Peso da dívida deve cair metade, mas credores avisam que Portugal tem de manter ritmo elevado
Foto: Leonardo Negrão

Peso da dívida deve cair metade, mas credores avisam que Portugal tem de manter ritmo elevado

Governo prevê redução de 4% do PIB em 2026. Comissão Europeia vê metade (menos 2% do PIB), Conselho das Finanças Públicas, menos ainda (1,5% do PIB).
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Nos últimos anos, sobretudo desde 2021, quando Portugal conseguiu finalmente baixar de forma mais musculada o peso da dívida pública (medido em percentagem do PIB - Produto Interno Bruto), a nota da qualidade de crédito soberano (rating) voltou a níveis de “investimento” (deixou se ser um ativo especulativo) e o País beneficiou disso, com as taxas de juro a estabilizarem, já com o Banco Central Europeu (BCE) a descontinuar os valiosos programas de compras.

Para manter a vaga apreciada pelos mercados e credores, é necessário que o rácio da dívida continue a receder a, pelo menos, como projetou o atual governo, quatro pontos percentuais do PIB em 2026. A Comissão Europeia (CE) prevê metade (menos 2% do PIB), o Conselho das Finanças Públicas (CFP), menos ainda (1,5% do PIB).

As taxas de juro de mercado de longo prazo subiram no período pós-pandemia, é certo, mas hoje (e desde finais de 2022) seguram-se num planalto ligeiramente acima de 3% (obrigações a dez anos), apesar da incerteza crescente e das revisões em baixa do crescimento. Aconteceu o mesmo com outros países da Zona Euro, aliás, portanto, não é um fenómeno particular português.

O que é particular em Portugal é que todos os observadores consideram que o peso da dívida pública, mesmo a recuar, continua demasiado elevado. É um perigo latente, se acontece algum incidente maior nos mercados.

Por isso, de acordo com vários analistas, agências de ratings incluídas, Portugal tem no ritmo avassalador da redução da dívida um trunfo que, a partir de agora, não deve desperdiçar.

São as primeiras reações às últimas previsões que apontam para uma maior exigência ou dificuldade no cumprimento dessas metas.

Como referido, a tendência é para que o peso da dívida continue a cair, mas a um ritmo bastante inferior. O governo ainda em funções antecipa uma redução de 94,9% do PIB em 2024 (número oficial apurado pelo Banco de Portugal) para 91,5% este ano e 87,2% no ano que vem (segundo o Programa de Estabilidade do ano passado, este ano não houve uma atualização por causa da crise política).

A CE toma nota do esforço, mas já diz que vai ser menos: o fardo da dívida cai de 91,7% este ano para 89,7% no próximo.

A tendência captada por Bruxelas advém disto: “a orientação orçamental de Portugal deverá manter-se expansionista em 2026, com base num cenário de políticas inalteradas” e, “no ano que vem, prevemos que o saldo das administrações públicas se transforme num défice de 0,6% do PIB”

Isto “reflete o impacto das medidas de política orçamental, como a redução da taxa do imposto sobre o rendimento das empresas e o investimento público financiado por empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência”.

Segundo a Comissão, “os riscos para as perspetivas orçamentais são descendentes [negativos] e estão relacionados, nomeadamente, com os atuais pedidos de reequilíbrio financeiro das parcerias público-privadas [PPP] e as vulnerabilidades financeiras no setor das empresas públicas”.

É, justamente, o tipo de exigências orçamentais que obriga o Estado a recorrer a mais dívida ou a não amortizar tanta quanto previa. Isso e os passivos contingentes relacionados com as operações em regime de PPP.

O ministro das Finanças em exercício, Joaquim Miranda Sarmento, diz que não sabe se vai continuar na pasta (é decisão do primeiro-ministro), mas também não esconde a “exigência” do momento.

Uma das chaves para reduzir o peso da dívida, senão a maior, é o crescimento da economia. Quanto mais crescer a economia, mais se dilui o peso do endividamento. Com o saldo orçamental é igual.

Miranda Sarmento disse em entrevista à RTP3 que a sua estimativa de 2,4% para este ano “não está descartada, mas é mais exigente”.

Para já, mesmo com o caos da guerra comercial e do impasse em investimentos empresariais por causa da quebra na confiança, “os números que temos apontam para crescimento acima de 2% com toda a incerteza que existe, recessão nos EUA, tarifas muito elevadas, ou seja, vários fatores de incerteza”, sublinhou Miranda Sarmento, na mesma entrevista.

A última instituição oficial a abordar o tema do “risco” e da “incerteza” e as suas implicações para a consolidação orçamental portuguesa foi o Banco de Portugal (BdP), na passada quarta-feira.

Segundo o banco central, dirigido por Mário Centeno, “é fundamental para a estabilidade financeira manter uma trajetória de redução do rácio da dívida pública portuguesa, respeitando os critérios de sustentabilidade e as regras orçamentais da União Europeia (UE)”.

“A médio prazo, os desafios orçamentais poderão ser ampliados pela estratégia europeia de aumento de despesa com defesa, devendo-se preservar margens contracíclicas para eventuais abrandamentos da atividade económica”, diz o BdP no Relatório de Estabilidade Financeira.

“Entre os principais riscos para as administrações públicas da Zona Euro, destacam-se a possível deterioração das condições de financiamento da dívida soberana face ao contexto geopolítico e a necessidade de investimento público em áreas estratégicas, agravada por um eventual abrandamento da atividade”.

O BdP insiste que “a médio prazo, os desafios orçamentais serão marcados pelo aumento da despesa com defesa que, apesar de um potencial contributo positivo para a economia europeia, direta e indiretamente, através de inovação e desenvolvimento tecnológico, poderão exigir uma maior receita fiscal e/ou endividamento”.

“Apesar da consolidação das contas públicas na última década, do reforço das instituições europeias para evitar fragmentação e garantir os mecanismos de transmissão da política monetária, e da melhoria das notações de crédito, é fundamental manter a trajetória de redução do rácio da dívida pública portuguesa, respeitando critérios de sustentabilidade e as regras orçamentais da UE”, conclui o Banco.

O que dizem as agências de ratings, a voz dos credores

Os analistas consultados são da mesma opinião.

Uma das mais influentes, a maior agência de notação da dívida, a Standard & Poor's, comenta o caso português e o rescaldo das eleições legislativas que geram, na sua opinião, um risco de “fragmentação política” que pode alterar o curso das finanças públicas, até aqui elogiado e merecedor de um rating A, um nível de “investimento” e o melhor em décadas.

A equipa de avaliadores aponta que, para já, “a trajetória orçamental de Portugal continua no bom caminho, apesar de o país vir a ter, muito provavelmente, um governo minoritário na sequência das eleições legislativas de 18 de maio”. No entanto, “a fragmentação política persiste e poderá atrasar a implementação das reformas”.

“A coligação de centro-direita Aliança Democrática, liderada pelo atual primeiro-ministro Luís Montenegro, obteve uma maioria relativa, mas não absoluta”, embora o partido tenha “reforçado a sua posição, aumentando uma quota de votos para 33% e obtendo mais lugares no Parlamento”.

Na ótica da S&P, “tal como no seu anterior mandato, Luís Montenegro anunciou que irá provavelmente formar um governo minoritário”.

Mesmo com um partido que venceu “claramente” as legislativas, o avaliador insiste no risco da “atual fragmentação política, uma vez que estas são as terceiras eleições gerais em Portugal em apenas três anos”.

“Apesar da volatilidade política, projetamos a manutenção de um excedente orçamental público em 2025, pelo terceiro ano consecutivo”.

Pelas contas da S&P, o saldo público deve ficar “próximo do objetivo de 0,3% do PIB previsto no orçamento de 2025”, contando ainda com o histórico das transições políticas anteriores desde 2015, que “não desencadearam grandes perturbações económicas ou derrapagens orçamentais”.

Mas, para a agência de ratings, “podem surgir riscos orçamentais em 2026”.

“O governo pode não conseguir aprovar o orçamento de 2026, mas pode continuar a funcionar com o orçamento responsável de 2025, garantindo a diminuição da dívida pública em relação ao PIB”.

Mas, tudo considerado, a S&P afirma que “Portugal está sob pressão para aumentar as despesas com a defesa de 1,5% do PIB para o objetivo da NATO de 2%, ainda que os fundos europeus amorteçam esse impacto orçamental”.

“Esta situação pode abrandar a descida da dívida pública em percentagem do PIB em 2025-2028, mas para já é pouco provável que inverta a tendência”, concluem os da Standard & Poor’s.

Portugal e os restantes soberanos são observados regularmente por cinco agências de rating. São elas a S&P, Moody's, Fitch, DBRS Morningstar e, desde finais de 2023, pela Scope, um novo avaliador que passou nos testes de qualidade e foi aceite e homologado pelo BCE.

Eiko Sievert, o analista responsável por Portugal da Scope, considera que até aqui tudo bem, mas que os riscos negativos agora acumulam-se, neste novo contexto político.

O economista recorda que “Portugal alcançou progressos substanciais na redução da dívida pública, com o rácio dívida face ao PIB a diminuir de 134,1% em 2020 para 94,9% em 2024, apoiado por elevados excedentes primários e uma gestão orçamental prudente”.

Assim, “ainda prevemos que os níveis da dívida continuem a diminuir, mas a um ritmo mais lento, para cerca de 84% em 2027 e 75% em 2030, impulsionados por um crescimento económico ainda resiliente e pela disciplina orçamental, isto apesar dos desafios orçamentais decorrentes do aumento dos custos das prestações sociais e das iniciativas de apoio ao rendimento das famílias e das empresas”.

Mas “há desafios em matéria de notação”. “O primeiro é o elevado, embora decrescente, volume da dívida pública”, “o segundo, é o potencial de crescimento limitado, que reflete as tendências demográficas de envelhecimento, com impacto na população ativa e nas despesas públicas, bem como a baixa produtividade”.

Em terceiro lugar, o analista da Scope aponta para “a vulnerabilidade a choques, dado que Portugal é um pequena economia aberta e tem uma elevada dependência do capital estrangeiro em comparação com os seus pares”.

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