CFP. Esforço com defesa agrava défice público e dívida todos os anos até 2029
O excedente orçamental público deverá desaparecer de vez este ano, mas as contas públicas portuguesas deverão, ainda assim, manter-se em equilíbrio, isto é, o saldo final deve ficar em 0% do Produto Interno Bruto (PIB), prevê o Conselho das Finanças Públicas (CFP) num novo estudo, divulgado esta quinta-feira. Depois o défice regressa e um dos novos fatores de pressão negativa sobre o saldo público será a despesa militar, que agravará o défice e a dívida de forma significativa e permanente.
Ainda sem computar os efeitos das políticas destrutivas de Donald Trump nas tarifas (e num cenário de políticas invariantes, isto é, sem novas medidas além das que hoje vigoram), o CFP acrescenta que Portugal regressará aos défices públicos já em 2026 e que as contas públicas permanecerão deficitárias daí em diante.
No novo estudo "Perspetivas Económicas e Orçamentais 2025-2029", a entidade que avalia a qualidade das finanças portuguesas, presidida por Nazaré da Costa Cabral, revê ainda o crescimento deste ano em baixa ligeira, mas isto ainda sem contar com os efeitos destrutivos esperados com o agravamento da guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos, e com maior agressividade desde o anúncio das tarifas recíprocas de 2 de abril.
Portugal vai crescer menos este ano do que o esperado há seis meses, cerca de 2,2% em vez de 2,4%.
Mais defesa, mais despesa
O CFP "revê em baixa a projeção orçamental de médio prazo face à apresentada em setembro, em resultado da incorporação na atual projeção do impacto orçamental de medidas de política económica de aumento da despesa pública e de redução da receita".
"Para 2025 projeta-se um saldo orçamental equilibrado (0% do PIB), embora a projeção seja sensível a alguns fatores como o grau de execução do investimento público, dos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e evolução dos impostos diretos, em particular do IRS, e da utilização de mecanismos de contenção orçamental, pelo que não se pode excluir a possibilidade de um ligeiro excedente orçamental", mas "a partir de 2026, na hipótese de manutenção das políticas em vigor, aponta-se para o regresso a uma situação de défices orçamentais", refere o Conselho no novo estudo.
Assim, "para 2026 projeta-se um défice de 1% do PIB e para os anos seguintes até 2029 perspetiva-se uma estabilização do défice orçamental em torno de 0,6% do PIB" e "o rácio da dívida deverá diminuir em 9,5 pontos percentuais (p.p.) do PIB entre 2024 e 2029, atingindo 85,4% do PIB nesse ano".
No entanto, o CFP decidiu já estimar o impacto no saldo orçamental e na dívida pública (em contas nacionais, o que é relevante para o Pacto de Estabilidade) que decorre da "concretização da meta de gasto de 2% do PIB em despesas em defesa", isto é, do adicional de gastos equivalente a 0,5% do PIB em defesa todos os anos face à meta atual (antes das pressões de Trump e da NATO - Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é de 1,5% do PIB.
Esta despesa inclui investimentos e despesas correntes, como salários e consumos intermédios.
"Considerando uma convergência linear em quatro anos com um acréscimo anual de 0,125 p.p. do PIB até se atingir os 2% de despesa com defesa em 2029, chegar-se-ia nesse ano a um défice orçamental 0,6 p.p. do PIB mais elevado do que projetado em políticas invariantes e o rácio da dívida pública agravar-se-ia em 1,3 p.p. do PIB", calcula o CFP.
E antes de 2029, o prejuízo para as contas públicas também acontece todos os anos, indicam as contas do Conselho.
O impacto negativo no saldo público do adicional exigido pela NATO rondará 0,1% do PIB em 2026, 0,3% em 2027, 0,4% em 2028 e 0,6% em 2029.
Na dívida, o impacto do esforço acrescido com a área militar também é sempre em crescendo entre 2026 e 2029: mais 0,1% do PIB no rácio da dívida de 2026, mais 0,4% em 2027, 0,8% em 2028 e 1,3% em 2029, informa o CFP.
"Salienta-se o impacto que esta despesa terá quer na evolução do saldo orçamental, quer da dívida pública, afetando a sua sustentabilidade", avisa a instituição.
Incerteza galopante
Seja como for, a incerteza financeira e económica global reina e é cada vez maior.
O Conselho repara que "a presente projeção encerra riscos macroeconómicos e orçamentais descendentes, nomeadamente o ressurgimento do protecionismo e o aumento das barreiras alfandegárias; a persistência de múltiplos conflitos armados ativos; a volatilidade nos mercados financeiros e a possibilidade de as taxas de juro se manterem elevadas por um período mais longo; e a ocorrência de eventos climáticos extremos, cuja frequência é crescente".
A nível interno, os riscos negativos mais salientes são "a possibilidade de o investimento público crescer a um ritmo inferior ao esperado, assim como atrasos adicionais na implementação financeira do PRR".
"Em sentido contrário, num contexto de descida sustentada da inflação, e de taxas de poupança em níveis historicamente elevados, a procura interna pode surpreender. Ao mesmo tempo, à semelhança do passado recente, o crescimento do emprego pode ser superior ao antecipado."
O CFP alerta ainda que até 2029 Portugal enfrenta "riscos e fatores não considerados no cenário orçamental em políticas invariantes que podem penalizar o saldo orçamental, incluindo (i) uma possível subestimação do Complemento Solidário para Idosos após 2025; (ii) uma contribuição financeira de Portugal para o orçamento da União Europeia mais elevada e eventuais futuros apoios à Ucrânia; (iii) a materialização de responsabilidades contingentes: (iv) o desenvolvimento de grande obras públicas (por exemplo, o aeroporto de Lisboa), dado que os montantes implicados não são conhecidos".