A semana passada acabou de forma agreste, novamente, para a maior economia do mundo, os Estados Unidos, com o corte na qualidade da dívida do país por parte da Moody's, a última agência que faltava para tirar o rating norte-americano do patamar máximo de AAA, nível onde se encontrava intacto desde 1917.Este grau máximo para a capacidade dos EUA pagarem os seus créditos confere ao país um estatuto de economia sólida e ao dólar uma posição indisputada de moeda de refúgio e a maioria dos ativos, sobretudo as obrigações, como de segurança máxima.A Moody's fez assim o pleno entre as três maiores agências: a Fitch tinha tirado os EUA do primeiro lugar do pódio mundial dos ratings em 2023, a Standard & Poor's fê-lo em 2011.Foi no final do dia de sexta-feira, mas os mercados ainda refletiram o desaire. O dólar caiu bastante, outra vez, as taxas de juro voltaram a subir muito.O Presidente dos EUA, que inaugurou uma guerra tarifária comercial sem precedentes desde finais de março, início de abril, meteu-se em campo e reagiu logo aos anúncios do Walmart, a maior rede de retalho dos EUA, de que as tarifas vão obrigar o gigante dos supermercados a refletir o custo adicional nos preços a cobrar aos clientes, que são milhões na América.Donald Trump foi à internet (a sua rede social Truth) escrever que “a Walmart deve PARAR de tentar culpar as tarifas como razão para aumentar os preços em toda a cadeia. A Walmart ganhou MILHARES DE MILHÕES DE DÓLARES no ano passado, muito mais do que o esperado. Entre a Walmart e a China, eles deveriam, como se diz, “COMER AS TARIFAS” e não cobrar NADA aos seus valiosos clientes".Lagarde espera retoma no consumo das famílias e no investimento das empresasEntretanto, na Europa, a Comissão Europeia divulgará esta segunda as novas previsões para as economias da União Europeia, da Zona Euro e para todos os países destes grupos, Portugal incluído.A presidente do Banco Central Europeu (BCE) tenta meter água na fervura e, este domingo, em entrevista ao jornal La Tribune, disse que "não estou de todo pessimista". "Na Europa, o emprego está a aguentar-se, o poder de compra está a aumentar e a inflação está a cair. O consumo e o investimento vão recuperar, ainda que a incerteza provocada pelos anúncios do governo americano pese sobre a confiança e possa travar essa retoma", afirmou Christine Lagarde.Ciente da destruição em curso na credibilidade da economia norte-americana, a Europa tem tentado, das mais diversas formas, aproveitar.Como? Mais consumo e investimento ligado a grandes planos para defesa e infra-estruturas."O encontro entre Emmanuel Macron [Presidente de França] e Friedrich Merz [Chanceler da Alemanha], a 7 de maio, envia um sinal muito forte. Tal como o anúncio pelo novo chanceler de um programa de investimento em infra-estruturas no valor de 500 mil milhões de euros, para além de um aumento significativo das despesas com a defesa", elogiou a chefe do BCE."Trata-se de uma mudança importante para a Alemanha. Esta parceria franco-alemã, sem a qual poucas iniciativas teriam arrancado, parece empenhada em atuar em conjunto. Certos projetos, como a união dos mercados de capitais, estavam suspensos há alguns anos porque a parceria franco-alemã não funcionava bem", mas "estes dois líderes compreenderam que é necessário mobilizar fundos a nível europeu e construir plataformas para atrair aqueles que querem investir. E há muitos que o querem fazer", defendeu Lagarde na entrevista ao jornal francês.Mercados em stressNo rescaldo do fim-de-semana, vários analistas esperam que o dia de hoje, segunda-feira, volte a ser problemático e de alto stress, depois da decisão da Moody's e do passa-culpas que se seguiu sobre as implicações na inflação dos consumidores americanos entre Trump e o gigante Walmart."A sensação de que a inflação rápida está a corroer o poder de compra das famílias, juntamente com a angústia do mercado de trabalho após um período de quedas do mercado acionista, levou a um declínio do sentimento para novos mínimos. Tanto o índice das condições atuais como o das expectativas caíram", diz James Knightley, economista-chefe para os EUA no grupo financeiro ING, na leitura que faz dos indicadores de confiança elaborados pela Universidade do Michigan, que são muito seguidos pelos economistas norte-americanos.Num comentário publicado no site do grupo, Knightley observa que "as ações tiveram uma forte corrida nas últimas semanas e o desanuviamento das tensões entre os EUA e a China podiam significar que a leitura final de maio, que será publicada dentro de algumas semanas, pode ser melhor do que esta"."No entanto, os consumidores têm razão para esperar preços mais elevados devido às tarifas e, adicionalmente, os cortes nas despesas públicas e o arrefecimento do mercado de trabalho vão continuar a ser motivo de preocupação", avisa o mesmo economista.Segundo o responsável do ING, "a Reserva Federal [conselho dos bancos centrais dos EUA] acredita que houve uma quebra na relação entre o sentimento económico e as despesas" e "a escala das quedas na confiança é agora significativa e temos assim de admitir que os riscos para a despesa vão ser enviesados para o lado negativo e durante algum tempo".E água na fervuraO secretário de Estado do Tesouro dos EUA, o equivalente ao ministro das Finanças, foi a um canal de televisão, que Trump classifica reiteradamente com de "notícias falsas", "fake news", tentar explicar que nem a decisão da Moody's, nem as ameaças dos supermercados, preocupam. Desvalorizou, até. Foi na CNN.Segundo a Reuters, Scott Bessent rejeitou este domingo a redução da classificação de crédito soberano dos EUA pela Moody's, uma decisão emitida numa altura em que o Congresso controlado pelos republicanos tenta avançar com o projeto de lei de corte de impostos do Presidente Donald Trump.Bessent voltou a defender que o pacote de alívio fiscal (que visa sobretudo os mais ricos e as grandes empresas) estimulam o crescimento económico dos EUA e que este efeito compensa o risco de a dívida pública explodir além dos atuais 36,2 biliões de dólares, cerca de 32,4 biliões de euros, ao câmbio atual. Biliões, na nomenclatura vigente em Portugal, são milhões de milhões.“Não dou muito crédito ao corte da Moody's”, atirou Bessent no programa "Estado da União", da CNN.O responsável pelas Finanças dos EUA também minimizou os riscos de inflação decorrentes das tarifas da administração Trump, dizendo que falou com o diretor da Walmart e que os avisos do retalhista sobre os aumentos de preços para os consumidores eram simplesmente "o pior cenário possível"..EUA e China fazem trégua de 90 dias nas tarifas, mas incêndio da incerteza continua