Há mais portugueses a aprender chinês. Fascínio ou desafio?

Há escolas públicas portuguesas onde o mandarim já é ensinado. O número de alunos no país, jovens ou adultos, está a aumentar. O DN conheceu alguns numa aula do Instituto Confúcio de Lisboa.
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É estranha a sensação de passar duas horas numa sala de maioria portuguesa onde se conta pelos dedos da mão as vezes em que se compreendeu alguma coisa.

Terça-feira, 10.00, numa pequena sala do Instituto Confúcio (IC) da Universidade de Lisboa. Curso Avançado de Chinês 1. Sang Yong é professora na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tianjin, parceira do IC. Este é o seu terceiro ano em Portugal e, diz, "esta turma é como família". É normal fazerem festas e ela cozinhar comida chinesa para eles. "Antes de vir para aqui não sabia que um professor podia ter esta experiência. Achava que só ensinava. Penso que vou chorar no próximo ano, quando for embora."

Aquelas 13 pessoas que Sang Yong tem à frente, entre jovens, adultos e outros já reformados, são uma pequena amostra do crescimento que o ensino da língua chinesa em Portugal tem tido nos últimos anos. Neste momento é ensinada em 134 entidades, entre as quais em sete institutos politécnicos, e 22 universidades, avançou ao DN o presidente do Observatório da China.

Rui Lourido, que aponta como justificações sobretudo a empregabilidade e o interesse cultural, e refere que quem aprende chinês "fala o idioma de um quinto da humanidade", dá ainda outros números.

Um deles é da quantidade de alunos do IC da Universidade do Minho, que em 2006-2007 eram 70 e em 2017-2018 aumentaram para 435. Outro é o do concelho de São João da Madeira, onde, resultado de uma parceria entre o IC da Universidade de Aveiro e agrupamentos de escolas, há 850 alunos do 3.º ao 9.º ano que aprendem chinês. Recentemente, o ensino estendeu-se a mais 500 alunos de Estarreja.

Como é aprender chinês?

A certa altura, Sang Yong propõe aos estudantes que leiam o texto que estão a analisar com diferentes emoções, conforme o papelinho dobrado que tirarem de um chapéu que ela lhes estende. "Os portugueses são muito tímidos", comenta num sorriso.

O primeiro foi Carlos Brighton, que começou a aprender chinês há 20 anos, quando ainda trabalhava na companhia aérea Lufthansa e passava por Hong Kong ou Macau. Depois de interromper, e agora reformado, está de volta à língua há dois anos. Quando antes ia à China, os chineses não entendiam o que dizia, conta. "Não estavam habituados, então não entendiam. Isso agora mudou." Aqui pratica nas lojas e nos restaurantes chineses e garante que é entendido - mesmo com o sotaque português.

Isabel Castro, professora de Marketing reformada, explica-nos que grande parte da aula foi dada em torno do carácter que simboliza a contradição, e mostra como contém um escudo e uma lança. "Dizem que para dominarmos razoavelmente temos de saber 3500 carácteres. Nós sabemos mil e tal, mas há mais de 40 mil..."

Estuda a língua há cinco anos. "Resolvi aprender uma para pôr a cabeça a trabalhar. E já tinha ido à China. Ao aprender a língua, que é muito simbólica, aprendemos a cultura, que é completamente diferente", conta.

Nas filas da frente, Inês e Isabel, duas das mais novas da turma, comentam que o chinês exige "um treino diário, que não se pode relaxar", precisa Isabel, que viveu em Macau até aos 11 anos, o que deixou nela sempre uma curiosidade pela China. "O mais difícil é acertar com os tons e a escrita." Já Inês não se lembra sequer de onde vem o seu fascínio. "Nem sei porque é que comecei. Sempre tive curiosidade pelo japonês, mas quando conheci o chinês decidi aprender as duas línguas."

Não é só na aprendizagem da língua que se nota um aumento do interesse pela cultura chinesa. Nas livrarias portuguesas, além de autores como Mo Yan, Prémio Nobel da Literatura de 2012, encontra-se agora, por exemplo, Yu Hua, que a Relógio d'Água está a editar, com traduções de Tiago Nabais. O autor chinês, que esteve em Portugal pela altura da Feira do Livro, representa o início de uma coleção de autores chineses contemporâneos. A Yu Hua seguir-se-ão "duas novelas de um autor clássico chamado Lu Xun: A Verdadeira História de Ah-Q e Diário de Um Louco", disse ao DN fonte da editora.

Outro exemplo deste interesse é Purity, Purification - Arte Contemporânea Chinesa, exposição com obras de 23 jovens artistas que abre uma janela para a China de hoje no Museu do Oriente, em Lisboa, até 14 de janeiro.

Por cá, o interesse tem dois sentidos. Só na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 2017-2018, 785 alunos chineses estavam a aprender português. Entre julho de 2017 e setembro de 2018 foram 1070.

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