A DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor e mais 24 organizações congéneres europeias, sob coordenação do The European Consumer Organisation (BEUC), entregaram esta quinta-feira (dia 5) à Comissão Europeia uma queixa contra a Shein por uso de dark patterns (em português, padrões obscuros) na sua estratégia comercial. A queixa, que é apresentada no Dia Mundial do Ambiente, tem por base uma monitorização ao longo de vários meses ao website e app da plataforma chinesa. Segundo defendem, estas técnicas configuram práticas desleais de comércio e incentivam compras por impulso e excessivas, contrariando a lei europeia sobre consumo. A confirmarem-se as acusações, a Shein pode ser alvo de sanções, nomeadamente multas.O estudo ao modus operandi da Shein, que decorreu entre Novembro de 2024 e maio deste ano, detetou o uso de mensagens que ativam comportamentos de consumo pouco refletidos, com impacto económico na carteira dos consumidores. “Apressa-te! Quase esgotado”, “Venda relâmpago”,“Ofertas especiais só para ti”, “Restam apenas x” peças, “Tens a certeza de que queres sair? Perdes uma recompensa de 200 euros”, são alguns dos exemplos de comunicação da Shein com que as associações europeias de defesa dos consumidores se depararam. Também registaram a existência de cronómetros de contagem decrescente falsos, tentativas de forçar o registo na plataforma, scroll infinito (utilizador sem acesso a dados de contacto, termos e condições e política de devolução) e nagging (avalanche de notificações não solicitadas). Tudo técnicas integradas no conceito de dark patterns.Estas entidades defendem que estes métodos traduzem “práticas comerciais desleais que conduzem a graves consequências nefastas para os consumidores e para a sociedade em geral”. No relatório “Como a gigante da fast fashion Shein usa dark patterns para incentivar o consumo excessivo”, a que o DN teve acesso e que suporta a queixa apresentada na Comissão Europeia, consideram que tais práticas” promovem gastos excessivos e geram prejuízos económicos para os consumidores”. Alertam ainda para o “consumo excessivo de roupa, que muitas vezes também contém químicos nocivos, enganando e desmotivando os consumidores nos seus esforços para a transição verde”. Como sintetiza Susana Correia, jurista da DECO, “é um cocktail tóxico”.O relatório cita um estudo da Citizens Advice, membro da BEUC no Reino Unido, sobre dark patterns no comércio eletrónico que concluiu que 8,5 milhões de pessoas gastaram dinheiro em artigos que não queriam, precisavam ouse arrependeram devido a esses métodos. Foram gastos quase 2,1 mil milhões de libras (2,5 mil milhões de euros ao câmbio atual), num movimento impulsionado pela forma como as empresas concebem os seus websites e aplicações. O prejuízo por consumidor foi calculado em 328 euros. A Citizens Advice divulgou ainda que 27% compraram o produto errado devido a informações enganosas, 25% compraram porque os artigos foram inicialmente anunciados como mais baratos, 22% sentiram-se pressionados a fazer uma compra devido a alertas de stock limitado e 21% sentiram-se pressionados a concretizar a operação por causa de cronómetros de contagem decrescente.Lei por cumprirNo estudo, as associações consideram “altamente duvidoso” que as comunicações de fim de stock e similares se baseiem em informação genuína e fidedigna. “Parecem ser concebidas para manipular e colocar os consumidores num estado de espírito que pode ter impacto na sua capacidade racional de tomada de decisões”, lê-se. Segundo Susana Correia, a análise ao website e à app da Shein permitiu verificar que anúncios de stock limitado continuavam em vigor uma semana depois do primeiro destaque. Por isso, apelam à Comissão Europeia para que obrigue a Shein a comprovar que está realmente a publicitar fins de coleção. Como frisa Susana Correia, Bruxelas “pode obrigar a Shein a fazer prova de verdade”. Há vários artigos da legislação europeia que podem travar o uso de dark patterns, nomeadamente a diretiva comunitária que proíbe práticas comerciais desleais entre empresas e consumidores, frisam as 25 associações que assinam o relatório. “Consideramos que a Diretiva 2005/29/CE da UE, que proíbe práticas comerciais desleais entre empresas e consumidores (DPCC), se aplica ao presente caso”,dizem. E lembram que a Rede de Cooperação no domínio da Defesa do Consumidor (CPC), para a qual também seguiu a queixa, também se suportou nessa diretiva numa ação anterior contra a Temu sobre o uso destes padrões. A referida diretiva comunitária define um conjunto de práticas comerciais proibidas (desleais). Por exemplo: se distorcer substancialmente ou for suscetível de distorcer o comportamento económico, em relação ao produto, do consumidor a quem se dirige; se contiverem informações falsas no que se refere às principais características do produto, como disponibilidade, quantidade, benefícios, riscos; a apresentação geral enganar ou for suscetível de enganar o cliente; causar ou for passível de causar a tomada de uma decisão transacional que não seria tomada de outra forma.Neste contexto, as associações de defesa dos consumidores apelam à Comissão Europeia e à rede CPC que solicite à Shein o fim dos dark patterns tanto no website como na app em todos os países europeus. E também que apresente provas em como a atividade e as mensagens sobre ações como”fim de stock” ou promoção por “tempo limitado”se baseiam em informações fidedignas. Caso a Shein não apresente as provas necessárias, deverá ser pedido à plataforma que termine com estas práticas. Em última análise, se a plataforma chinesa não acatar as recomendações, deverão ser tomadas medidas corretivas para evitar o risco de danos graves para o interesse coletivo dos consumidores e a circulação de produtos inseguros na Europa, defendem. A queixa pretende também ser uma ferramenta de apoio ao trabalho que a Comissão Europeia está a desenvolver sobre o comércio eletrónico, bem como ao debate sobre uma futura 'Digital Fairness Act' (diretiva sobre direitos dos consumidores em ambiente digital) da União Europeia, na medida em que os dark patterns já estão identificados como práticas que exigem uma ação urgente. Neste contexto, como sublinha Susana Correia, foi também pedido à Rede CPC que inclua nas suas investigações outros operadores que utilizam métodos semelhantes, como a H&M, Zara, Asos, Boohoo, entre outras. Este “problema estende-se a todo o setor da indústria da fast fashion”, frisa a jurista portuguesa. A fast fashion e o impacto no ambiente é outro dos pontos analisados no estudo. O relatório fala mesmo em ultra fast fashion, revelando que só a Shein entregou 315 mil coleções em 2022, volume que compara com as 6.850 da Zara e as 4.400 da H&M. Segundo avança, todos os dias são lançadas milhares de novas peças de roupa nos canais de comércio eletrónico. A produção de vestuário necessita de elevadas quantidades de energia, terra, água e produtos químicos, sendo que a indústria da moda é responsável por 10% das emissões de gases com efeito de estufa, recordam. A este quadro acrescentam a questão da utilização de produtos químicos perigosos no fabrico dos artigos têxteis, com riscos significativos para a saúde de trabalhadores e consumidores.Em fevereiro, a Comissão Europeia anunciou uma investigação à conformidade da Shein com a legislação de defesa do consumidor e, em maio, reforçou o apelo ao cumprimento das normas. A DECO sublinha que a queixa hoje apresentada “traz novas provas sobre o impacto das técnicas enganosas da Shein, complementando a investigação em curso”. .Têxtil e vestuário exigem taxa de 20 euros a plataformas como a Shein e Temu.Deco reclama medidas urgentes para baixar preço da eletricidade