Os preços dos terrenos rústicos vão disparar”. Esta é a convicção de Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, face à possibilidade de reclassificar solos rústicos em urbanos para construção de habitação, conferida pelo Governo na revisão da chamada lei dos solos. “Ficam com capacidade construtiva e passam a valer muito mais, Os proprietários vão querer vender a preços de mercado”, frisa.Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, lembra que “o valor do terreno representa, em média, cerca de 20% do custo total de um imóvel”. Neste prisma, a redução de custos pelo aumento da oferta de solos derivado da reclassificação de rústicos em urbanos (logo edificáveis) para fins habitacionais “será limitada e insuficiente para responder à necessidade de habitação acessível”, defende.Nas contas de Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, o peso do custo de um terreno no total de uma habitação situa-se entre 15% e 45%, dependendo do preço de fatores como a localização, a capacidade construtiva ou a afetação. Já os materiais de construção, equipamentos e mão de obra, em média, deverão representar cerca de 80% a 90% dos custos de edificação.Estes dados parecem comprometer os objetivos do Governo quando avançou com a alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), a designada lei dos solos, de forma a permitir a construção para habitação em solos rústicos. “A maior disponibilidade de terrenos facilitará a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis”, justifica o executivo no decreto-lei já promulgado pelo Presidente da República - apesar de afirmar “constituir um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território -, e publicado a 30 de dezembro último.Hugo Santos Ferreira defende que a medida do Governo “é positiva, porque vem resolver um problema da falta de disponibilidade de solo para construir habitação”. E aponta: “No longo prazo, está bem pensado, mas no curto prazo não resolve” o problema dos preços. Na sua opinião, casas a valores comportáveis pelas famílias portuguesas exigem “a redução do IVA para 6% e a operacionalização do Simplex do licenciamento”. Reis Campos também sublinha “a importância da redução da taxa do IVA (de 23% para 6%) para mitigar os efeitos dos custos associados ao licenciamento dos projetos, ao aumento do preço das matérias-primas, energia, materiais e da mão de obra, que têm um impacto significativo no custo final da construção”. Não deixa, contudo, de considerar que o aumento da quantidade de terrenos disponíveis irá “contribuir para o alívio da tendência de evolução dos preços da habitação”. .Nova lei dos solos vai a discussão no Parlamento dia 24 . Preços moderadosA Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) reconhece “a oportunidade e importância das medidas de flexibilização propostas” na procura de respostas ao problema do acesso à habitação, mas tem dúvidas que os preços das casas construídas por privados venham a estar de acordo com as possibilidades financeiras de muitas famílias. Isto porque fica estabelecido na lei que a promoção privada deverá ter em conta “habitação de valor moderado”.O novo decreto-lei lei estabelece que “valor moderado” é aquele “em que o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125 % do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225% do valor da mediana nacional.” Refira-se que a mediana é o valor do meio de uma amostra de dados, não é uma média.“Os resultados da aplicação prática desta equação geram dúvidas e poderão resultar excessivos para muitas famílias”, alerta a ANMP no parecer ao projeto de decreto-lei. Num exercício à realidade de Lagos, Algarve, a associação conclui que a aplicação da definição de valor moderado “redundaria num preço de venda de 380 000€ para fração de 100 m2”. Hugo Santos Ferreira admite que há regiões do país onde esta fórmula “não serve absolutamente para nada”, como é o caso da região de Lisboa. “Para zonas muito inflacionadas não serve. Pode ser interessante para a região do Porto, dependendo do preço do terreno”, diz. Mas com a pressão do mercado “rapidamente deixará de interessar”. Já o presidente da associação das construtoras descarta a possibilidade de preços inflacionados. “Os terrenos reclassificados não irão ser transacionados aos preços atuais de mercado, quer porque se encontram na periferia das áreas urbanas, zonas menos apetecíveis do ponto de vista imobiliário, quer porque a lei impõe sérias limitações à afetação dos terrenos, bem como ao preço de venda final dos imóveis construídos”, diz Reis Campos. E recorda que a nova lei exige que 70% da área total de construção acima do solo seja destinada a habitação pública ou a habitação de valor moderado.A ANMP lembra ainda que o Governo, quando apresentou o programa “Construir Portugal”, anunciou que iria alterar a lei dos solos para permitir o uso de terrenos rústicos para soluções sustentáveis de habitação. Nessa altura, o executivo revelou que o objetivo era reforçar a habitação a custos controlados, responder às carências no alojamento temporário e na oferta de casas para funções como professores, forças de segurança, trabalhadores agrícolas, industriais e do setor turístico. No entanto, a nova lei é omissa quanto a estas duas últimas necessidades, assim como à habitação para arrendamento acessível que também constava do programa. Refira-se que a decisão de reclassificação dos solos terá de ser avaliada pelas autarquias, sendo que caberá às assembleias municipais a decisão final.Descer impostosPara Hugo Santos Ferreira, o aumento da oferta de habitação a preços adequados às famílias está dependente dos impostos. “Enquanto não se baixar o IVA na construção para habitação não vai haver casas a preços acessíveis. Pode-se inventar o que se quiser, que não vai haver”, frisa. Na sua opinião, a crise habitacional poderá ser resolvida com um regime excecional e provisório para o IVA a 6%, reforço da oferta de solos e licenciamentos rápidos. O mesmo defende Paulo Caiado. É necessário que “o Estado disponibilize terrenos, isente a estrutura fiscal que incide sobre a construção e dê a estes processos um prazo de licenciamento especialmente rápido” para se conseguir “preços realmente acessíveis”.Os reparos ao novo regime estão longe de ficar por aqui. Desde que conheceu a luz do dia que não param de chover críticas ao corpo normativo, chamadas de atenção e alertas às potenciais consequências da sua aplicação. Vêm de partidos da oposição e da sociedade civil. O decreto-lei entra em vigor no fim deste mês.