Dois aeroportos congestionados e uma privatização à porta. Ao setor da aviação não falta tema de conversa e a José Lopes também não. Soma mais de três décadas na atividade e lidera a operação portuguesa da low cost britânica desde 2017. Tem “já alguns anos disto”, diz, e a experiência afina-lhe o olhar crítico. “Não faz sentido falarmos em colocar mais slots em Lisboa quando não conseguimos operar os voos que temos de forma pontual”, refere. Os atrasos no Humberto Delgado por falta de controladores de tráfego aéreo são, na sua ótica, um constrangimento urgente a resolver. Privatizar a NAV, que acusa de “falta de eficiência”, é o caminho, defende. A Norte lamenta que a capacidade do aeroporto do Porto fique congelada mais um ano. À ANA deixa o apelo para “não massacrar as companhias aéreas” com taxas, uma vez que são elas quem lhes mete o pão na mesa ou, neste caso, os passageiros nos aeroportos. Já sobre a TAP, José Lopes afiança estar atento à privatização que acredita que poderá ser uma oportunidade de crescimento. E, quando comparados os modelos de negócio, não faz cerimónias a argumentar que a transportadora de baixo-custo contribui mais para as contas do país do que a empresa pública liderada por Luís Rodrigues. “Se olharmos de uma forma puramente económica, sem sentimentalismo ou emoção, um passageiro de ponto a ponto é mais benéfico para a economia portuguesa do que os passageiros de transferência que não deixam dinheiro no país ”, justifica. A operação da easyJet está a crescer em Portugal este ano, apesar dos constrangimentos nos aeroportos?Tem sido um ano exigente, fizemos alguma reestruturação ao nível do network. Não existindo capacidade em Portugal nos dois principais aeroportos, Lisboa e Porto, fizemos um trade-off e substituímos algumas rotas para podermos lançar, por exemplo, o produto de Cabo Verde, mas também de Tirana e Palermo, que são destinos que se mostraram bastante atrativos, fazendo uma reutilização dos slots que já temos. Continuamos também a apostar e a consolidar a nossa posição da Madeira: no Funchal e em Porto Santo crescemos 14% e 15%, respetivamente. No continente, a oferta é um pouco mais flat porque, infelizmente, não existe capacidade não nos é possível continuar a crescer. Para o ano fiscal de 2026 tínhamos a perspetiva de conseguir algum crescimento mas, entretanto, já decorreu a reunião da comissão que faz a declaração de capacidade dos aeroportos e o resultado não foi positivo. Esperava uma resposta diferente?No Porto, sim. Não há razão para não existir mais capacidade para o próximo verão. A NAV [Navegação Aérea de Portugal] bloqueou essa possibilidade dizendo que é necessário fazer uma análise, que já devia ter sido feita. As obras no Porto já começaram e já estão planeadas para terminar há muito tempo, portanto essa análise já poderia ter sido feita. Há alguma ineficiência em termos de ação. Teremos um atraso de pelo menos um ano e só no verão de 2027 é que existirá mais capacidade no Porto.As obras no aeroporto do Porto são um dos argumentos?Sim, mas há outro aspeto que tem a ver com o facto de, mesmo antes das obras, a capacidade do aeroporto estar subdimensionada: o aeroporto tem mais capacidade do que aquela que está declarada. Portanto, foi uma desilusão esta resposta e vamos ter de aguardar até 2027. É mais um ano perdido para o país, para o Porto e para a região Norte de Portugal que poderia estar já a crescer, especialmente no momento em que Lisboa está completamente constrangida.Qual é a posição da ANAC [Autoridade Nacional da Aviação Civil]?Aplaudimos as declarações da presidente da ANAC que disse que será feita uma análise externa por parte do Eurocontrol, de forma a realizar um assessment à capacidade do aeroporto. Vemos isto com bons olhos e esta decisão peca por tardia e esperamos que a análise não fique guardada numa gaveta. Surpreende-me, inclusive, que este tipo de análise não comece já a ser feita também no aeroporto de Lisboa. Costuma-se bater muito na ANA, mas não é a única responsável pelos constrangimentos na Portela. É também a NAV e a falta de eficiência que apresenta e a falta de controladores aéreos. Em Lisboa temos uma capacidade que está declarada há mais de uma década e que, neste momento, não é entregue. Quer a ANA quer a NAV não têm capacidade para gerir e isto não faz sentido. É preciso olhar para o que está a ser mal feito e corrigir. Quando aponta a ineficiência da NAV refere-se aos recursos humanos?Sim, são precisos mais controladores de tráfego aéreo. Tivemos agora discussões para o próximo triénio da NAV e o investimento em recursos humanos é curto. Precisamos de treinar mais gente e usar também os sistemas de forma mais eficiente para que a gestão das separações e de aproximação seja mais eficiente. É o momento de se começar a olhar para o que se fez, por exemplo, há muitos anos no Reino Unido e que se está a pensar fazer em Espanha, que é privatizar, deixar de pertencer a uma empresa estatal para que dessa forma se estimule a eficiência.A gestão da NAV não está a ser bem feita por ser pública?Talvez seja o problema. E não há razão para não o ser, porque no caso específico da NAV os custos são suportados, na sua totalidade, quer pelas companhias aéreas quer pelos aeroportos, não é o Estado que suporta esses custos. Para o Estado, em termos de défice, é zero. Além disso, o investimento e os custos da NAV contam como exportação. Se aumentarmos o investimento para termos um serviço melhor, beneficiará a balança de resultados do país. Não há razão absolutamente nenhuma para que se não se invista. Agora, quando se investe e as companhias aéreas e os aeroportos têm de pagar mais, temos de exigir e temos de poder, de alguma forma, ter algum controle sobre aquilo que se faz e pedir qualidade. É preciso que a Eurocontrol faça também uma análise da eficiência do trabalho, para olhar e ver em que aspectos podem ser melhorados. Não adianta estarmos só a querer puxar pelo investimento e pela melhoria por parte do operador aeroportuário se, depois, em termos de espaço aéreo não temos o mesmo 'push' para que exista um maior investimento, uma maior eficiência. As pessoas que estão na NAV têm também essa vontade, porque são bons profissionais, querem dar mais e, por vezes, não têm a possibilidade.Estes constrangimentos resultam, por exemplo, em atrasos dos voos?Sim. O aeroporto de Lisboa, segundo o relatório do Eurocontrol mais recente, é o pior aeroporto da Europa a nível de atrasos. A grande maioria desses atrasos passam por constrangimentos de tráfego aéreo. O aeroporto tem as suas dificuldades, só tem uma pista, mas existem outros aeroportos que só têm uma pista e que têm uma operação mais eficiente. É preciso olhar para estes aeroportos, ver o que é que estão a fazer bem e copiar. Quando diz que a capacidade na Portela não está a ser entregue é também por causa dos atrasos?Precisamente. De manhã, em Lisboa, há sempre pelo menos três aviões que logo na primeira hora saem com atraso, independentemente da companhia porque não há capacidade para gerir tantas saídas ao mesmo tempo. Temos de olhar para ganhos de eficiência operacional que permitam que os voos programados possam operar a horas. Já sabemos que se tivermos uma manhã difícil - de nevoeiro, por exemplo - haverá uma série de voos ao final do dia que serão empurrados para a operação noturna. Depois as companhias ou cancelam, causando imensa disrupção ao cliente, ou são multadas astronomicamente. Fingir que nada disto acontece num aeroporto que neste momento não consegue gerir a sua capacidade, não faz sentido. Não faz sentido falarmos em colocar mais slots em Lisboa quando não conseguimos operar os voos que temos de forma pontual. Aponta-se muito o dedo à ANA por causa da falta de investimento, mas não se fala disto. É ao Ministério das Infraestruturas que cabe a responsabilidade?Sim, o Ministério das Infraestruturas tem de ser o líder e coordenar isto tudo e, depois, o regulador tem de ter um papel preponderante de liderança.A ANAC não está a cumprir o seu papel?Não sei. É preciso arrancar já com esta análise porque precisamos de melhorar o serviço. No final do dia, o maior aeroporto do país está constantemente atrasado e é esta a imagem que se passa para o exterior - as companhias fazem um esforço para trazer passageiros, mas depois eles não querem voltar se tiverem uma má experiência. Hoje até não é um dia que está a arrancar muito mal, são 11h15 e 23% dos voos saíram de Lisboa com atraso, mas ontem foram 53%. É mais de metade. Esses impactos acabam por se traduzir também nas companhias aéreas porque havendo atrasos ou cancelamentos, isto significa indemnizações aos passageiros. O custo da irregularidade em Portugal continua a aumentar de ano para ano, tornando a operação financeiramente cada vez mais difícil para as companhias e isto é um peso que acaba por se refletir no custo para o passageiro a médio e longo prazo. Portugal vai ficando cada vez mais fora,se compararmos com outros mercados em que isto se opera com menor dificuldade.Referiu que a reestruturação de slots foi uma das estratégias adotadas para rentabilizar a operação. Face aos constrangimentos das duas principais infraestruturas e com o novo aeroporto ainda longe de ser uma realidade, o crescimento terá de continuar a ser sustentado por aviões maiores?Sim, por exemplo, trocar os Airbus 319 pelos Airbus 320neo. No Porto a frota já é toda A320, e só aí estamos a falar de um aumento de 156 lugares para 186 lugares, é um crescimento de capacidade bastante relevante. O plano de reestruturação da TAP termina no final deste ano. A easyJet ganhou os 18 slots da companhia, no âmbito dos remédios impostos por Bruxelas. Que impacto teve esta oferta adicional na vossa operação até agora?Foi uma oportunidade para reforçar a nossa posição na Portela, passámos a ser o player número dois e isto permitiu-nos também regressar ao Terminal 1, onde nos sentimos mais em casa. Permitiu-nos, em termos de dimensão, passar a fazer este reajustamento do network para uma rede que tem mais oferta para o cliente português. Por exemplo a oferta de Cabo Verde, Canárias, Marrocos e outros destinos em Itália que têm vindo a desenvolver-se e a crescer. Ao mesmo tempo investimos também no Porto e em Faro o que nos permitiu reposicionar-nos no país.Na altura em que ganharam os slots, disse que a vossa oferta seria mais benéfica face à da TAP devido ao modelo de negócio da easyJet. A easyJet está a fazer mais pela economia e pelo turismo do país do que a TAP?Acredito que sim. Se olharmos de uma forma puramente económica, sem sentimentalismo ou emoção, um passageiro de ponto a ponto é mais benéfico para a economia portuguesa do que os passageiros de transferência de um modelo hub and spoke que não deixam dinheiro no país e não contribuem para a economia nacional. Já para não dizer que hoje trabalhamos os três aeroportos do continente e a Madeira de uma maneira igual, consideramos que são todos importantes. As companhias como a TAP focam-se no seu hub. A economia precisa deste dinheiro que vem de fora para dentro.Falava deste sentimentalismo. Acredita que o facto de a TAP ser uma companhia de bandeira tem peso na hora de os portugueses escolherem o operador para viajar?Acredito que é um mito. Os passageiros fazem escolhas inteligentes e optam pela companhia que lhes dá melhor relação entre qualidade e preço. A easyJet oferece este equilíbrio, democratizando o ato de voar, tornando-o simples, mas ao mesmo tempo tendo muito cuidado na experiência do passageiro e na qualidade do serviço prestado. O nosso objetivo a médio e longo prazo é continuar a apostar em Portugal e continuar a crescer olhando sempre para as oportunidades que possam vir a surgir. Por exemplo, no caso da privatização da TAP, não sendo nós parte direta interessada, iremos acompanhar o processo porque poderá também abrir oportunidades para continuar a crescer aqui em Portugal e nomeadamente em Lisboa.Através da aquisição de slots, como no caso do plano de reestruturação?Qualquer tipo de movimento de consolidação levará sempre a possibilidade de oportunidades de crescimento para nós, como aconteceu no passado.Vê a privatização com entusiasmo, neste sentido de crescimento?É algo que iremos acompanhar, não estou entusiasmado, nem deixo de estar [risos]. Já tenho alguns anos disto e é um processo interessante de acompanhar. Todas as companhias do mercado estarão atentas a esses desenvolvimentos. Em Lisboa, quando houve a ajuda de Estado à TAP, estávamos atentos e tomámos a ação, mas agora também recentemente, quando foi a compra por parte da ITA pela Lufthansa. As companhias aéreas que querem crescer têm de estar atentas a estas oportunidades que vão surgindo e ser rápida a reagir, a apresentar um bom plano que lhe permita obter slots quando eles surgem e um plano que os rentabilize.Sempre assumiu que a TAP é o vosso principal concorrente. A privatização e a integração num grupo internacional é uma ameaça?Não, de todo. A easyJet é a terceira maior companhia europeia e já concorremos com os grandes players em toda a Europa. Em França, o nosso principal concorrente é a Air France e no Reino Unido é a British Airways. No nosso modelo de negócio ganhamos pela escolha do consumidor. A nossa grande responsabilidade é continuar a olhar para nós próprios e temos de continuar a melhorar para que o nosso produto seja cada vez de melhor qualidade.A ANA queria começar a cobrar taxas já partir do próximo ano para começar a financiar o novo aeroporto, mas este cenário acabou por não ser integrado na proposta tarifária que foi apresentada às companhias aéreas. É uma boa notícia?É algo que já sabíamos, tivemos várias reuniões. E estamos, creio, muito bem alinhados com a ANA. Na parte do pré-financiamento havia uma maior divergência e nós fomos contra, desde o início. Primeiro, porque sempre acreditámos que não era legalmente possível dentro do enquadramento da regulação económica que existe em Portugal. Segundo, porque esse pré-financiamento iria colocar Portugal fora do mercado. Iria ter um impacto muito, muito negativo nas pessoas e na economia portuguesa, porque as pessoas iriam passar a escolher ir para o outro lado. Este é um cenário que estará afastado no futuro? A ANA deu garantias de que o financiamento do novo aeroporto não passará pelo aumento das taxas?Creio que é um cenário que está afastado, porque não se enquadra no modelo regulatório económico que existe. A ANAC também foi clara na sua posição, ao dizer que não se enquadrava e, portanto, não poderia ser aplicado. Foi uma decisão positiva. Como vê a proposta de atualização referente às taxas para o próximo ano que apesar de resultar numa descida em Lisboa prevê aumento de 3,9% no Porto e em Faro?O nosso apelo, tendo em conta a margem que a ANA apresentou e que no último exercício ultrapassou já os 40%, é que não chegue a este limite máximo. As companhias têm estes custos de irregularidade altíssimos e deveria existir também um esforço por parte da ANA para reduzir as taxas de forma a ajudar no pagamento desta fatura. Massacrar as companhias de aviação, no final do dia, é dificultar quem traz o rendimento para os aeroportos. .Easyjet suspende expansão no Porto à espera dos novos investimentos no aeroporto