Grande Lisboa concentrou 37% do emprego criado desde 2018, mas pressão no preço das casas foi pouca
A Área Metropolitana de Lisboa criou quase 353 mil novos empregos desde 2018 e até ao final do primeiro semestre deste ano, volume que representa 37,6% dos 937 840 postos de trabalho que surgiram neste período. É um peso significativo face ao segundo grande território urbano do país, a Área Metropolitana do Porto, cuja economia gerou 13,7% do total do emprego dependente criado nestes últimos cinco anos e meio, dizem os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Numa análise mais fina, verifica-se que só no concelho de Lisboa surgiram mais de 181 mil empregos, 19,3% do total. Na capital foram criados quatro vezes mais empregos que no Porto (cerca de 41 mil).
Esta dinâmica da economia, cujos dados demonstram que não se espalhou de forma homogénea pelo todo nacional, também contribuiu para a crise habitacional com que se depara o país, mas a pressão sobre os preços foi pouca, sublinharam ao DN vários economistas. O crescimento do emprego, logo do rendimento disponível, originou um aumento na procura de casa, especialmente nas duas grandes áreas urbanas de Lisboa e Porto, que não teve resposta na oferta do mercado. Apesar de não ser o determinante, foi mais um fator para a subida do preço da habitação, que acabou por atingir valores incomportáveis para uma larga fatia de portugueses. E esta dificuldade em adquirir ou arrendar casa deve-se em grande medida aos salários praticados em Portugal.
Enorme “gap”
“Um dos grandes problemas da economia portuguesa é que, tendo investido muito em capital humano, o país não criou empregos correspondentes ao elevado nível de qualificação das novas gerações”, diz Luís Cabral, economista e professor na New York University. Esse quadro “leva ao êxodo de cérebros” e “à tragédia dos que, permanecendo em Portugal, se vêm defrontados com um enorme “gap” entre o custo da habitação (que subiu muito) e a remuneração salarial (que aumentou pouco)”, considera o também diretor académico do Nova SBE Public Policy Institute.
Agora, “a concentração urbana é um fenómeno secular e global”, lembra. Não é pois de “espantar que em Portugal a criação de empregos se dê principalmente nos centros urbanos. Não é de espantar e não é necessariamente de lamentar, como se tratasse de uma tragédia humanitária”, considera Luís Cabral.
No segundo trimestre deste ano (últimos dados oficiais), o valor mediano do metro quadrado atingiu os 4367 euros em Lisboa, uma subida de 36% face ao primeiro trimestre de 2019. No Porto, neste espaço temporal, o preço do metro quadrado aumentou 65%, para 3033 euros. A nível nacional, subiu 63%, para 1736 euros. Um estudo do Banco de Portugal, publicado em outubro, revela que “desde 2013, os preços da habitação em termos reais cresceram mais de 80% em Portugal”.
O fenómeno é idêntico no arrendamento. No terceiro trimestre de 2024, a renda mediana dos novos contratos no país subiu 10,7% face ao mesmo período do ano anterior, para 8 euros por metro quadrado. Em Lisboa, o preço atingiu os 16,1 euros, mais 3%, e no Porto aumentou para 12,5 euros, um incremento de 8,3%. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2022, 39,4% da despesa média das famílias concentrou-se em encargos associados à habitação.
Em setembro, o INE divulgou que a remuneração bruta total mensal média por trabalhador era de 1528 euros. Um relatório do Banco de Portugal sinaliza que, no primeiro semestre deste ano, “o rácio entre o índice de preços da habitação e o rendimento das famílias estava 24% acima da média de longo prazo e o rácio entre os preços e as rendas 28% acima”
Óscar Afonso, diretor da faculdade de Economia do Porto, não tem dúvidas que “tem havido um crescimento muito mais elevado dos preços das habitações e das rendas em comparação com os salários dos portugueses”, restringindo o acesso a uma casa. Esta realidade é ainda mais aguda quando é sabido que o emprego concentra-se em grande medida nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, daí que “a tendência de subida da procura (e dos preços) seja relativamente maior nessas áreas, a que acresce a procura crescente de alojamento por turistas e imigrantes com poder de compra acima da grande maioria dos nossos cidadãos”.
O poder dos estrangeiros
Os economistas Guilherme Rodrigues e João Reis que, em conjunto com outros autores, publicaram recentemente um estudo sobre a crise habitacional no país, sob a chancela da associação Causa Justa, têm opinião semelhante. Como defendem, “os rendimentos do trabalho não têm vindo a acompanhar o que tem vindo a ser a apreciação do imobiliário, o que sugere que as dinâmicas internas do mercado de trabalho português não podem ser a principal explicação para a escalada de preços”. Para estes investigadores, “os residentes com rendimentos vindos do exterior muito acima da média nacional parecem ser os elementos com maior peso neste fenómeno”.
Como frisam, “existe uma procura crescente por parte de indivíduos que têm rendimentos muito superiores aos salários nacionais”. O valor mediano pago por metro quadrado por alguém que tenha residência fiscal no estrangeiro é 42% superior a um nacional, dizem. No caso da Área Metropolitana do Porto é 56% superior e na Área Metropolitana de Lisboa é 77%. Os dois economistas sublinham que estes compradores já representam “algo em torno dos 10-11% do valor transacionado em Portugal”. E concluem: “É uma procura desequilibradora e isso tem levado a distorções”.
Óscar Afonso lembra também que o crescimento da oferta habitacional no país respondeu “preferencialmente aos segmentos de maior poder de compra”, ou seja, à habitação de luxo (e gama média-alta) para imigrantes abastados. Em suma, diz, devido ao aumento do emprego, “um cidadão português de rendimento mediano das duas áreas metropolitanas passou a enfrentar a concorrência na habitação de mais pessoas de rendimento similar, e procurando as mesmas tipologias, cuja oferta pouco terá aumentado”.
Pouca construção
A alta de preços prende-se com a procura que, além da criação de empregos, tem sido influenciada pelos reformados e nómadas digitais provenientes de outros países, defende também Luís Cabral. Há também que notar que “a taxa de construção nos últimos anos tem sido inferior aos valores do princípio do século”, frisa. “Estimo que, durante a segunda década deste século, a taxa de construção tenha sido muito mais baixa do que nas décadas anteriores. É como se tivéssemos regressado aos valores dos anos 1920 e 1930”. E este “é um dos fatores mais importantes” que explica os custos atuais da habitação, frisa.
Outros constrangimentos ao crescimento da oferta de habitação são “o elevado custo da construção (que se agravou muito com a inflação recente), o excesso de burocracia e morosidade de processos (nomeadamente de licenciamento), e os próprios limites físicos à expansão das cidades”, elenca Óscar Afonso. O economista considera ainda que “parte da crise de habitação prende-se com a política monetária do BCE, e as condições da economia do euro, que teve de a apertar de forma rápida e súbita até há pouco tempo para controlar a inflação, após quase oito anos com taxas de juro perto de zero, que ajudaram a alimentar a subida dos preços da habitação por toda a Europa, incluindo em Portugal”.
Guilherme Rodrigues e João Reis lembram ainda o feito do turismo. “O crescimento do turismo da última década tem duas particularidades que contribuem para o aumento de preços generalizado: é um fenómeno que tem ganho peso em especial em Lisboa e no Porto, e tem tido um forte componente de Alojamento Local”, dizem. Embora possa ter contribuído para a reabilitação de imóveis devolutos, o AL “tirou casas do mercado tradicional de habitação”. Em 2021, Lisboa tinha menos alojamentos familiares clássicos que em 2011, exemplificam.
País centralista
Óscar Afonso defende que a forte concentração do emprego nas duas grandes áreas metropolitanas do país ocorre “porque temos um território continental economicamente muito desequilibrado, com um interior cada vez mais desertificado e um litoral que absorve a maior parte das atividades e das pessoas”. E isso reflete, “em grande medida, o vergonhoso elevado centralismo do nosso país”, sublinha. Na sua opinião, “a descentralização é crucial para termos uma maior coesão territorial, com oportunidades de emprego mais distribuídas pelo território”, que conduziriam a uma melhor repartição da procura de habitação pelo país e uma menor pressão sobre os preços, e ajudando também a baixar a taxa de desemprego de uma forma estrutural.