A pintura é “Peónia e narciso” (pormenor), uma das obras mais representativas de Wu Changshuo. No período das dinastias Tang e Song (618-1279 d.C.) atingiu-se o ponto culminante da evolução da pintura tradici
A pintura é “Peónia e narciso” (pormenor), uma das obras mais representativas de Wu Changshuo. No período das dinastias Tang e Song (618-1279 d.C.) atingiu-se o ponto culminante da evolução da pintura tradiciD.R. / Macao Daily News

Pintura tradicional chinesa: uma combinação de formas e espíritos

A arte da pintura chinesa tem uma história extensa, indo das pinturas em seda dos Períodos da Primavera e Outono, às obras que definiram o seu conceito autêntico, nas dinastias Wei, Jin e seguintes, até às paisagens, flores e pássaros tão distintivas e num estilo marcantemente tão diferente da arte pictórica ocidental.
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Para quem já assistiu ao filme de animação O Panda do Kung Fu, o estilo de pintura com a tinta chinesa visto no filme é impressionante e nele podem encontrar-se muitos elementos da pintura tradicional chinesa. A arte da pintura chinesa possui uma rica herança histórica e uma estética distintiva, que é muito diferente da pintura ocidental originada na Grécia Antiga e em Roma.

Falámos da técnica de fabrico do papel. Qual era o material utilizado pelos chineses  para pintar antes da invenção do papel? A seda. Nos períodos das Primaveras e Outonos e dos Reinos Combatentes (770 a.C. - 221 a.C.), os chineses antigos utilizavam pigmentos minerais como o cinábrio, a azurita e a malaquite para criar pinturas em tecidos de seda.

A pintura em seda mais antiga conhecida na China é a Figura Com o Dragão e a Fénix, datada aproximadamente entre 350 a.C. e 221 a.C. Esta obra apresenta uma mulher com as mãos unidas em prece e as figuras míticas do dragão e da fénix, representando a ascensão da alma do falecido ao céu com a orientação do dragão e da fénix. Podemos observar nesta peça as técnicas de pintura que já existiam na China há mais de dois mil anos.

A peónia, sendo uma flor muito apreciada na cultura chinesa, é símbolo da bom agouro, riqueza e prosperidade. Em “Peónia e narciso” (de cuja obra, aqui se vê apenas um pormenor), o pintor Wu Changshuo - famoso artista especialista em motivos florais da Dinastia Qing - manifesta os seus calorosos votos de boa saúde e longevidade aos idosos. Foto: D.R. / Macao Daily News

A pintura tradicional chinesa surgiu oficialmente durante o período das dinastias Wei e Jin (220-589 d.C.), quando eram amplamente utilizados os “quatro tesouros do escritório”, nomeadamente: o bi (pincel), o mo (tinta), o zhi (papel) e o yan (tinteiro).

Naquele tempo, o retrato era o principal tema da pintura e o famoso pintor Gu Kaizhi formulou a teoria de “capturar o espírito através das formas”, que visa focalizar a essência e a personalidade interna do sujeito por meio de Xing (forma física).

Esta perspetiva distingue-se da pintura ocidental, que enfatiza a anatomia precisa e as proporções corretas dos ossos e músculos humanos. Na pintura tradicional chinesa, as figuras humanas frequentemente renunciam ao realismo estrito, com os corpos que podem parecer desproporcionais, mas ainda se consegue reconhecer, num curto espaço do tempo, as características e a personalidade do sujeito.

No período das dinastias Tang e Song (618-1279 d.C.) atingiu-se o ponto culminante da evolução da pintura tradicional chinesa e a arte de pintar figuras humanas foi aprimorada. Destacaram-se as criações do pintor Wu Daozi da Dinastia Tang, que se notabilizaram pela sua vitalidade, permitindo, por exemplo, o efeito tridimensional das vestes, como se estivessem a pairar, levadas pelo vento.

Este período também viu o florescimento sem precedentes da pintura de paisagens, flores e pássaros. A pintura das paisagens chinesas favorece os panoramas naturais como montanhas, árvores, rochas, nuvens, águas e cascatas, sem buscar a réplica das regras de perspetiva ocidentais baseadas no princípio de “mais perto maior, mais longe menor”. Em vez disso, com as suas múltiplas camadas de elementos naturais, busca transmitir a essência poética e a harmonia do cenário como uma peça só, assemelhando-se, em alguns aspetos, à pintura impressionista.

A imagem representa uma secção da “Casa Montanhosa em Fuchun”, uma pintura paisagística criada em 1350 pelo famoso pintor da Dinastia Yuan, Huang Gongwang. Foto: D.R. / Macao Daily News

É curioso observar que nestas pinturas aparecem muitas vezes uma ou duas figuras humanas simples, tão pequenas como um grão de feijão, que ocupam uma parte muito reduzida do quadro. Contudo, estas figuras são componentes cruciais da pintura de paisagens, pois os pintores chineses acreditam que apenas a presença da figura humana pode dar vida à cena natural.

Nas dinastias Yuan, Ming e Qing, a pintura literária assumiu a posição de liderança no panorama artístico. Os pintores costumavam enriquecer as suas obras com poemas e selos pessoais, conferindo à pintura chinesa o estatuto de arte integrada que combina as disciplinas de pintura, poesia, caligrafia e selagem.

A pintura tradicional chinesa não é uma arte exclusiva dos literatos. Os trabalhadores também são protagonistas da criação artística, o que nos remete a uma importante faceta da pintura chinesa - a pintura folclórica. Este tipo de pintura capta primordialmente a vida diária das pessoas comuns, ostentando um vincado realismo e ilustrando o dinamismo dos antigos centros urbanos chineses, a animação das ruas e mercados, bem como as cenas da vida rural.

Em julho de 2023, na cidade de Xiamen da Província de Fujian, foi apresentada uma versão eletrónica do rolo “Festival Qingming Junto ao Rio”, que permitiu aos visitantes uma experiência imersiva na apreciação da pintura. Foto: D.R. / Macao Daily News

Um exemplo representativo deste estilo é o rolo Festival Qingming Junto ao Rio, criado entre 1085 e 1145 d.C. Esta obra, com 25,5 centímetros de largura e 5,25 metros de comprimento, apresenta mais de 800 figuras humanas e 30 construções, oferecendo-nos uma visão fascinante da paisagem natural e da vida urbana da capital chinesa de há mais de mil anos, assim como um vislumbre autêntico do quotidiano das pessoas de diversas ocupações.

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