É mais um caso que sobressai do processo disciplinar de inquérito do SEF, que registou indícios de corrupção nos serviços e a validação de cerca de nove mil vistos ilegais. O processo foi arquivado sem punições dos responsáveis ou investigação criminal às suspeitas.. A Associação Solidariedade Imigrante (Solim) apoiou a legalização de, pelo menos, 292 estrangeiros através de procedimentos que aquela inspeção interna considerou à margem da lei..Conforme o DN noticiou, um dos visados neste processo disciplinar, instaurado em abril de 2016 e arquivado em outubro de 2017, era a inspetora Sónia Francisco, indiciada por suspeitas de corrupção e validações de vistos ilegais (entre os quais dois a estrangeiros procurados pelas autoridades), que veio recentemente a ser detida na operação da PJ Rota do Cabo, por ligações a uma rede de auxílio à imigração ilegal..Timóteo Macedo, presidente da Solim, organização com cerca de 37 mil imigrantes sócios, refuta a ilegalidade e garante que "todos os processos tratados pela associação dizem respeito a imigrantes que se encontravam a trabalhar e a descontar em Portugal"..Estes 292 processos fazem parte de uma extensa lista de casos irregulares que, de acordo com o relatório de inquérito, terão sido autorizados pelo ex-diretor nacional adjunto do SEF, Luís Gouveia..Sem prova dos factos.Estão identificados como tendo sido "autorizações de inscrição em SAPA (Sistema Automático de Pré-Agendamento), de cidadãos estrangeiros nacionais de países terceiros, que não preenchiam os requisitos legais para efeitos de obtenção de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada ao abrigo do regime excecional previsto no n.º 2 do artigo 88.º, estabelecendo a prática regular de autorizar a inscrição de cidadãos que manifestamente não cumpriam o requisito da entrada legal em território nacional, com fundamentação exclusiva na sua inserção duradoura no mercado de trabalho"..A situação foi confirmada aos instrutores do processo disciplinar por quatro assistentes técnicas do posto de atendimento de Alverca, onde Sónia Francisco era coordenadora..A lista de "autorizações sem suporte documental comprovativo dos factos invocados", todas tratadas em Alverca, começa em setembro de 2014 e termina em dezembro de 2015. É escrito no relatório que 77 dos 292 pedidos foram feitos "diretamente para o diretor nacional adjunto do SEF) e que 50 foram "remetidos diretamente pela Associação Solidariedade Imigrante"..Luís Gouveia, contactado antes pelo DN em relação aos factos que lhe foram imputados pelo Gabinete de Inspeção do SEF, alegou que "estava somente em causa uma interpretação da lei"..Um argumento que é também usado por Timóteo Macedo. "Dizer que o SEF legalizou imigrantes ilegalmente é um discurso de extrema-direita", acusa..Visão humanitária.O dirigente da Solim lembra "a luta de milhares de imigrantes que, apesar de estarem em Portugal a trabalhar e a descontar, não conseguiam legalizar-se porque a lei exigia - felizmente hoje já não exige - que entregassem uma prova de entrada legal no espaço Schengen". Mas "como é que pessoas que tanto sofreram a atravessar o Mediterrâneo, a ver pessoas a morrer ao seu lado, iam ter esses papéis?", questiona..Timóteo Macedo agradece a "visão humanitária" do ex-diretor do SEF e critica a decisão da ex-diretora do SEF, Luísa Maia Gonçalves, que revogou os despachos de Luís Gouveia que facilitavam as legalizações.."Não acredito em nada do que diz esse relatório do SEF. Já antes havia a interpretação de dispensar da prova de entrada, através dos chamados vistos administrativos, só que a diretora Luísa Maia Gonçalves impediu.".O despacho de revogação da ex-diretora, a que o DN teve acesso, determinava que todos os casos fossem analisados e verificados se reuniam condições para ser tratados como vistos por "razões humanitárias", isentando da prova de entrada - o que acabou por ser feito pelo governo. Com isto, Luísa Maia Gonçalves pretendia estancar o "efeito chamada" que entretanto se instalara e a ação das redes criminosas de auxílio à imigração ilegal, que se veio a confirmar..Na investigação da PJ ficou demonstrado que grande parte dos imigrantes legalizados no posto do SEF de Alverca nem sequer vinham a Portugal. A autorização de residência permite circular em toda a União Europeia..Controlo apertado.Timóteo Macedo assegura que os casos tratados pela Solim têm controlo apertado: "Todos os documentos de imigrantes que pedem apoio à associação ficam connosco e todos trabalham e vivem em Portugal. Uma regra da Solim é que, enquanto os processos estão a ser tratados, as pessoas têm de se apresentar pessoalmente na associação de 30 em 30 dias.".Timóteo Macedo faz um "balanço positivo" da legislação aprovada em 2017 que, entre outros, acabou com a prova de entrada legal para as regularizações extraordinárias, como são as dos imigrantes integrados no mercado de trabalho, mesmo que tenham entrado ilegalmente.."Portugal precisa de 75 mil imigrantes por ano e os procedimentos deviam ser mais flexíveis, principalmente em relação aos que já estão no país. Ter de esperar por completar um ano de descontos para conseguir legalizar-se é castigo para imigrantes que já tanto sofreram para cá chegar", sublinha..Em 2017, dois anos depois das situações descritas na inspeção do SEF, Timóteo Macedo estimava que existissem cerca de 30 mil imigrantes ilegais no nosso país. O governo dizia que eram pouco mais de três mil..Atualmente, a Solim calcula que esse número tenha sido reduzido drasticamente para "cerca de dois mil que ainda estão pendentes de autorizações de residência"..De acordo com o processo disciplinar do SEF, a "interpretação da lei" para facilitar as legalizações acabou por ter um brutal "efeito chamada" em 2014 e 2015. Os pedidos de nacionalidades hindustânicas cresceram 300% em 2014 e 2015, tendo nepaleses e indianos duplicado. Os pedidos naquele posto passaram de 1898, em 2013, para 2628 em 2014 e, depois, 4071 em 2015..Primeiro-ministro não respondeu.Nesta quarta-feira, durante o debate do programa de governo no Parlamento, o primeiro-ministro não respondeu ao CDS quando questionado sobre as suspeitas de irregularidades no SEF e o arquivamento do relatório explosivo. ."Sabemos que no SEF aconteceu um pouco de tudo nestes últimos quatro anos: redes de apoio à emigração ilegal, encobrimento de situações graves, como por exemplo 487 cidadãos hindustânicos que entraram como sendo brasileiros ou dois cidadãos estrangeiros com ordem de expulsão do espaço Schengen, por atividades criminais, que foram introduzidos no nosso país a coberto desta rede de subornos e corrupção", assinalou Telmo Correia.."Dirá o Sr. primeiro-ministro que são questões da Justiça, da Operação Rota do Cabo. Mas há uma pergunta ao governo evidente. Isto porque há um relatório sobre todas estas matérias, com todos os indícios, a que o governo teve acesso e meteu na gaveta. Esse relatório apontava alguns responsáveis que o governo não só não deixou na gaveta como a seguir os premiou, enviando um para a Agência Europeia de Fronteiras (Frontex) e outro para a Representação Permanente Portuguesa (Reper) junto à União Europeia", continuou..Portanto, sublinha o deputado centrista, "quando o Sr. primeiro-ministro vem aqui com um governo novo, tem também de responder pelo velho, pois neste caso o ministro da Administração Interna é o mesmo". Por isso, conclui Telmo Correia, "é preciso que responda se o governo soube ou não soube destes indícios, valorizou-os ou não e o que fez. Porque o Sr. ministro Eduardo Cabrita quando esteve na comissão (uma audição em 2017 em que o tema foi debatido, na sequência de uma notícia do DN) não disse nada sobre o assunto"..Mesmo quando a presidente da bancada do CDS, Cecília Meireles, voltou a insistir para que António Costa respondesse, bem como às perguntas sobre a posição do governo em relação à eutanásia, o primeiro-ministro manteve-se em silêncio. Com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a lembrar que "o primeiro-ministro é livre de responder ou não" às perguntas e que a avaliação do que diz ou não caberá a quem o ouve. "Cada um tem a liberdade de responder às perguntas que quer", disse..O PSD pediu uma "audição urgente" a Eduardo Cabrita, antes mesmo de o governo tomar posse. "A dimensão e a gravidade desta situação, em que estão em causa o exercício das competências do SEF, nomeadamente a nível disciplinar, a investigação dos factos pelo Ministério Público e a desvalorização política do caso por parte do governo têm de ser cabalmente esclarecidas", escreveram os deputados do PSD no requerimento. A audição ainda não foi agendada.