Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças Públicas.
Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças Públicas.Fotografia: João Silva

CFP arrasa parte das previsões que Sarmento enviou a Bruxelas sobre o futuro da despesa pública

Há um aparente desencontro entre Conselho das Finanças Públicas e governo. Plano orçamental onde Miranda Sarmento combinou com Bruxelas a evolução da despesa pública de referência até 2028 já foi entregue, mas ainda não foi divulgado. CFP emitiu na mesma um parecer com críticas à tutela do ministro.
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As novas previsões feitas pelo Ministério das Finanças para sustentar o Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo para 2025-2028 (POEN-MP), que o governo enviou esta sexta-feira para Bruxelas, não convencem o Conselho das Finanças Públicas (CFP), que critica de forma veemente a qualidade e coerência uma boa parte das novas contas feitas pela tutela do ministro Joaquim Miranda Sarmento. Queixa-se ainda de muita falta de informação importante e relevante que o ministério simplesmente não facultou, diz o Conselho.

Problema adicional: este parecer do CFP foi divulgado esta sexta-feira em circunstâncias inusitadas, uma vez que o documento a que se refere e que lhe serve de base para a análise ainda não é do conhecimento público.

O Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo para 2025-2028 completo, que inclui as referidas previsões plurianuais também, só será divulgado pela Comissão Europeia (CE) mais tarde, mas não existe ainda sequer uma data concreta por parte de Bruxelas para o fazer.

Certo é que o CFP, a entidade que fiscaliza o cumprimento das regras orçamentais em Portugal e a sustentabilidade das finanças públicas, presidido por Nazaré Costa Cabral, divulgou na mesma o parecer, esta sexta-feira, ao abrigo de um "protocolo" firmado com o Ministério das Finanças (MF) em vigor desde 2015.

As conclusões do CFP sobre o Plano de Médio Prazo não abonam muito a favor do governo e do Terreiro do Paço.

O documento em causa, ainda no segredo dos deuses no caso de Portugal, é o que todos os países da União Europeia (UE) estão obrigados agora a enviar, todos os anos, a Bruxelas, para serem avaliados à luz do Pacto de Estabilidade revisto e do novo quadro de coordenação das políticas económicas e de supervisão orçamental multilateral (entre os países e as instituições da UE).

É nele que o governo assume os seus "compromissos orçamentais e em matéria de reformas e de investimentos" por um período de quatro ou cinco anos, "consoante a duração regular da legislatura desse Estado-Membro", explicam as Finanças.

É neste plano que surge o novo e polémico indicador para a trajetória esperada e definida para a esmagadora maioria da despesa pública do país durante os próximos 5 anos.

Seja como for, apesar destes números já estarem todos fechados e de serem do conhecimento do Conselho das Finanças, eles não foram ainda tornados públicos, algo que compete apenas à Comissão Europeia. Mas como referido, a CE não dá informações sobre isto em termos de agenda.

Mas, como referido, publicamente, o CFP deu a sua opinião sobre o que ainda não é público.

Segundo o parecer, apesar de as "estimativas e previsões para a evolução do PIB real e respetivo deflator" terem sido classificados como "prováveis e plausíveis", tudo o resto não parece ter grande coerência.

"Dissonância" no PRR

"As estimativas apresentadas para a taxa de crescimento do PIB potencial, bem como para o hiato do produto, não aparentam ser coerentes com o restante cenário macroeconómico apresentado", diz o CFP.

"Ao longo de todo o horizonte de projeção, a dinâmica projetada para o investimento não aparenta incorporar o perfil de execução assumido para os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)", sendo que "a dissonância é particularmente evidente em 2027, ano em que a revisão significativa em alta face ao apresentado no Programa de Estabilidade de 2024 não encontra justificação nas hipóteses de enquadramento, particularmente a quebra de 1,5% do PIB de investimento público financiado por este instrumento, cujo prazo de execução termina em 2026".

Segundo o Conselho, "acresce que a implementação do PRR poderá sofrer ainda alterações, com impacto relevante nas perspetivas para a procura interna e para a evolução do stock de capital e, bem assim, do crescimento potencial da economia portuguesa, em virtude de uma execução potencialmente inferior ao assumido pelo MF".
 
Além disto, o CFP afirma que "a estimativa apresentada para o hiato do produto apresenta um perfil ascendente ao longo do horizonte de projeção, e um nível significativamente positivo em 2028" o que "não aparenta ser coerente com o restante cenário macroeconómico".

Aliás, "esperar-se-ia que no final do horizonte de projeção este hiato convergisse para valores próximos de zero, o que não sucede".

Adicionalmente, o CFP queixa-se do facto de as Finanças terem colaborado pouco na disponibilização de vários tipos de informação crucial para a entidade fazer o seu trabalho.

"A não disponibilização de informação adicional para o cálculo do PIB potencial utilizando a metodologia comum da UE (EUCAM), bem como a não disponibilização da Tabela 7-A do POEN-MP não permite recalcular o produto potencial, e consequentemente o hiato do produto compatível com a previsão para o PIB real e demais variáveis da previsão macroeconómica". "Recorda-se que a estimativa para o hiato do produto afeta o cálculo dos saldos orçamentais ajustados do ciclo, essenciais na computação da trajetória para a taxa de crescimento das despesas líquidas", insiste o CFP.

Este indicador relativo às despesas líquidas é o que vai impor o limite para a evolução das "despesas primárias líquidas financiadas a nível nacional, ou seja: nas despesas públicas líquidas de despesas com juros, medidas discricionárias em matéria de receitas, despesas relativas aos programas da União inteiramente cobertas por receitas provenientes de fundos da União, despesas nacionais relativas ao cofinanciamento de programas financiados pela União, bem como elementos cíclicos de despesas relativas a prestações de desemprego".

Tudo o que sair fora da rota combinada e refletida no indicador da despesa, os governos terão de compensar com cortes adicionais na despesa ou aumentos de receitas e de impostos de forma a manter a trajetória combinada e exigida pelo Pacto de Estabilidade.

Finalmente, o CFP lamenta que "a elaboração deste Parecer restringiu-se aos elementos do cenário macroeconómico recebidos pelo CFP, não abrangendo os pressupostos necessários ao cálculo da trajetória das despesas líquidas, uma vez que não foram facultados ao CFP os pressupostos metodológicos utilizados no cálculo do compromisso da trajetória das despesas líquidas que constará no POEN-MP".

"O CFP também não teve acesso a essa trajetória, nem à trajetória de referência. Não teve igualmente acesso à identificação e quantificação do impacto de eventuais medidas de política incorporadas no cenário macroeconómico", revela o organismo de Nazaré Costa Cabral.

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