangeiros, principalmente na Baixa da cidade. Dos restantes crimes tipificados - furto de oportunidade, em veículo, roubo ou outros -, este último, que abrange o assédio sexual, violência doméstica ou especulação de preços por taxistas, é o segundo com mais queixas..Uma diminuição de criminalidade registada em contraciclo com o número de dormidas de turistas na cidade: foram 8,9 milhões em 2014 e no ano passado atingiram os 14,3 milhões. Representando o setor para Lisboa um valor próximo dos dez mil milhões de euros, como frisou o presidente da Câmara, Fernando Medina, no início de abril numa conferência sobre Turismo e Sustentabilidade..Untitled infographic Infogram."Os turistas têm de perceber que nos importamos, que queremos saber o que se passa e ajudar." A frase de Joaquim Marques, supervisor da equipa de Modelo Integrado do Policiamento de Proximidade - o nome completo de uma aposta da PSP que pode ser simplificada por agentes da esquadra de turismo -, espelha o trabalho dos cerca de 30 elementos especializados em trabalhar naquela área e que integram a Divisão de Segurança a Transportes Públicos..Acompanhar turista após ser vítima."Deparamo-nos muitas vezes com pessoas que ficaram sem cartões de crédito, sem dinheiro, às vezes sem as passagens de avião. Não sabem como devem dirigir-se para o hotel e precisam dos documentos, ou de ir ao consulado para pedir salvos-condutos de forma a conseguirem regressar [ao seu país]", conta o subintendente Luís Oliveira, responsável pela Divisão de Segurança a Transportes Públicos. Situações que são acompanhadas pelos elementos da esquadra de turismo - em Lisboa há no Palácio Foz, em Santa Apolónia e em Cascais - a partir do momento em que o turista apresenta queixa.."Estes polícias exercem a sua função de uma forma muito peculiar e próxima. Há uma ligação dos agentes que fazem o atendimento às vítimas de crimes. Ou seja, não só patrulham as zonas turísticas como fazem o acompanhamento de situações pós-vitimização de turistas que tenham de ir fazer um reconhecimento fotográfico à Polícia Judiciária ou ao Instituto Nacional de Medicina Legal [para perícias, no caso de terem sido agredidos, por exemplo] e depois mantém o contacto", acrescenta..Uma atitude que é bem acolhida por quem está de visita à capital e acaba por ser alvo de algum tipo de criminalidade. "Recebemos muitos elogios. Muitas vezes, a pessoa fica agradecida com a forma como tudo se processou e com uma ideia completamente diferente do país", sublinha o subintendente, que há quatros anos e meio lidera esta divisão..Não sabia do marido....Andar pelas ruas a explicar aos turistas os cuidados que devem ter, por exemplo, com as malas - usá-las à frente e fechadas - ou estar na esquadra a receber as queixas são garante de algumas histórias que ficam para a vida. É o caso do agente principal Joaquim Marques, que durante uma manhã foi o cicerone do DN pela Baixa ao mesmo tempo que ia distribuindo os postais com conselhos em inglês, castelhano e francês..Acompanhado pela agente Sofia Lenarovna, seguia pela Rua Augusta como se fosse "da casa". Cumprimentava os comerciantes, tentava o contacto com os turistas conseguindo fazer parar alguns grupos a quem entregava os tais postais - que podem ser enviados pelos Correios - e dava conselhos, como um grupo de holandeses que no largo de acesso à Estação do Rossio lhe pediu uma informação. Além da indicação pretendida ficaram esclarecidos sobre os cuidados de segurança que deveriam ter. "Disseram-me que eram holandeses e que estavam habituados", contou..Um pouco mais atentas às indicações foram as duas jovens alemãs que na Praça da Figueira estavam abrigadas por baixo de um toldo de uma ourivesaria. Neste caso, coube à agente mais jovem da esquadra - está neste serviço há pouco mais de dois meses - uma parte da interação. Laura e Jessy ouviram a agente Sofia explicar-lhes a forma correta de colocarem as bolsas e depois receberam os postais dados por Joaquim Marques. Ao DN disseram ser de Hamburgo, estar de férias e que querem voltar a Lisboa no verão. Um pouco mais à frente Sofia Lenarovna alertava um casal também alemão, que passeava os dois filhos nos respetivos carrinhos, para os postais..Todos estes diálogos foram num idioma que todos entendiam, tal como o de Joaquim Marques com os turistas espanhóis foi em castelhano, mostrando uma outra virtude da esquadra de turismo lisboeta. É possível os turistas serem atendidos em oito línguas: inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, russo, chinês e árabe. Sofia reforça a equipa com o russo, pois nasceu na Rússia e veio para Portugal com 6 anos. É assim um dos elementos que permitem uma interação com os turistas que procuram a polícia portuguesa, já que estes agentes podem ser chamados a intervir em situações em que os seus colegas não consigam um diálogo considerado fluido com o visitante..Além disso, estes agentes têm "formação em qualidade no atendimento e frequentam um módulo de policiamento de proximidade vocacionado para turismo", explicou ao DN o subintendente Luís Oliveira..Regressemos então às histórias que Joaquim Marques vai contando enquanto vamos passando de carro por algumas ruas da Baixa. "Um dia estava no atendimento e uma espanhola liga a queixar-se que eram onze da manhã e o marido tinha desaparecido, com dois amigos, às dez da noite do dia anterior. Ela estava com as mulheres dos outros dois e não sabiam deles. Disse-lhe para esperar um bocado, era quase hora de almoço, e, se ele não aparecesse, que voltasse a ligar. Apareceram pouco depois", conta.A divisão de furtos por "especialidades" e nacionalidades.No percurso pela Baixa, o agente Joaquim Marques ia explicando com orgulho que a aposta no policiamento de proximidade vocacionado para os visitantes estrangeiros, aliado às sessões de prevenção que são efetuadas sempre que chega um navio de cruzeiro ao terminal de Santa Apolónia, está a dar resultados. "Temos zero queixas de carteiristas na zona por onde andam os turistas que saem dos cruzeiros", afiança..Lembrando que os carteiristas têm três fases de atuação - monitorização, informação e atuação - e que no total tudo isto pode durar segundos, reforça a necessidade de as pessoas terem cuidado com as mochilas quando estão nas esplanadas. Onde uma pessoa pode ficar sem a mala que colocou no chão enquanto está sentado e não dar por nada..Conhecedor do tipo de criminalidade detetada principalmente pela Baixa, adianta que os dois tipos de furtos que mais atingem os turistas - carteiras e mochilas - têm especificidades que os levam a ser "especialidades" de grupos diferentes. "Os carteiristas são de Leste, praticamente não há portugueses e os que há trabalham para eles. Já quem furta nas esplanadas vem do norte de África", diz..Claro que há exceções a estes tipos de crimes. "Tivemos uma portuguesa filha de emigrantes na África do Sul. Ela não roubava ninguém. Pedia dinheiro dizendo que tinha deixado as bagagens do aeroporto e que tinha de ir buscá-las e até combinava com os turistas o local onde no dia seguinte ia encontrá-los para devolver o dinheiro. Claro que não aparecia. Mais tarde afinou a estratégia, aparecia, mas dizia que a tinham roubado e voltava a pedir dinheiro. Os asiáticos emprestavam o dinheiro, só ao fim de duas ou três vezes é que se queixavam", sublinha..A forma de denúncia que a Europa vai copiar.No apoio a quem passa por Lisboa e é vitima de um crime, a PSP tem em vigor uma forma de denúncia que está a ser analisada pelas polícias ferroviárias europeias: por e-mail. "Um turista que seja vítima de um crime, normalmente o furto, envia um e-mail a dizer onde ocorreu, as horas, o que lhe levaram e especifica se deseja um procedimento criminal. Iniciamos a denúncia com base nesse e-mail que segue junto ao processo. Isto permite que o turista de um cruzeiro que passa em Lisboa algumas horas possa continuar a viagem. Envia a denúncia e nós emitimos as certidões", explica ao DN o subintendente Luís Oliveira.."Tem sido elogiado [o projeto] pelos operadores de cruzeiros e está agora a ser analisado a nível europeu pelas policias ferroviárias, pois uma pessoa pode apanhar o comboio num país e só dar pelo furto quando já está noutro. Estão a desenvolver um modelo online para essa denúncia", acrescenta..Esta forma de lidar com a criminalidade no âmbito especial do turismo é uma das vertentes do trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos anos pela PSP, que no ano passado colocou no terreno três programas especialmente desenhados para quem visita a capital: o Blue Lock (direcionado para o alojamento local e que envolve conselhos de prevenção, como não deixar janelas e portas abertas); o Hospitalidade Segura (ações de formação a funcionários de hotéis para que possam saber como agir e que conselhos dar no caso de um hóspede se queixar de furto, tendo em 2018 feito 78 ações com um total de 980 funcionários da hotelaria lisboeta) e a criação de uma brigada na 1.ª Divisão de Investigação Criminal que atua principalmente na área dos carteiristas. "Têm feito um excelente trabalho, com muitas detenções, e isso tem-se sentido [no aumento de segurança]", salienta o comandante da Divisão de Segurança a Transportes Públicos..Que também considera muito importante a presença de elementos de polícias estrangeiras - como acontece em períodos como a Páscoa, férias de verão ou grandes concertos - em Lisboa. "As pessoas desses países [Espanha e França] sentem-se mais à vontade, vão cumprimentá-los [aos agentes]. Sentem uma maior proximidade ao seu país", acrescenta..PSP e turistas: uma história com cem anos.A segurança dos turistas em Lisboa é uma preocupação da PSP há mais de um século. Há registos de 1909 em que o presidente do conselho de administração do Porto de Lisboa, Pires de Sousa Gomes, referia ao secretário perpétuo da Sociedade de Propaganda Nacional a "construção e instalação de barracas para serviço especial de polícia nos locaes de desembarque de passageiros, onde a necessidade de policiamento mais se fazia sentir" e "o aperfeiçoamento do serviço de informações, tanto verbaes como escritas a fornecer aos passageiros em transito e touristes quando desembarcam nos diversos caes, serviço delicado esse que, por si só, os agentes da polícia a elle affeitos defficilmente podem, como temos presenciado por mais de uma vez, pelo seu limitado número, cabal e completamente desempanham apesar do zelo e manifesta bôa vontade com que se esforçam por fazê-lo".."Em 1909 falávamos da polícia cívica de Lisboa e depois, nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado, já falávamos de uma secção de turismo no comando da polícia de Lisboa. Eram responsáveis pela fiscalização e licenciamento de toda a atividade relacionada com o turismo", conta o subintendente Luís Oliveira..Em 1998, com a Exposição Mundial que nesse ano teve lugar em Lisboa, a esquadra de turismo foi colocada no Palácio Foz, especializando-se os seus elementos no atendimento aos cidadãos estrangeiros..Quinze anos depois, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, já perante as perspetivas de aumento do turismo na capital, criou o projeto Lisboa Destino Seguro: Turismo em Segurança. Na sequência, no ano passado surgiu o já referido Hospitalidade Segura, vocacionado para a formação de funcionários das unidades hoteleiras para que ficassem a saber como agir quando um cliente lhes pede ajuda ao ser vítima de um crime..Projetos e iniciativas que colocam os agentes em ações de patrulhamento de proximidade e que acabam por lhes dar a oportunidade de "conhecer todo o mundo sem sairmos de cá", como disse ao DN o agente principal Joaquim Marques. Sempre a sorrir, claro.