Incêndio no município de Arganil
Incêndio no município de ArganilEPA/PAULO CUNHA

“Incêndios foram catastróficos”. Turismo com reservas canceladas até final do ano pede apoios ao Governo

Os fogos que assolaram o Centro do país em agosto levaram ao cancelamento de centenas de reservas, atirando hotéis, AL e empresas de animação para os prejuízos. Empresários e associações pedem apoios.
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A serra vestida de negro, onde há poucas semanas morava o verde, é agora a recordação que resta de um mês de agosto lúgubre. Os locais que deveriam ter sido palco de festas populares, feiras , caminhadas e reencontros de imigrantes ou descanso de turistas deram lugar a um quadro de desespero.

Das chamas já silenciadas restam ainda as cinzas que teimam em não partir. “É preciso que venham chuvas agora para limpar isto”, diz Cláudia Diogo. A proprietária de um Alojamento Local (AL) no Carvalhal, no município do Fundão, levanta as mãos aos céus porque, “desta vez”, teve a sorte de estar “no lado certo da montanha”.

Os incêndios estiveram a vários quilómetros da propriedade e não representaram um risco, mas nem por isso as consequências para o negócio foram menores. A empresária viu várias reservas serem canceladas. “Tivemos uma família que vinha de Sintra e assim que chegou foi-se embora, o ar era irrespirável. E houve vários outros cancelamentos de hóspedes, as pessoas não queriam vir era um bocado traumático”, conta ao DN.

No coração dos fogos esteve o H2otel, em Unhais da Serra, no município da Covilhã. A unidade viu-se cercada pelas chamas e ganhou protagonismo nas televisões nacionais assumindo-se como parte de um cenário de caos. As reservas começaram a ser canceladas em catadupa. “Os incêndios foram catastróficos e as pessoas quando viram aquelas imagens começaram a cancelar. Tivemos o hotel a funcionar a 30% na segunda quinzena de agosto e, neste momento, só temos reservas a cair a partir de novembro e para o próximo ano”, explica Luís Veiga.

O administrador executivo do grupo grupo Natura IMB Hotels, que detém cinco unidades na zona da Serra da Estrela, Covilhã e Guarda, estima que os prejuízos por via dos cancelamentos nas unidades, exceptuando na Guarda, ascendam ao meio milhão de euros.Há, claramente, uma desmotivação na deslocação ao destino e as reservas são um cenário dramático. É perfeitamente compreensível face às circunstâncias em que a região está”, partilha.

Voltar a atrair turistas não será uma tarefa imediata até porque, nesta zona, impera o turismo de natureza procurado pelo ar livre, pelas caminhadas e as atividades nos rios e montanhas. “Há outros hotéis da região que estão a sofrer porque não têm mais nada para oferecer além de dormidas e as pessoas não vêm para aqui quando não podem fazer mais nada e a paisagem está queimada. O H2otel tem outros atrativos, é um hotel de wellness, de relaxamento onde os hóspedes andam de roupão todo o dia dentro da unidade. Portanto, se não saírem das instalações estão sempre bem desde que não olhem muito para o exterior”, aponta. Para já, é dar tempo ao tempo. Tempo para que a natureza faça o seu papel e se reerga e tempo para que os turistas comecem a chegar. Luís Veiga descarta a ideia de apostar em campanhas promocionais ou baixar preços para atrair clientes.

“Não podemos ajoelhar-nos e dizer ‘venham para cá’. Queremos que as pessoas se sintam bem e, quando acharem que devem vir, venham com base na nossa oferta e qualidade. Não vamos forçar a vinda de alguma forma e não queremos que venham por solidariedade ou preço”, garante.

Ainda do lado do alojamento turístico, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) refere ser difícil calcular, nesta altura, os impactos para as propriedades da região, mas admite que a dimensão dos prejuízos poderá ser elevada.

Muitos empresários perderam as receitas do verão que é, nestas regiões, uma altura fulcral para o negócio. Os cancelamentos foram as perdas imediatas, mas, depois, o problema será a dificuldade em gerar receitas nos próximos tempos até que haja um mínimo de normalidade na envolvente”, afirma o presidente da associação.

Eduardo Miranda conta que as reservas foram feitas não só por parte dos clientes, mas também dos próprios proprietários por uma questão de preocupação da segurança do hóspede. “É triste porque são as estas as zonas que mais precisam de atividade económica e, muitas vezes, onde o esforço dos empresários é maior. Muitos estão isolados e vão ter muito mais dificuldade na recuperação”, prevê.

Empresas de animação turística com prejuízos que ascendem aos 150 mil euros

Com o negócio em suspenso ficaram também as empresas de animação turística da região. São, sobretudo, pequenos empresários que organizam atividades desportivas, como canoagem, caminhadas e passeios de bicicleta, eventos , festas e feiras.

“Estas empresas foram profundamente afetadas, são empresas que utilizam o turismo de natureza como o cerne da sua atividade e perderam o verão todo. Há empresas com prejuízos de cinco mil euros e há outras com prejuízos a ascenderem aos 150 mil euros”, enquadra o presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (Apecate).

António Marques Vidal refere que vários empresários não irão conseguir manter os postos de trabalho durante a época baixa depois de um verão sem receitas e explica que, dentro das atividades do setor, a animação turística será a franja com maior dificuldade em recuperar.

“Os hotéis e alojamentos locais tiveram grandes quebras, mas vão voltar a ter clientes mais depressa. Já estas empresas dependem da natureza para operar e com tudo queimado não é possível. Quem é que quer ir caminhar no meio de uma serra ardida? Perderam a capacidade de operação”, lamenta.

Empresas e associações pedem mais apoios

O presidente da Apecate defende, por isso, que a criação de medidas específicas para este universo de empresas “com apoios mais continuados” uma vez que a recuperação “do teatro de operações desta atividade não se faz de forma tão célere”. António Marques Vidal aplaude os apoios já anunciados, mas insiste que é preciso ir mais longe no conjunto de soluções para as empresas de turismo.

O Governo aprovou, no final de agosto, um conjunto de medidas para apoiar as populações e as empresas afetadas pelos incêndios. Entre as quais, estão medidas de solvabilidade, que suspendem durante seis meses o cumprimento das obrigações financeiras relativas a créditos do Turismo de Portugal, uma linha de apoio à tesouraria, um incentivo reembolsável, sem juros, destinado a pequenas e médias empresas com quebra de faturação e um sistema de apoio à reposição das capacidades produtivas, que disponibiliza uma subvenção total a fundo perdido para as empresas que perderam infraestruturas e equipamentos.

Para o administrador executivo do Natura IMB Hotels também é preciso fazer mais. “Não existe qualquer apoio às perdas do negócio e à recuperação de receitas. é preciso ir mais longe. Estamos em territórios de baixa densidade, temos de cumprir as mesmas obrigações que os hotéis do litoral cumprem, mas não temos as mesmas oportunidades. Perdemos competitividade numa circunstância dessas e é preciso, claramente, ir mais longe no capítulo dos apoios”, pede.

Já a ALEP elogia a resposta do Governo, mas alerta que o acesso às linhas de apoio é complexa para muitos dos pequenos empresários devido aos obstáculos burocráticos.

Por fim, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) diz esperar “que estes apoios cheguem de forma simples e célere e às empresas que deles precisam”.

“A AHRESP tem sublinhado a urgência de devolver confiança aos territórios mais atingidos. Nestes lugares, o verão marca a fronteira entre a sobrevivência e o encerramento de muitos negócios. Aqui, não está apenas em causa a economia local, mas a vida das próprias comunidades, que precisam de sinais claros de renovação e esperança. É vital acelerar a regeneração da mancha verde que é paisagem, identidade e futuro”, refere a secretária-geral da associação.

Ana Jacinto garante que a AHRESP irá apoiar os empresários na instrução destas candidaturas. “O nosso compromisso é claro: nenhum empresário ficará sozinho neste processo. Estamos prontos para acompanhar cada caso, passo a passo, logo que os avisos de candidatura sejam publicados”, promete.

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