Trump? "É um retrocesso civilizacional enorme não perceber que o mundo tem de avançar com uma matriz renovável", diz líder da APREN
Se os Estados Unidos concretizarem mesmo o que Donald Trump prometeu na tomada de posse - travar novos investimentos em energias renováveis e relançar investimentos em petróleo e gás natural - haverá um "retrocesso civilizacional", segundo Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).
"Não perceber que a matriz energética mundial tem que avançar com uma matriz renovávell, não poluente, é um retrocesso civilizacional enorme", afirma o líder da associação portuguesa que representa produtores de energia renovável.
Pedro Amaral Jorge realça que uma postura "negacionista" não é positiva, mas lembra que o mandato de Trump é limitado a quatro anos e "as lógicas teatrais" já são conhecidas.
Na tomada de posse do 47.º presidente dos EUA, Donald Trump anunciou que ia retirar os EUA do Acordo de Paris e disse que iria travar o setor das energias renováveis - sobretudo a construção de parques eólicos - e incentivar investimentos em petróleo e gás natural.
Já se suspeitava das pretensões de Trump. No início de janeiro, ainda antes da tomada de posse, as empresas de energias renováveis desvalorizavam no mercado de capitais. A EDP Renováveis e a casa-mãe chegaram a desvalorizar quase mil milhões de euros, segundo o Jornal de Negócios.
O presidente da APREN não estranha que o mercado "reaja a quente" nos primeiros momentos, mas acredita que a realidade contrariam as pretensões de Trump e, nesse sentido, o desempenho do setor no mercado bolsista volte a ser positivo.
"É provável que haja uma recuperação do capital, porque uma coisa é o mercado a reagir a quente, outra coisa é analisar os fundamentos, em termos de valores económicos, do que está a ser feito", argumenta.
A APREN não tem dados sobre os investimentos das empresas portuguesas nos EUA. O presidente do organismo refere que conhece o que é público e, por isso, não comenta o nível de exposição das empresas nacionais à realidade energética norte-americana. Os casos da EDP e da Greenvolt são os mais relevantes, com as duas empresas a ter avultados investimentos naquele país - só a EDP diz já ter investidos 20 mil milhões de euros em renováveis.
Mesmo assim considera ser importante "saber ler nas entrelinhas".
Por um lado, o discurso de Trump "foi ao encontro da sua base eleitoral, seguindo uma lógica de propaganda comunicacional". Por outro, põe em evidência que o financiamento dos projetos renováveis foi feito á custa das empresas petrolíferas. Isso, contudo, não significa que o presidente dos EUA possa alterar a realidade energética.
Os EUA têm, desde o último ano, o Inflaction Reduction Act (IRA), um diploma legislalitivo que incentiva a aposta em projetos renováveis para responder às necessidades energéticas dos EUA respeitando as metas do Acordo de Paris.
"O IRA está em curso e há investimentos contratualizados que terão de ser honrados. Acho muito difícil que isso seja invertido. Portanto, aquela reação dos mercados a penalizar empresas na queda dos valores das ações, nomeadamente empresas de base eólica, é uma reação a quente", prossegue.
Além disso, Trump arrisca criar um problema para os EUA. "Se toda a produção [de combustível fóssil] que o presidente norte-americano diz querer incentivar não tiver consumo, os preços do gás vêm por aí abaixo, por exemplo, e, se isso acontecer, vai penalizar as próprias empresas produtoras de gás e petróleo norte-americanas", explica.
"E isso vai fazer com que - se os EUA não quiserem entrar na lógica das empresas petrolíferas em competição com a OPEP - os preços caiam e ninguém nos EUA vai beneficiar disso, nem os produtores de petróleo e de gás natural", acrescenta.
E o que acontece à Europa? "A Europa, por seu lado, tem que perceber que não produz combustíveis fósseis em quantidade suficiente e que tem na agenda das renováveis a oportunidade de conseguir continuar a avançar com a transição energética para ter segurança de abastecimento, para ter segurança energética, para conseguir manter preços fixos", responde.
Mas para isso o Velho Continente terá de "agir" sabendo que "o seu parceiro comercial poderá passar a ter um comportamento que deixe de ser o parceiro preferencial". Pedro Amaral Jorge não se refere às empresas norte-americanas, mas ao que a administração Trump pode fazer.
"O presidente Trump disse que a gasolina vai estar abaixo de um dólar por galão em breve. Não é ele que determina o valor, são os mercados internacionais. Ele não pode fazer aquela promessa a menos que subsidie a gasolina e a produção do petróleo, pegando no dinheiro dos contribuintes [norte-americanos] e o coloque ao serviços das empresas petrolíferas. Se isso acontecer vai ter um impacto do outro lado, porque os Estados só subsidiam se aumentarem a dívida", analisa.
O período é "desafiante", mas o líder da APREN está confiante que a realidade irá contrariar as pretensões de Trump e que, dentro de "dois ou três anos", a situação estabilize.
"O petróleo e o gás natural vão tentar fazer disto uma mensagem que o mundo vai voltar aos combustíveis fósseis. Acho, claramente, impossível que isso aconteça. Por exemplo, se olharmos para o que está a ser feito na China - que tem 50% de toda a potência instalada mundialmente -, para o Paquistão, que "está a começar a eletrificar e a perceber que precisa de renováveis", e a Índia "está ainda nos seus passos iniciais, mas também já percebeu que resolve grande parte do seu consumo elétrico com renováveis".
"E temos que olhar para o setor elétrico como um todo, que vai efetivamente substituir o setor energético do petróleo", diz.