Os intermediários de crédito, profissionais especializados em negociação de empréstimos com entidades financeiras, já respondem por mais de 20% dos contratos de crédito para aquisição de casa em Portugal, de acordo com o Banco de Portugal (BdP). E a tendência é para fortalecer a quota, ocupando o tradicional espaço da banca. Em paralelo, o número destes agentes registados no banco central tem vindo a aumentar. Os clientes procuram poupança, quer na renegociação de créditos quer em novos contratos. O BdP, que regula e supervisiona a atividade desde 2018, está a rever o regime da profissão para garantir uma maior transparência.Segundo Tiago Vilaça, presidente da Associação Nacional de Intermediários de Crédito Autorizados (ANICA), o downsizing dos bancos iniciado em 2012 (redução de custos e de recursos humanos) abriu uma janela de oportunidade. Foi o fecho dos balcões e a digitalização do negócio bancário que deram o impulso à atividade de intermediação de crédito, diz. “Acomodou muitos profissionais que vieram da banca”, sublinha. De acordo com este responsável, há cerca de 5800 intermediários de crédito inscritos no BdP, com perto de 38% a operar no crédito à habitação.Também Rui Lopes, CEO da Simplefy, considera que o crescimento da atividade “decorre da transformação que o setor bancário tem sofrido nos últimos anos, com o fecho de agências e a consequente aposta em parcerias, como os intermediários de crédito, de forma a manter a capilaridade no acesso a produtos bancários”. Para este especialista de crédito, a legislação de 2017, que entrou em vigor no ano seguinte, e a regulamentação operada pelo Banco de Portugal, “contribuíram para uma crescente profissionalização e credibilização do setor”. Sublinhe-se que a atividade já existia antes do estabelecimento do regime legal, mas não tinha qualquer controlo. Boom em 2019Em 2019, um ano depois de ficar sob a lente do BdP, o setor da intermediação de crédito registou um boom. Nesse exercício, o supervisor autorizou 3721 pedidos para exercer a profissão, universo que compara com os 924 de 2018. Desde aí e até 2023 (últimos dados disponibilizados pelo BdP), têm sido aprovados anualmente bem mais de 400 pedidos. Como refere fonte oficial do BdP, “os intermediários de crédito assumem um papel relevante na distribuição de produtos de crédito” (automóvel, revolving, pessoal, à habitação e hipotecário), sendo que “o seu peso na distribuição de crédito aos consumidores e de crédito hipotecário tem crescido de forma sustentada ao longo dos últimos anos”. Mas nem todos estes profissionais estão habilitados a negociar crédito à habitação. De acordo com Tiago Vilaça, os mais de 2200 intermediários de crédito autorizados a mediar operações de empréstimos à habitação são os designados vinculados, pois representam uma ou mais instituições bancárias. Os não vinculados podem fazer crédito à habitação, mas não têm contratos com os mutuantes, trabalham numa ótica de aconselhamento, esclarece o presidente da ANICA. Há ainda os intermediários com título acessório, que só podem fazer crédito ao consumo e pesam mais de 60% no universo dos intermediários. Segundo Tiago Vilaça, 98% do crédito à habitação é feito por profissionais vinculados.De acordo com o BdP, o montante de crédito aos consumidores concedido através de intermediários de crédito representou 45,2 % do total em 2023 (o que compara com 43,9 % em 2022). Este aumento é justificado pelo “acréscimo da importância dos intermediários na comercialização de crédito revolving e o aumento do seu peso na distribuição de crédito automóvel, segmento em que a maioria do montante de crédito é concedido através de intermediários de créditos”. No crédito à habitação, o montante concedido através destes agentes representou cerca de um quinto do crédito aprovado, revelou. A procura por estes profissionais disparou no pós-covid. Segundo Tiago Vilaça, com a subida das taxas de juro, muitas pessoas quiseram reavaliar e transferir o seu empréstimo à habitação, houve também um aumento nos novos contratos e o crédito ao consumo também aumentou. Este contexto, impulsionou a procura de intermediários, que oferecem conhecimentos técnicos, uma relação humana com o cliente, e aportam poupança, sublinha. “O cliente sozinho não consegue essa poupança. Nós negociamos em volume e também conseguimos fazer os seguros obrigatórios fora da esfera da banca. Normalmente têm mais cobertura e são mais baratos”, salienta. Tiago Vilaça lembra que a banca “está a delegar negócio” e também “a poupar, pois fechou balcões, e só paga ao intermediário se houver negócio. Nós é que asseguramos os custos”. No crédito à habitação, as comissões estão entre 1 a 1,5%. Já Rui Lopes sublinha que “os consumidores, cada vez mais informados, reconhecem vantagens na especialização dos intermediários de crédito, dado que com eles poupam tempo e conseguem condições adaptadas às suas necessidades, com valores competitivos e de uma forma totalmente gratuita”. Para Francisco Ferreira Lima, CEO da Maxfinance, “os intermediários de crédito assumem atualmente uma grande relevância no mercado português”. Isso porque os clientes estão mais exigentes, querem ter informação completa sobre as soluções de crédito dos bancos, os produtos de crédito são complexos e o impacto de uma má decisão é muito elevado para as famílias e para os bancos, contextualiza o responsável.Mais transparênciaDecorridos cerca de sete anos sobre a entrada em vigor do regime jurídico dos intermediários de crédito, o BdP está a estudar a necessidade de atualização desse enquadramento face à evolução do mercado. O supervisor está a equacionar propor ao legislador (o Governo) alterações no sentido de “assegurar maior celeridade e eficiência na atividade supervisiva, clarificar algumas regras aplicáveis e aprofundar a transparência de informação para os clientes bancários”, em temas como o registo dos intermediários de crédito ou a necessidade de garantir que o cliente tem acesso a todas as propostas dos mutuantes, entre outras.O trabalho do BdP vai também debruçar-se sobre as práticas e políticas de remuneração dos intermediários de crédito, que considera “matéria particularmente relevante no contexto da atuação destas entidades no mercado de crédito”. Segundo avança ao DN, “os deveres aplicáveis nesta matéria serão objeto de avaliação, tendo em conta a evolução do mercado e a necessidade de assegurar a transparência da informação prestada aos clientes bancários”.Entretanto, a 1 de julho deste ano, entram em vigor as novas regras à publicidade a produtos e serviços bancários, à publicidade à atividade e à publicidade institucional, difundida, nomeadamente, por intermediários de crédito. 2024 poderá ter sido o melhor ano de sempreA rede de intermediação de crédito Maxfinance admite que 2024 será “o melhor ano de sempre da marca”. Os dados finais do exercício ainda não estão fechados, mas Francisco Ferreira Lima, CEO da empresa, está convicto que os resultados acumulados das 262 agências e dos mais de mil gestores de crédito (todos registados no Banco de Portugal) serão um recorde. E “o peso do crédito habitação será seguramente quase 90% da produção realizada”, sublinha.A Simplefy, constituída apenas há dois anos, atingiu os 700 milhões de euros de financiamento de crédito em 2024, o primeiro exercício com a atividade em pleno. Segundo Rui Lopes, CEO desta comunidade que integra atualmente 225 parceiros registados no supervisor, este resultado coloca a empresa “como um player de referência neste setor”. Nesta fase ainda inicial da operação, o foco foi o crédito à habitação. “Fizemos cerca de 5000 operações de crédito à habitação no ano que terminou, sendo que o negócio no crédito ao consumo foi incipiente”, revela. A Maxfinance tem observado crescimento em todos os segmentos de crédito, mas o que tem registado um aumento mais acentuado é o crédito à habitação, especialmente em períodos de recuperação económica e de aumento dos preços da habitação, diz Francisco Ferreira Lima. Na sua opinião, essa relevância entre os vários produtos deve-se “ao aumento da procura por imóveis e à maior estabilidade associada a esses créditos”. Segundo o responsável, o foco principal são os clientes que procuram contratar um novo crédito, embora nos últimos anos tenha registado um crescimento “significativo” de pessoas que procuram soluções adaptadas às novas necessidades. A Maxfinance tem acordo com 13 entidades de financiamento.A Simplefy, cujo modelo de negócio assenta na disponibilização de uma plataforma de serviços tecnológicos, formativos e de apoio operacional aos seus financial partners, tem estado particularmente centrada no cliente que procura adquirir um imóvel com recurso ao crédito (mais de 90% da atividade). No entanto, no ano passado, “ajudámos várias famílias a renegociar os seus contratos com os próprios bancos e, quando isso não era possível, apresentámos propostas de outras entidades bancárias de forma a poderem reduzir os seus encargos”, diz Rui Lopes. Na Simplefy, 46% dos clientes têm até 35 anos, 36% têm entre 36 e 45 anos, e 18% dos proponentes contam com 46 ou mais.Também a rede de lojas de intermediação de crédito do grupo DS apresentou significativos resultados em 2024. Segundo comunicado, a cadeia alcançou “um marco histórico de 2440 milhões de euros em crédito escriturado”, um crescimento de 44% face aos 1700 milhões de euros de 2023.