Emmanuel Macron, Presidente de França, e Luís Montenegro, primeiro-ministro de Portugal, na visita de Estado de Macron a Portugal, no final de fevereiro de 2025. Uma das prioridades foram os acordos para o armamento.
Emmanuel Macron, Presidente de França, e Luís Montenegro, primeiro-ministro de Portugal, na visita de Estado de Macron a Portugal, no final de fevereiro de 2025. Uma das prioridades foram os acordos para o armamento.JOSE COELHO/EPA

Cortes orçamentais na Defesa ultrapassam os três mil milhões de euros na última década

Desde 2014, governos "pouparam" 1,8 mil milhões de euros em despesa corrente e 1,3 mil milhões em investimentos não realizados. Meta da NATO, de 2% do PIB, podia estar cumprida, não fosse isso.
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O setor da Defesa Nacional contribuiu com uma poupança (corte face ao orçamentado) na ordem dos três mil milhões de euros na última década - desde 2014 - para a consolidação das contas públicas. Este valor é equivalente a mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mostram cálculos do DN a partir dos dados da Conta Geral do Estado (CGE) e da execução orçamental.

Durante este período, a Defesa gastou menos em despesa corrente e de capital (investimento), ano após ano, até 2023, face ao inicialmente previsto no Orçamento do Estado, só invertendo esta situação no ano passado quando, finalmente, conseguiu executar mais verbas do que o orçamentado.

Esta subexecução crónica dos gastos do setor militar foi, como referido, de 3,2 mil milhões de euros desde 2014. Se este valor tivesse sido executado, permitiria que o país já tivesse atingido a meta de 2% do PIB em Defesa, como exige o acordo com a NATO (sigla em inglês para Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Esta meta é para atingir em 2030, mas o ainda primeiro-ministro, Luís Montenegro, comprometeu-se com os aliados em antecipar o ponto de chegada em um ano, ou seja, 2029.

Mas, tendo em conta a situação internacional cada vez mais beligerante (Ucrânia e Médio Oriente) e a iniciativa recente da Comissão Europeia para “rearmar a Europa”, os altos responsáveis da NATO vão dizendo que o objetivo, então, deve ser muito mais ambicioso e que os países aliados devem envidar esforços para chegar antes a um peso de 3% do PIB, ou mais, neste tipo de gastos.

Portugal está longe desses objetivos e os últimos anos foram marcados por uma redução consistente de profissionais (em número e na atualização de carreiras), de gastos correntes e, sobretudo, em novo investimento.

Desde 2014, e contando já com a reanimação orçamental registada em 2024, a despesa corrente do programa Defesa, a “poupança” ascende a 1,8 mil milhões de euros.

No investimento, foram executados menos 1,3 mil milhões de euros do que o previsto nos sucessivos orçamentos, também desde 2014.

O governo assume que é preciso investir muito mais na modernização dos “equipamentos e instalações militares, com vista a garantir as melhores condições possíveis para que as Forças Armadas portuguesas possam exercer as suas missões em teatros de guerra e em tempos de paz”.

No Orçamento do Estado deste ano (OE 2025), o executivo defende que é preciso mais equipamentos e com eles mais pessoas, mais profissionais. A ideia é “melhorar a capacidade de recrutamento e retenção de militares, alterando a redução verificada nos últimos anos, traduzida numa diminuição em quase seis mil efetivos (20% face a 2015), o que prejudica a capacidade para o cumprimento das missões atribuídas às Forças Armadas”.

De acordo com a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), entidade responsável por apurar o número de profissionais no setor público, a área da Defesa - tudo considerado, militares e outro pessoal, seja esfera direta do governo/ministério, seja nos institutos e outras entidades autónomas do setor - empregava cerca de 38 mil pessoas no final de 2024.

Este universo de quadros caiu de forma significativa e no final do ano passado contava apenas com 30 mil profissionais. É uma redução superior a 20% em apenas dez anos.

“Neste momento, e já estava a ser assumido por este Governo e no atual quadro geopolítico e geoestratégico, é inequívoca a importância de reforçar o investimento na área da Defesa”, disse na semana passada o chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Jorge Nobre de Sousa.

“Penso que os cidadãos estão a perceber que de facto é o momento de repensar a abordagem e o investimento na área da Defesa porque são investimentos que levam algum tempo a produzir efeitos, não se podem improvisar, têm de se estruturar e planear adequadamente”, disse o chefe máximo das Forças Armadas.

Um alto responsável do governo acrescenta que o setor militar “está hoje na economia de mercado a concorrer com as restantes atividades e precisa de reter talento, como os outros”. “Para tornar as carreiras militares cativantes e conseguirmos as melhores pessoas, é preciso meios financeiros, mais do que temos tido até aqui. É preciso oferecer condições”.

Aparentemente, chegados a 2025, com uma guerra sem fim à vista na Europa e cenários de enorme destruição noutros pontos do mundo, os militares já não estão sozinhos nesta abordagem ou prioridade.

O governador do Banco de Portugal, por exemplo, defendeu há dias que a Europa (Portugal, incluído) vai precisar de se endividar muito, novamente, ao longo dos próximos anos para se poder “gastar muito dinheiro” na área militar e defesa.

Para Mário Centeno, “no domínio orçamental vamos precisar de programas [de Defesa] bem concebidos e vamos precisar de gastar muito dinheiro”. “Nós temos esse dinheiro e não devemos recear gastar dinheiro em nosso benefício”.

O meio para lá chegar é emitir mais dívida. É o que está a fazer já a Alemanha, por exemplo.

Centeno sublinha ainda que o impulso que isto pode dar à economia é positivo. “O aumento esperado da despesa militar no contexto do plano de reforço da capacidade de defesa europeia pode estimular a economia”.

Recuperar no investimento

Com o défice de investimento a rondar os 1,3 mil milhões de euros desde 2014, Portugal decidiu agora recuperar o atraso.

Segundo o governo, do lado dos grandes projetos, destacam-se “projetos estruturantes, como por exemplo, os navios-patrulha oceânicos, abastecedores e polivalente logístico ou as aeronaves de transporte KC-390”.

O ministério ainda tutelado por Nuno Melo fala em “recuperar os níveis operacionais de equipamentos em operação”, na “melhor utilização do património da Defesa Nacional, através da melhoria da execução da Lei de Infraestruturas Militares, destacando-se o seu contributo para o reforço das condições de habitabilidade dos militares deslocados”.

Diz ainda que “a Defesa continuará a trabalhar na implementação dos investimentos Centro de Operações de Defesa do Atlântico e Plataforma Naval e Meios de prevenção e combate a incêndios rurais, no âmbito da edificação da capacidade própria do Estado, dando continuidade à aquisição de meios aéreos próprios no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais”.

No final de fevereiro, Emmanuel Macron, o Presidente de França, fez uma visita de Estado a Portugal. Ao seu lado, Luís Montenegro assumiu que “o investimento na área da defesa tem de significar mais atividade nas indústrias da defesa, maior criação de riqueza, de gerar emprego e de valor acrescentado”.

“Combinei com o Presidente Macron comprar equipamento militar a França, mas acertando que, na troca, França também compre equipamento militar a Portugal. É isto que precisamos de fazer na Europa. Vamos deixar-nos de rodriguinhos e dizer as coisas como elas são”, atirou o PM português.

Segundo o governo, “no acordo de cooperação na área da defesa, Portugal e França afirmam vontade de estudar várias capacidades, entre as quais, artilharia, sistemas navais, ciber, e sistemas aéreos não tripulados (drones)”.

De acordo com o que foi aprovado no OE 2025, Portugal tinha o plano de gastar mais de 3,1 mil milhões de euros na área da Defesa este ano. Tendo em conta a execução acima do par em 2024, significa que para haver reforço de verbas, o programa Defesa terá de ser nutrido com mais fundos.

É o que está a ser preparado, reprogramando vários investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em benefício de projetos na área militar que envolvam novas tecnologias e inovação, por exemplo.

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