Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN
Pedro Amaral Jorge, presidente da APRENFoto: Gerardo Santos/Global Imagens (Arquivo)

Trump? "É um retrocesso civilizacional enorme não perceber que o mundo tem de avançar com uma matriz renovável", diz líder da APREN

Pedro Amaral Jorge comenta ao DN que as pretensões do presidente dos EUA seguem uma "lógica propagandística". Está confiante que a realidade irá desmentir a vontade da nova adminsitração da Casa Branca, mas refere ser necessário "saber ler nas entrelinhas".
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Se os Estados Unidos concretizarem mesmo o que Donald Trump prometeu na tomada de posse - travar novos investimentos em energias renováveis e relançar investimentos em petróleo e gás natural - haverá um "retrocesso civilizacional", segundo Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

"Não perceber que a matriz energética mundial tem que avançar com uma matriz renovávell, não poluente, é um retrocesso civilizacional enorme", afirma o líder da associação portuguesa que representa produtores de energia renovável.

Pedro Amaral Jorge realça que uma postura "negacionista" não é positiva, mas lembra que o mandato de Trump é limitado a quatro anos e "as lógicas teatrais" já são conhecidas.

Na tomada de posse do 47.º presidente dos EUA, Donald Trump anunciou que ia retirar os EUA do Acordo de Paris e disse que iria travar o setor das energias renováveis - sobretudo a construção de parques eólicos - e incentivar investimentos em petróleo e gás natural.

Já se suspeitava das pretensões de Trump. No início de janeiro, ainda antes da tomada de posse, as empresas de energias renováveis desvalorizavam no mercado de capitais. A EDP Renováveis e a casa-mãe chegaram a desvalorizar quase mil milhões de euros, segundo o Jornal de Negócios.

O presidente da APREN não estranha que o mercado "reaja a quente" nos primeiros momentos, mas acredita que a realidade contrariam as pretensões de Trump e, nesse sentido, o desempenho do setor no mercado bolsista volte a ser positivo.

"É provável que haja uma recuperação do capital, porque uma coisa é o mercado a reagir a quente, outra coisa é analisar os fundamentos, em termos de valores económicos, do que está a ser feito", argumenta.

A APREN não tem dados sobre os investimentos das empresas portuguesas nos EUA. O presidente do organismo refere que conhece o que é público e, por isso, não comenta o nível de exposição das empresas nacionais à realidade energética norte-americana. Os casos da EDP e da Greenvolt são os mais relevantes, com as duas empresas a ter avultados investimentos naquele país - só a EDP diz já ter investidos 20 mil milhões de euros em renováveis

Mesmo assim considera ser importante "saber ler nas entrelinhas".

Por um lado, o discurso de Trump "foi ao encontro da sua base eleitoral, seguindo uma lógica de propaganda comunicacional". Por outro, põe em evidência que o financiamento dos projetos renováveis foi feito á custa das empresas petrolíferas. Isso, contudo, não significa que o presidente dos EUA possa alterar a realidade energética.

Os EUA têm, desde o último ano, o Inflaction Reduction Act (IRA), um diploma legislalitivo que incentiva a aposta em projetos renováveis para responder às necessidades energéticas dos EUA respeitando as metas do Acordo de Paris.

"O IRA está em curso e há investimentos contratualizados que terão de ser honrados. Acho muito difícil que isso seja invertido. Portanto, aquela reação dos mercados a penalizar empresas na queda dos valores das ações, nomeadamente empresas de base eólica, é uma reação a quente", prossegue.

Além disso, Trump arrisca criar um problema para os EUA. "Se toda a produção [de combustível fóssil] que o presidente norte-americano diz querer incentivar não tiver consumo, os preços do gás vêm por aí abaixo, por exemplo, e, se isso acontecer, vai penalizar as próprias empresas produtoras de gás e petróleo norte-americanas", explica.

"E isso vai fazer com que - se os EUA não quiserem entrar na lógica das empresas petrolíferas em competição com a OPEP - os preços caiam e ninguém nos EUA vai beneficiar disso, nem os produtores de petróleo e de gás natural", acrescenta.

E o que acontece à Europa? "A Europa, por seu lado, tem que perceber que não produz combustíveis fósseis em quantidade suficiente e que tem na agenda das renováveis a oportunidade de conseguir continuar a avançar com a transição energética para ter segurança de abastecimento, para ter segurança energética, para conseguir manter preços fixos", responde.

Mas para isso o Velho Continente terá de "agir" sabendo que "o seu parceiro comercial poderá passar a ter um comportamento que deixe de ser o parceiro preferencial". Pedro Amaral Jorge não se refere às empresas norte-americanas, mas ao que a administração Trump pode fazer.

"O presidente Trump disse que a gasolina vai estar abaixo de um dólar por galão em breve. Não é ele que determina o valor, são os mercados internacionais. Ele não pode fazer aquela promessa a menos que subsidie a gasolina e a produção do petróleo, pegando no dinheiro dos contribuintes [norte-americanos] e o coloque ao serviços das empresas petrolíferas. Se isso acontecer vai ter um impacto do outro lado, porque os Estados só subsidiam se aumentarem a dívida", analisa.

O período é "desafiante", mas o líder da APREN está confiante que a realidade irá contrariar as pretensões de Trump e que, dentro de "dois ou três anos", a situação estabilize.

"O petróleo e o gás natural vão tentar fazer disto uma mensagem que o mundo vai voltar aos combustíveis fósseis. Acho, claramente, impossível que isso aconteça. Por exemplo, se olharmos para o que está a ser feito na China - que tem 50% de toda a potência instalada mundialmente -, para o Paquistão, que "está a começar a eletrificar e a perceber que precisa de renováveis", e a Índia "está ainda nos seus passos iniciais, mas também já percebeu que resolve grande parte do seu consumo elétrico com renováveis".

"E temos que olhar para o setor elétrico como um todo, que vai efetivamente substituir o setor energético do petróleo", diz.

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