A biografia artística da inglesa Phoebe Waller-Bridge tem qualquer coisa de fábula. Ou de conto fantástico. Resumindo as suas proezas da forma mais esquemática, mas também mais sugestiva, podemos assinalar dois momentos emblemáticos. Assim, em 2009, pouco depois de concluir a sua formação na Academia Real de Arte Dramática, em Londres, estreou-se no palco do Soho Theatre - tinha 24 anos. Já neste ano soube-se que o seu nome irá figurar no lote de argumentistas do 25.º filme oficial de James Bond, cujo título foi entretanto divulgado (No Time to Die)..Waller-Bridge não será "a" argumentista do novo filme do agente secreto 007. Como é tradicional, trata-se de uma tarefa a várias mãos, incluindo o realizador, Cary Joji Fukunaga, o seu colaborador Scott Z. Burns e ainda Neal Purvis e Robert Wade, veteranos neste género de tarefas. Seja como for, a sua contratação não deixou de ser apontada por algumas vozes mais militantes como um triunfo simbólico do feminino - afinal de contas, é apenas a segunda vez que uma mulher assume a tarefa de argumentista no universo de Bond; curiosamente, a primeira, Johanna Harwood, esteve ligada ao título inaugural, Dr. No/Agente Secreto 007, lançado em 1962. Isto sem esquecer que, deste modo, Waller-Bridge quebra, de facto, qualquer possível domínio masculino na bolsa de valores dos argumentistas, já que, segundo os especialistas da indústria, o seu trabalho lhe deverá valer cerca de dois milhões.Em boa verdade, os esquematismos de género serão insuficientes para descrever a ascensão de Waller-Bridge. Até porque a ideia de a convidar para integrar o universo de 007 partiu do próprio Daniel Craig, ele que estará a viver o derradeiro capítulo da sua encarnação bondiana. Craig queixava-se de falta de ritmo e invenção nos diálogos de No Time to Die, pelo que seria necessário alguém com experiência e sensibilidade para explorar o potencial de aventura e humor que as palavras podem envolver. E não há filme do agente secreto ao serviço de Sua Majestade Britânica que possa dispensar tal requisito....A fama e o prestígio de Waller-Bridge são mesmo indissociáveis de um elaborado trabalho com as palavras. É certo que em 2011 teve um pequeno papel no filme A Dama de Ferro, em que Meryl Streep assumia a personagem de Margaret Thatcher, mas foi através de uma série televisiva produzida pela BBC, Fleabag (2016-19), que se tornou uma figura popular junto do público britânico e, mais tarde, nos EUA. Num registo de comédia quase surreal, nela se faz o retrato de Fleabag, uma jovem londrina cuja existência atribulada envolve as mais desconcertantes formas de lidar com a sexualidade - Waller-Bridge escreveu o argumento a partir de uma peça, em forma de monólogo, também de sua autoria (estreada no Festival de Edimburgo de 2013) e, além do mais, interpreta o papel central..Fleabag tem sido muitas vezes elogiada pelo facto de desafiar as convenções narrativas da ficção televisiva (e também cinematográfica), já que a personagem central vai lançando observações mais ou menos sarcásticas sobre a sua própria existência "para o espectador", falando diretamente para a câmara. Entretanto, Waller-Bridge continua a desenvolver uma outra série, Killing Eve, neste caso em ambiente de thriller de espionagem - também com chancela da BBC, estreou-se em 2018 e tem a terceira temporada em preparação..Graças a Fleabag, Waller-Bridge já ganhou um prémio de interpretação da Academia Britânica de Televisão, estando também presente na corrida para os próximos Emmys, marcados para 22 de setembro (com um total de quatro nomeações, três para Fleabag, uma para Killing Eve). A sua convivência com James Bond poderá representar a abertura de novas possibilidades no interior da indústria cinematográfica, ainda que, ironicamente, ela seja a primeira a relativizar a importância do "seu" 007..Em recente entrevista a The Hollywood Reporter (14 de agosto), compara mesmo o agente secreto a Villanelle, personagem psicopata e assassina que atravessa as histórias de Killing Eve: "Ambos vivem uma fantasia! Mas é uma vida que, honestamente, nenhum de nós desejaria. Não andamos por aí a querer meter uma bala na cabeça de alguém, dormir com este e aquele ou beber martinis. É uma espécie de fantasia em forma de pesadelo."