A economia portuguesa já estaria a destruir emprego se não fossem os imigrantes, grupo onde a taxa de contratação continua a superar a dos despedimentos (separações), compensando assim uma quebra na contratação líquida entre os trabalhadores "nacionais" entre 2019 e 2024, a primeira contração desde o primeiro ano completo da pandemia (2021), mostram cálculos do Banco de Portugal (BdP).Dito de outra forma, parece que os aumentos no emprego total, que tem batido recordes sucessivos até agora, puxando pela economia e pelas receitas públicas (mais IRS e descontos para a segurança social), estão a ser possíveis com a forte dinâmica registada na contratação líquida (descontando já os despedimentos ou as terminações de contratos) da população "estrangeira".O Banco de Portugal, pela voz do governador Mário Centeno, conclui, no mais recente boletim económico (dezembro, publicado há cerca de um mês), que "o emprego deverá continuar a crescer, mas com um perfil de desaceleração"."No período pós-pandemia, o crescimento do emprego resultou, em larga medida, da contratação de mão-de-obra estrangeira, que permitiu sustentar o dinamismo da atividade económica", acrescenta o BdP, sublinhando que "estes trabalhadores [estrangeiros] têm compensado o impacto do envelhecimento da população de nacionalidade portuguesa, visível numa menor entrada de jovens no mercado de trabalho" e "ao longo do horizonte de projeção, o emprego deverá aumentar 1,3% em 2024 e desacelerar progressivamente" para 0,8% ele ano e 0,4% em 2027.Um estudo da autoria de Rute Costa, Sónia Félix e Ana Catarina Pimenta, economistas do banco central português, que procede à "análise dos fluxos de contratação e de separação [fenómeno onde se incluem os despedimentos]", afirma que "o mercado de trabalho português é caraterizado por uma forte dinâmica"."As contratações refletem o investimento das empresas em capital humano e o respetivo processo de recrutamento e seleção", ao passo que "as saídas podem ser voluntárias, assumir a forma de despedimento ou de aposentação, entre outras". "Uma fração relevante destas separações decorre de decisões dos trabalhadores, nomeadamente as mudanças de emprego entre empresas".No entanto, quando se avalia o resultado final destes fluxos (contratações menos separações, ou seja, as contratações líquidas), a dinâmica só está a ser positiva no grupo da população estrangeira.Entre os nacionais, a contratação líquida já é negativa, contribuindo assim para travar o emprego total doméstico.Os três economistas revelam que "no ano terminado no segundo trimestre de 2024, o contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de contratação líquida agregada foi de 0,9 pontos percentuais (p.p.), enquanto o contributo dos nacionais foi negativo, -0,2 p.p.".Neste período em análise, "o contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de contratação total da economia foi de 5,4 pp", o que compara com uma ajuda de 6,5 p.p. da parte dos nacionais".No entanto, o emprego dos nacionais está a ser prejudica por uma maior intensidade nas separações (despedimentos, saídas voluntárias, passagem à aposentação)."O contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de separação total da economia foi de 4,5 p.p.", o que compara com um fluxo de saídas muito mais elevado, "de mais 6,8 p.p., no caso dos trabalhadores nacionais"."Esta evolução ocorre a par do aumento da taxa de participação da população de nacionalidade portuguesa para valores historicamente elevados, indicando que a contratação de trabalhadores de nacionalidade estrangeira não está associada a uma menor procura de trabalhadores nacionais", acrescenta o novo estudo com a chancela do BdP.Agricultura, turismo e construção explicamAs explicações para a dinâmica mais forte do mercado de trabalho entre as populações imigrantes ou estrangeiras são conhecidas. Os setores agrícola, das pescas, as atividades do turismo (alojamento e restauração), a construção, todos dependem muito e cada vez mais da mão-de-obra imigrante. Por serem mais baratos, mas também porque são os mais disponíveis a aceitar certos tipos de trabalho.Com as restrições maiores à entrada e à legalização de estrangeiros, muitos empresários começaram a queixar-se de constragimentos a encontrar mão-de-obra disponível ou suficiente para prosseguirem com as suas operações. A agricultura e o turismo têm sido alguns dos ramos cujos responsáveis têm sido mais verbais a denunciar essa escassez.Seja como for, até meados do ano passado,"os contributos dos trabalhadores com nacionalidade estrangeira para as taxas de contratação foram superiores aos dos trabalhadores nacionais nos setores da agricultura e pesca (21,8 p.p, vs. 5,8 p.p., respetivamente), da construção (8,8 p.p. vs. 6 p.p.), do alojamento e da restauração (9,4 p.p. vs. 8,6 p.p.) e das atividades administrativas (12 p.p. vs. 11,6 p.p.)", indica o estudo.Ao mesmo tempo, "as taxas médias de separação [saídas] dos trabalhadores estrangeiros foram inferiores às dos nacionais, exceto nos setores da agricultura e pesca (20,7 p.p. vs. 6,3 p.p.) e da construção (7,2 p.p. vs. 6,2 p.p.).Ou seja, nestes dois setores, a rotatividade ou até a precariedade parecem ser superiores entre os imigrantes do que entre os empregados de nacionalidade portuguesa.Tudo considerado, isto é, descontando o efeito dos despedimentos e outras saídas ao fluxo bruto de recrutamento (contratação), os economistas concluem que "os contributos dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para as taxas de contratação líquida foram superiores aos dos trabalhadores nacionais na generalidade dos setores de atividade, à exceção das atividades financeiras e dos seguros, das atividades de consultoria e científicas, e das atividades artísticas e desportivas".Os impulsos para o emprego total da parte dos trabalhadores imigrantes foram, sem surpresa, "especialmente elevados" nos setores do alojamento e da restauração, da construção, das atividades administrativas, da agricultura e pesca e dos transportes e armazenagem."Por sua vez, os contributos [líquidos] dos trabalhadores nacionais foram negativos em metade dos setores em análise, destacando-se os contributos negativos nos setores da indústria transformadora, das atividades administrativas, da agricultura e pesca (-0,6 pp) e do alojamento e da restauração (-0,4 pp)", concluem os peritos.Indústria abanaPara já, é a indústria transformadora que tem vindo a somar mais desaires, com muitos anúncios de fechos de fábricas, algumas delas antigas, e consequentes planos de despedimento, afetando milhares de postos de trabalho.Como noticiou recentemente o DN, “ número de trabalhadores efetivamente despedidos em processos de despedimento coletivo está a aumentar ao ritmo mais agressivo desde o início a pandemia, tendo dado um salto de quase 40% no período de janeiro a outubro deste ano face ao valor total registado em 2023, indicam cálculos do nosso jornal com base nos dados oficiais da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), tutela do Ministério do Trabalho.Em 2024, as empresas anunciaram formalmente a intenção de despedir 5.253 pessoas desde o início do ano, tendo efetivamente deitado fora 4.959 trabalhadores.De acordo com o mesmo levantamento do DN, os maiores problemas desde o início de 2024 estão sobretudo concentrados em dois setores: o mais fustigado está a ser a indústria transformadora, que responde por mais de 27% do total de pessoas despedidas desde janeiro do ano passado. Em segundo lugar, surge o comércio, que contribuiu com mais de 23% do número de trabalhadores já dispensados. Ou seja: metade do fenómeno do despedimento coletivo está concentrado nestes dois ramos de atividade.Mas há outros sinais, mais prospetivos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou o indicador que sintetiza a opinião sobre o emprego futuro na indústria transformadora (o INE pergunta aos empresários se ao longo dos próximos três meses, a tendência para o número de trabalhadores nas respetivas empresas será de aumento, estabilização ou diminuição): este caiu abruptamente no final do ano passado, apontando para uma situação de congelamento ao nível de postos de trabalho. É preciso recuar ao início de 2020, tinha acabado de começar a pandemia, para encontrar um sentimento mais negativo do que o atual.Este sentimento é consistente com o que está a acontecer no emprego de facto. Segundo o INE, o número de postos de trabalho na indústria transformadora caiu quase 1% no terceiro trimestre face a igual período de 2023.O setor secundário (industrial) emprega mais de 822 mil pessoas em Portugal, vale 16% do emprego nacional, de acordo com o principal inquérito trimestral do INE sobre o mercado de emprego.